O amor é uma flor azul
Que desabrocha onde é desejada.
CINDERELA
— Seja bem-vinda, senhorita Bela Dubois! — um dos dois homens fantasiados de guardas da realeza cumprimenta ao ver meu convite.
Apenas sorrio e aceno, passando rápido antes que ele descubra a farsa.
O vestido é longo demais, tenho que levantar um pouco para andar melhor, o que dá um vislumbre do sapato que parece ser de cristal, quando na verdade o material é bem confortável por dentro.
Esse treco é caríssimo. A Bela é louca de me pedir para usar.
Entro no salão do castelo e sou brindada com puro luxo. Tem que se ter muito poder para morar em um castelo em plena Copacabana, e poder é o que os irmãos Seven mais tem. Um poder obscuro e manchado de sangue. A máfia Seven é a maior no Brasil. Nenhuma facção ou máfia conseguiu destroná-la. O que mais tem no jornal são tentativas, claro que camufladas por crimes “normais”.
Eles mandam nos jornais... na verdade mandam em tudo, até na polícia. Sei que até os irmãos da minha madrasta tem chefes que são “funcionários” da família Seven.
O que não sei bem é o porquê Bela recebeu um convite para essa festa. Nem ela sabe.
O que sei é que minha amiga tem pavor de criminosos, por isso estou aqui enquanto ela está trancada na biblioteca com seus livros. Bem longe dos olhos do seu pai, que acha que ela está nesse vestido e nesse sapato.
É isso. Hoje serei Bela...
Só que eu sou muito azarada, o bastante para entrar no salão exatamente no fim de uma dança. E, como nas cenas constrangedoras de um filme, vários olhares se viram em minha direção.
Isso me incomoda. Posso ser descoberta com tantos olhos vidrados em mim.
Respiro fundo para me acalmar. E repito mentalmente: são só pessoas.
Não resolve.
Aff... Essas pessoas deviam parar de encarar.
Era para Bela ter vindo essa noite. O sapato em meus pés foi feito exclusivamente para ela, o vestido também. Pior, o convite só mencionava a filha do Dubois.
Eu me meto em cada enrascada por causa da Bela.
Meu olhar se desvia em direção a minhas irmãs e minha madrasta. Elas estão de queixo caído. Ainda bem que o vestido disfarça o quanto sou magra, ou poderiam me reconhecer mesmo de máscara. Elas sim tem motivos para serem convidadas, são lindas, dão brilho a qualquer festa, diferente de Cinderela Chausse — eu — que é tão normal quanto se pode ser.
Apesar de todo o constrangimento, começo a perceber que os olhares são de admiração também. Bela tinha razão; eu estou linda. É tão raro me sentir assim.
— Milady — um homem para próximo ao último degrau da escada onde estou.
E eu paro também. Três degraus antes de chegar nele.
Nem morta que chego perto.
É Henry Seven.
Não existe chance desse homem estar falando comigo.
Os donos da festa são os únicos sem máscaras. É impossível não saber qual deles é cada um.
Fico parada feito uma idiota, encarando o homem de cabelos castanhos, olhos negros e porte de um verdadeiro príncipe na fantasia que usa.
Ele olha direto para os meus pés, antes de subir para o meu rosto mascarado e sorrir sem alcançar os olhos.
— Bela, fico feliz que aceitou meu convite.
Bela? Ele me reconheceu pelo...
— E os sapatos — completa.
Então os sapatos foram comprados por esse homem para a minha amiga. Isso está ficando estranho.
Mas se ele a conhece, por que não reconheceu que sou outra pessoa? E por que a Bela não disse que conhecia um dos Seven?
Tento dar um passo para trás, esquecendo que estou em uma escada. Grande erro.
O equilíbrio já era.
Estendo os braços para frente pronta para a queda... que não vem.
Minha nossa senhora das mulheres desastradas... estou nos braços de Henry Seven.
— Cuidado, milady! — sinto seu respirar perto da minha orelha.
Tento controlar o início da reação em um local muito proibido em meu corpo.
O jeito como “milady” soa em sua voz é afrodisíaco, só pode.
Isso é uma festa a fantasia, não voltamos no tempo para ele me chamar assim. É melhor que pare.
Tento me afastar, mas ele aperta minha cintura. A proximidade faz com que eu sinta algo duro. E não é animação por me ver, é uma arma. Está no lugar errado para ser outra coisa.
— Por que a pressa, futura esposa?
Como? Futura o que?
— O que? — devo ter entendido errado. Só pode ser isso.
