Capítulo I

O Doutor Brandon Davis jamais se sentira acuado em toda a sua vida como se sentira naquele momento. Desde sua juventude, estava habituado a ficar no topo, no domínio de qualquer situação. Até aquele instante, ninguém ousou enfrentá-lo como a criatura que antes era o Dr. Josh Smithers. O ser de olhos fundos e boca permanentemente escancarada avançava obstinadamente em sua direção e não demonstrava nenhuma intenção de recuar ou mudar de atitude. Nenhum dos golpes antes desferidos pareceu surtir efeito no monstro.

— Maldição... será que esse vírus.. não, isso não é possível!

O Dr. Davis analisava piamente a situação na qual se encontrava e mesmo em meio ao turbilhão de sensações que experimentava começou a estabelecer uma sinistra teoria. Definitivamente, o resultado que estava presenciando não era esperado nem por ele e nem por nenhum colaborador da Ômega. Entretanto, se seu raciocínio estivesse certo, essa situação ainda poderia se tornar favorável às suas ambições. Sua mente diabólica renunciou a todo o medo e aversão pela criatura à sua frente e conseguiu enxergar uma potencial oportunidade para causar uma grande reviravolta na história da Ômega e também em sua própria vida.

De repente, o Dr. Davis parou de recuar e encarou a criatura fixamente em seus olhos sem vida. Não havia dúvidas: Josh Smithers estava morto, mas.. vivia. Ao menos as suas propriedades orgânicas básicas haviam voltado a funcionar. Nada havia restado do brilhante jovem cientista. Sua inteligência esvaiu-se do seu ser no momento da aplicação do vírus Orpheu. A diferença era que algumas de suas células haviam voltado à atividade. Células essas que enviavam informações sobre a necessidade de se movimentar e se alimentar. Brendon Davis compreendeu perfeitamente o que estava acontecendo à sua frente. Então, um sorriso sinistro materializou-se em seu rosto.

— Dr. Josh... mesmo após a morte, você vai mudar incrivelmente a nossa história.

Nesse momento, três cientistas saíram às pressas da sala 407, estranhando a demora do Dr. Smithers. Quando viram os dois cientistas mais à frente do corredor, seguiram ao seu encontro.

— Dr. Davis, que bom vê-lo, senhor! - exclamou Terrence James, um dos cientistas veteranos - Imagino que o Dr. Smithers já tenha lhe dados as boas notícias.

— Dr. James... Acho que posso dizer que todos vocês realizaram o mais incrível dos projetos da Ômega.

Até então, ninguém havia percebido a mudança do Dr. Smithers. Estavam a quarenta metros de distância quando o chefe ainda falava. Porém, quando deram mais dez passos, ficaram petrificados de espanto. O Dr. Davis, ainda sorrindo, olhou para os três cientistas em sua retaguarda e disse:

— Estão vendo, senhores? Em nossa frente, está a fonte de uma vasta e incalculável riqueza. A mais poderosa arma de combate. Indestrutível, imortal e o mais importante... Impiedoso contra os inimigos!

Os três cientistas se entreolharam, aparentemente não acreditando no que viam e ouviam. O companheiro de anos de trabalho, aquele com quem eles compartilharam conhecimentos e até mesmo informações sobre suas vidas pessoais, encontrava-se em um estado absurdamente lastimável, caminhando de maneira completamente desajeitada e letárgica, além de deixar cair de sua boca uma substância negra, como se até mesmo a sua saliva estivesse contaminada. O cientista Jensen Bernan respirou fundo e se dirigiu ao Dr. Davis.

— Senhor, precisamos encaminhar Josh para a enfermaria imediatamente! Me parece um caso de... infecção gravíssima!

— Receio que seja tarde, Dr. Bernan! - respondeu prontamente o chefe - Caso não tenha percebido, o Dr. Smithers já está sem vida há algum tempo.

— Espera aí, eu não entendi - interveio o Dr. James - O que o senhor quer dizer com "sem vida"?

— Por acaso está cego, Terrence? Olhe bem pra esse infeliz! Se parece com o Josh que você conheceu?

— Dr. Davis... não me diga que isso é efeito do... Orpheu?

— O Orpheu se mostrou milagroso, Dr. James! - a empolgação de Brandon Davis aumentava, como se ele fosse uma criança descobrindo novas funções de um brinquedo que acabara de ganhar de presente - Veja como Josh está mudado. Nada sobrou daquele garoto mimado e sem graça com quem trabalhávamos.

— O que foi que disse? - revoltou-se o Dr. Gerald Wilson, o terceiro cientista - Como ousa tratar Josh dessa maneira?

— Ora, ora... Controle-se, Dr. Wilson! Eu compreendo perfeitamente o espanto de todos vocês. Mas acreditem em mim...Assim que virem o que nossa nova arma é capaz de fazer, mudarão de ideia e até me agradecerão!

