Querido diário...

Uma nova manhã cai sobre Manhattan, na promessa de melhorar os caminhos de uns, e, piorar a tragetória de outros. 

Tyler está dormindo tranquilamente em sua cama. Abraça o travesseiro europeu, apoiando a cabeça em plumas de ganço. É como reinar sobre ossos.

A empregada adentra ao quarto obedecendo as ordens do senhor Tonny. Ela mexe nas cortinas e deixa a luz do sol entrar através das janelas. Está com os cabelos presos. São seis horas da manhã, mas há brilho em seu rosto.

Ela está cansada.

Tyler suspira, despertando de seus sonhos obscuros. Ergue a cabeça lentamente, ainda embriagado pelo sono, e avista a humilde empregada tentando acordá-lo sem lhe incomodar.

—Você... Não precisa fazer isso toda vez. —Ele boceja, sentando-se sobre a cama gigantesca. —Faça um barulho, jogue meu braço pra longe, chame o meu nome... Qualquer coisa que torne o seu trabalho mais fácil. Eu sou só um vagabundo que dorme demais. —Ele brinca, arrancando risadas naquele rosto cansado pelo trabalho árduo.

O rapaz se levanta, conferindo se está vestido. Olha para baixo, jogando as pernas para fora da cama, e se levanta. Ele atravessa o quarto e passa pela serviçal, exibindo o sorriso de um rosto amassado.

As cenas da noite anterior são reproduzidas em sua mente como uma conversa comum de fim de tarde. 

Ele não sente nada.

No banheiro, o rapaz se admira diante do espelho. Apoia as mãos na bancada de mármore carrara e sorrir satisfeito. Ele gosta do que ver.

Após tomar um banho e fazer toda a higiene matutina, Tyler deixa o banheiro com uma toalha envolta de sua cintura. Há duas empregadas no quarto. Elas mexem nas coisas superficiais, como regra, e não abrem os armários.

Ele é organizado. Suas coisas estão sempre limpas e ele se orgulha de ser dessa maneira. 

No Closet, Tyler tranca a porta por dentro e abre as portas de um armário peculiar. Dele, tira seu diário e começa a reclamar sobre sua vida. As empregadas não escutam. O isolamento acústico é quase uma agressão à engenharia. É algo absurdo. 

Com a cabeça flutuando dentro de um recipiente de vidro com 3L de formol, o garoto começa a desabafar para seu diário peculiar e incomum enquanto se veste para mais um dia de aula.

—Ah, diário... —Estica os braços, tirando o uniforme do cabide. —Ontem eu fui para a terapia eficiente. Sabe... Me faz bem, e é como dizer "se te faz bem, que mau tem"? —Ele olha para a peça requintada e abre o espaço com as mãos, levando até a cabeça, se vestindo. —Ele era lindo. Eu seria amigo dele num universo paralelo. —Estica as pontas da camisa em seu corpo, analisando o resultado nos espelhos espalhados pelo closet. —Você... Não vai contar pra ninguém, não é? —Ele sorrir. Sua risada seca enquanto puxa a calça do uniforme. —Ele era muito ingênuo. Eu consegui levar ele facilmente pra floresta e drenar aquele corpo. Que idiota! —Tyler se olha intensamente diante de um dos espelhos que iam do teto ao chão, e se orgulha. —Foi uma obra de arte...

O rapaz veste o casaco e arruma os cabelos, finalizando a arrumação, mas permanece desabafando para seu diário peculiar.

—Eu o amarrei. Aaah! A minha boca saliva quando penso naquelas cordas deslizando pelo corpo dele, deixando marcas vermelhas. —Ele olha para a cabeça humana flutuando no formol e seus olhos chegam a brilhar com as recordações recentes. —A pele dele estava ficando irritada com as farpas da corda penetrando aos poucos. Eu o cortei devagarinho, deixando o sangue ser drenado até um galão de vidro. Cinco litros de sangue puro. Você tem ideia do quão lindo era aquele vermelho? Dessa vez, diário, eu nem quis vê-lo tocar as paredes. Só sujei as bochechas dele com um pouco do líquido viscoso, deixando a pintura ainda mais bonita.

Ele puxa os tênis e se senta na poltrona, esfregando as costas para trás.

Põe o pé no assento e continua a desabafar com a cabeça.

—Ninguém faz como eu faço. É preciso muita prática. Por sorte eu tinha um quite de emergência dessa vez. Eu consegui fazer tudo direito. Enterrei o galão onde todos os outros estão e ninguém, nunca, encontrará minha tinta perfeita. —Seus lábios se esticam em um sorriso unilateral. —Eu sou perfeito, diário. E você sabe disso.

Tyler se ergue da poltrona, pronto para descer e tomar seu café da manhã. Pega o vidro com a cabeça submersa em formol e a devolve para o armário secreto. 

—Eu deitei sobre ele quando a vida estava lhe deixando, e fiquei olhando em seus olhos enquanto aquilo acontecia. Ele piscou algumas vezes e, quando percebi que aquele suspiro da morte estava prestes a chegar, toquei seus lábios com os meus lábios e inspirei. Eu engoli seu último suspiro e o permiti me deixar. —Ele fechou as portas do armário e guardou as chaves no bolso da calça. —Eu sou Deus!

...

Deixando o closet, Tyler atravessa o quarto e o deixa também, permitindo que as empregadas limpem tudo e organizem, cumprindo suas tarefas daquela manhã.

Ele desce pelas escadas luxuosas e alcança a cozinha ao final de uma caminhada longa. Morar em mansões luxuosas e extremamente gigantescas lhe proporciona caminhadas longas até mesmo para uma simples refeição.

Vendo que seu pai já inicia a quebra de jejum sem ele, o garoto alto puxa a cadeira de madeira e se senta, afundando as costas.

Pai e filho se olham, mas não há conversa. No fundo de seu coração, Tonny nunca perdoou seu filho, e somente ele sabe os motivos, embora nunca os tenha dito em voz alta.

O café da manhã é silencioso. O garoto não se incomoda, ele não consegue. À sua frente é servida sua comida favorita, e a calda vermelha luminosa lhe lembra o líquido viscoso do sangue drenado, na noite anterior, por ele. Sua boca saliva. Ele estica as mãos lentamente e leva o alimento até a boca, comendo satisfeito.

Seus desejos deformados lhe perseguirão pela vida toda, e ele nem tem consciência disso.

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