Ele me coloca ao seu lado e nos vira para todos no salão. Só agora percebo que a música não voltou a tocar. Esse homem tirou meu foco e nem me dei conta.
— Família e convidados, o motivo desse baile chegou. Quero que conheçam a minha noiva. — Ele se vira para mim e fala baixo: — Tire a máscara, Bela.
— Não, eu não sou... — Antes que eu complete, a mão dele está atrás minha cabeça arrebentando a fita da máscara. — Ai, caralho! — resmungo.
— Cinderela?
Pronto. Ferrou tudo. É a voz da minha madrasta.
Três meses antes do baile...HENRY— Pai, o que estamos fazendo aqui? O senhor só nos reúne de portas fechadas quando o assunto é grave. — Ouço o questionamento de Raoul.Não dou muita atenção, estou focado no celular onde acabo de receber um vídeo de Anastácia nua me convidando para uma noite quente entre suas pernas.Gostosa demais! Essa ruiva é uma das minhas garotas favoritas quando o assunto é sexo casual. Sempre fogosa e disposta a tudo para agradar.Meu pai limpa a garganta no seu costume de chamar a atenção assim.Só tenho tempo de responder “chego depois da meia noite”.Hoje a noite vai ser agitada.Finalmente, com todos olhando em sua direção, nosso pai começa:— Vocês sabem o último desejo de sua mãe.— Ela quer ver do céu todos os filhos casados. — Raoul responde, mesmo sem meu pai realmente perguntar.Adolescentes!— Exato. A minha última obrigação com a mãe de vocês é obrigá-los a casar e aumentar a família. E eu farei isso, se necessário.— Parece que voltamos alguns sé
Um mês antes do baileCINDERELA— Cindy, você viu meu vestido lilás? — a porta do meu quarto abre sem aviso prévio e Anastácia já vai falando.Quarto é forma de falar. Eu durmo e moro em um pequeno cômodo nos fundos do imóvel que era dos meus pais, foi construído originalmente para ser um quarto de empregada, o que não deixa de ser, já que eu sou a empregada. Escrava, sendo mais realista.Rapidamente coloco a toalha na frente do corpo. O que não é o bastante para esconder a falta de curvas e carne.Droga! Anastácia sempre surge na hora errada.Não que eu tenha vergonha do meu corpo ou algo assim, só não gosto de não ter privacidade. E o meu quarto não tem sequer fechadura. Segundo a minha madrasta é para impedir que eu traga homens para fornicar. Mas a verdade é outra. É um verdadeiro pesadelo.Lady Tedesco é uma megera que se acha a própria rainha da Inglaterra. Ela não liga para mais ninguém além de si.Chego a pensar que se deve ao fato do seu nome ser Lady. Será que os pais dela s
HENRY— O que vai fazer com essa arma, porra?Eu não estou acreditando que meu irmãozinho pretende fazer isso.Raoul está segurando a arma do policial corrupto e ordenando que desça a calça.— Vou enfiar no rabo dele.O homem arregala os olhos. Está algemado depois que o peguei usando nosso nome para extorquir pequenos comerciantes. Os Seven jamais fariam isso, extorquimos é grandes empresas, ameaçamos poderosos, nunca os oprimidos.— Só pode estar maluco! — É impossível não rir enquanto falo.— Foi o que ele disse que faria com aquela vovô do mercadinho. Nada mais poético que o otário morrer assim, com um cano no rabo.— Sim, esse monstro me disse essa pouca vergonha.Me viro para a voz e só uma pergunta me ocorre:— O que essa mulher ainda faz aqui?— É bom que ela veja o que acontece com pessoas como ele, não é não? — Ele começa certo do que fez e acaba com dúvida.— Não sei quem é mais pirado, você ou o Florian. Tire essa senhora daqui — digo me virando para os capangas conosco.V
CINDERELA— Meu Deus, Bela! — Exclamo ao abrir a janela e encontrar Bela onde menos gostaria. — Não faz isso comigo. Você quer mesmo me matar do coração. Só pode.— E por que eu iria querer matar minha única amiga? — Ela sorri e se vira para mim, seus cabelos castanhos voando para todo lado.A garota tem toda uma casa para escolher qualquer lugar onde ler, mas ela prefere subir até o telhado.Ela adora livros de aventura, e acha sua vida monótona demais. O sonho da minha amiga era ser policial, mas descobriu que ficaria apenas no sonho já que seu pai não a deixa fazer nada perigoso. Acho que é por isso que ela vive subindo nas coisas.— Por favor, só converse comigo quando estiver com os dois pés no chão desse quarto. — Cruzo os braços.— Medrosa! — Ela fecha o livro e sobe calmamente como se fosse uma gata andando pelo telhado, até passar pela janela e entrar. — Pronto.— Depois diz que não precisa de babá — provoco.Sei que ela odeia o fato de que o pai me contratou para fazer compa