A indignação foi unânime entre os cientistas. O Dr. Jensen Bernan cerrou os punhos e esbravejou.

— Arma? O que está dizendo, seu... monstro? Por acaso não está vendo a situação dele? Acho que já entendi o que aconteceu... Josh estava com uma seringa com uma amostra do vírus nas mãos. Você aplicou nele, não foi? Sem ao menos saber das propriedades do vírus!

Repentinamente, o Dr. Davis girou sobre os calcanhares, se posicionando de frente aos cientistas e ficando de costas para a criatura.

— Vocês não entendem, não é? Eu finalizei o experimento! Coloquei o vírus para trabalhar. Vocês estão testemunhando o resultado. Vocês todos ajudaram na criação desse vírus! - Dr. Davis apontou com o dedo indicador para o morto-vivo - Isso, senhores... Também é criação de vocês! Eu não iria perder o meu tempo realizando ensaios naqueles seus ratos imundos. Olhem para Josh! Ele é a próxima etapa da evolução de Darwin. A suprema máquina de guerra. Imagine por quando podemos vender o Orpheu para a Rússia. E depois para a China. Essa novidade percorrerá o mundo e até mesmo o Oriente Médio irá nos procurar!

Nesse momento, a criatura estava a menos de um metro e meio do Dr. Davis. Seus braços se esticaram e suas garras avançaram impiedosamente na direção do cientista. Ele porém, parecendo estar preparado previamente para o ataque, agarrou o braço direito do monstro e o lançou com toda a força na direção dos três cientistas. A criatura esbarrou no Dr. Terrence James e abocanhou violentamente o seu pescoço. Jensen Bernan e Gerald Wilson assistiram congelados de pavor enquanto o monstro continuava devorando a carne do seu companheiro. O sangue de Terrence jorrava intensamente, como uma fonte. O monstro, que antes era o Dr. Josh Smithers, começou a devorar o rosto do cientista, arrancando freneticamente a sua pele. Os gritos do Dr. James eram ensurdecedores e os dois outros cientistas tentavam em vão afastar o monstro do amigo, porém sua força em nada resultou. A criatura possuía uma força sobre-humana e mesmo os dois homens o empurrando com todas as forças, a carne de Terrence James continuava sendo devorada.

O Dr. Brendon Davis aproveitou o frenesi alimentar do monstro para correr em direção à sala 407, onde outros cientistas se amontoavam e comentavam sobre os gritos que ouviram do corredor. Imediatamente, questionaram o chefe:

— Dr. Davis... O senhor esteve lá fora. Aconteceu alguma coisa? Nós ouvimos gritos.

Simulando uma falta de ar e adotando uma falsa expressão de pavor, ele respondeu:

— O Dr. James... Ele passou muito mal! Eu não sei, ele... acho que sofreu um infarto! Já acionei a enfermaria e ele já está sendo atendido. Não há com o que se preocupar! Como estamos com o Orpheu?

— Bom, só precisamos realizar alguns ajustes. Não temos certeza da eficácia em seres humanos e principalmente dos efeitos colaterais. Porém estamos nos estágios finais. Acredito que estará tudo pronto no início do mês que vem.

— Dr. Simons... não será preciso mais testes - afirmou o Dr. Davis, colocando as suas mãos no ombro do cientista à sua frente - O Orpheu é um sucesso absoluto!

O Dr. Ash Simons encarou o chefe e imediatamente respondeu:

— Desculpe, senhor, mas não podemos considerar o trabalho como concluído. Não agora... Ainda estamos inseguros com relação à adaptação ambiente, à intensidade do contágio. Com todo o respeito, não acho prudente encerrarmos os turnos.

O Dr. Davis segurou mais firme os ombros do Dr. Simons e declarou, com um brilho assustador em seus olhos.

— O senhor não entendeu, doutor! Acabo de presenciar o vírus em atividade! Não resta mais dúvdas. O Orpheu é a nossa maior conquista!

— O senhor viu o vírus em atividade? Mas o que quer dizer com isso, senhor?

Nesse momento, ouviu-se uma repentina agitação no interior da sala 407. Os cientistas ali presentes estavam boquiabertos e extremamente perplexos pela visão que agora estava diante de seus olhos. Cruzando a porta de entrada estavam três criaturas, de olhos fundos, rostos que pareciam estar se decompondo, lábios negros e bocas abertas. Os três vestindo jalecos brancos, imundos por uma substância negra que saia de suas bocas. O Dr. Ash Simons estremeceu e perguntou, quase susurrando de pavor:

— Meu Deus... O que é isso?

O Dr. Brendon Davis, em um novo sorriso diabico, respondeu:

— Isso, doutor... É o futuro da Organização Ômega!

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