De volta ao baile...HENRYComo assim Cinderela? O nome da mulher com a qual devo me casar é Bela Dubois. É Bela a mulher que deveria estar nesse vestido, sapatos e máscara.Que porra está acontecendo?As pessoas batem palmas pelo anuncio do noivado, até mesmo a mulher que está entre as irmãs gostosas, que eu sei ser a mãe delas. As três nos olham literalmente assustadas. Não é segredo que todas as cariocas sonham com o status que um casamento na nossa família lhe daria. E não duvido que Anastácia esperasse por isso. Nada contra, mas eu não sou o tipo moderninho que se casa com mulheres como ela. Eu sou antiquado, mesmo que o casamento seja uma fachada para deixar meu pai feliz. O que eu queria com Anastácia já tive. Ela só quer a chance de agarrar um homem rico, e eu mereço mais que alguém assim.Cinderela. Quem é essa mulher? Será alguém mandado por inimigos? Preciso esclarecer isso.Sem desfazer a pose de noivo contente, pego a mão da loira. Ela tenta puxar, mas aperto o bastante p
CINDERELAEu sei que não importa qual explicação dê a minha madrasta, não sairei ilesa dessa confusão. Não quando Anastácia me disse com todas as letras que queria estar onde estou nesse momento: sendo anunciada como noiva de um Seven.O problema é que sou a mulher errada. Era a Bela que devia ser anunciada.Será que ela sabia e me usou para fugir do casamento? Não, somos amigas, ela não faria isso comigo.Só que, mesmo não acreditando que seja por maldade, ela me colocou em uma enrascada. Não sei quem temo mais nesse momento, o homem que segura o meu braço, me puxando entre as pessoas, ou os irmãos da minha madrasta quando ela contar o que eu fiz.Sou levada para um lugar que parece um escritório e o Henry Seven fecha a porta e escora nela. Não sei se faz de propósito, mas seu revólver fica evidente sob a roupa.Ele quer saber o que estou fazendo aqui com as roupas e sapatos de Bela, mas se eu disser a Bela estará em apuros.Primeiro eu falo que vim substituir uma amiga, mas percebo
CINDERELAO que me mantem de pé é, com toda certeza, o braço de Henry me conduzindo. Mal sinto minhas pernas e, quanto mais nos aproximamos de minha madrasta e suas filhas, a sensação só piora. Eu devia estar me sentindo corajosa por estar com ele, mas só sinto medo de estar seguindo em direção aos rostos que são meus pesadelos diários. As máscaras delas são aquelas que a pessoa fica segurando na frente do rosto, e elas passam mais tempo com os rostos a mostra.— Boa noite! Estão gostando do evento? — Henry pergunta parando em frente a elas.Eu perdi a capacidade de falar em alguma parte do caminho. Acho que ele percebeu isso.— Surpreendente — Anastácia responde me olhando com os olhos brilhando de ódio.Henry lhe brinda com uma risadinha falsa, que não combina nada com sua aparência dominante.— A ideia era essa — diz.— Eu não sabia que vocês se conheciam. — Minha madrasta fala me olhando com todo desdém possível.— Nós... eu... — começo, mas não consigo completar. Queria muito ser
HENRY— Estou morta. — Ela diz ao se jogar no sofá. O vestido espalha e ela se curva massageando os pés sobre os sapatos, antes de tirá-los. Observo tudo escorado no batente da porta. — Eles são confortáveis, mas depois de horas andando e dançando..— Você quer dizer andando e pisando nos pés alheios.Como resposta, recebo um sorriso sem graça.— Desculpe. Eu disse que não sabia dançar.— Disse — digo simplesmente.Talvez seja o álcool que bebi durante o baile, mas essa loira me parece tão beijável, o vestido rasgado me convida a tirá-lo.Alguns minutos atrás ela me pediu para descansar. E eu cometi o erro de trazê-la para o meu quarto.Onde eu estava com a cabeça?A resposta é simples, estava pensando com a cabeça de baixo.— Cinderela, você quer foder? — pergunto mesmo. Sou direto no que desejo.Eu quero. Se ela quiser, seremos a dupla perfeita nessa cama.Prevejo o não quando ela se levanta e me dá as costas.O meu terno atrapalha a visão que eu teria da sua pele exposta pelo vesti