CINDERELA
— Meu Deus, Bela! — Exclamo ao abrir a janela e encontrar Bela onde menos gostaria. — Não faz isso comigo. Você quer mesmo me matar do coração. Só pode.
— E por que eu iria querer matar minha única amiga? — Ela sorri e se vira para mim, seus cabelos castanhos voando para todo lado.
A garota tem toda uma casa para escolher qualquer lugar onde ler, mas ela prefere subir até o telhado.
Ela adora livros de aventura, e acha sua vida monótona demais. O sonho da minha amiga era ser policial, mas descobriu que ficaria apenas no sonho já que seu pai não a deixa fazer nada perigoso. Acho que é por isso que ela vive subindo nas coisas.
— Por favor, só converse comigo quando estiver com os dois pés no chão desse quarto. — Cruzo os braços.
— Medrosa! — Ela fecha o livro e sobe calmamente como se fosse uma gata andando pelo telhado, até passar pela janela e entrar. — Pronto.
— Depois diz que não precisa de babá — provoco.
Sei que ela odeia o fato de que o pai me contratou para fazer companhia/vigiar.
— Vou fingir que não ouvi isso da minha melhor única amiga. — Ela coloca o livro cuidadosamente sobre a mesa de cabeceira e acaricia a capa antes de se afastar. Os trata como bebês. — Sabe o que eu gostaria hoje? De uma aventura.
— Você sabe que eu preciso desse emprego... — meu tom mostra o quanto estou implorando.
Quando Bela fala assim é porque quer aprontar.
— Pode ser só um passeio pela praia então. Por favor, amiga. Meu pai me trata como uma boneca de porcelana. Tenho dezenove anos e não posso ir a uma livraria sem ser vigiada. Às vezes acho que ele está me preparando para um grande sacrifício humano.
— E eu acho que você anda lendo fantasia demais. Sacrifício?! — rio.
— Pois olha isso — ela mostra um convite igual ao da Anastácia.
— Anastácia também ganhou um. É só um convite para uma festa na casa onde seu pai trabalha.
— Trabalha é uma palavra muito fraca. Meu pai entregou a vida àqueles homens. Eu sei que devo a minha vida a eles, mas não quero virar uma escrava. O bem não deve pedir nada em troca.
— Bonito isso que você falou.
— É o que acho. — Ela desvia o olhar para a própria mão e se perde no silêncio que se segue.
— Aconteceu mais alguma coisa, Bela? Te conheço, você parece triste.
— Nada que eu não possa resolver. — Ela me olha dos pés a cabeça e muda o tom para mais alegre. — Nós calçamos o mesmo número, não é?
— Sim. Trinta e sete. O número da maioria das mulheres.
— Venha ver isso.
Sou puxada até o closet onde Bela pega uma caixa e abre.
Nunca vi nada tão lindo. O sapato que ela me mostra parece ser feito de cristal.
— Venha, experimenta.
— São de verdade? Parece enfeite.
— Além de ser de verdade, é confortável. Você verá.
Sento no puff que ela usa para calçar seus sapatos. E ela para na minha frente para me calçar.
— Deixa que eu coloco — diz.
Eu não brigo. Trabalho com Bela há três anos, e aprendi que ela não liga de fazer essas coisas para seus amigos. Pena que seu pai não deixa que tenha outras amigas, muito menos amigos, e como são só os dois, ela obedece a tudo que ele pede, mesmo que seja um pouquinho rebelde às vezes.
— O que acha? — pergunta depois de colocar o calçado em meus pés.
Levanto e dou uma volta de 360 graus. Meus olhos focados no sapato.
— Uau! Nem parece de vidro.
— É porque não é. Esse é um modelo exclusivo, único, e vale mais que a casa onde estamos. O material é segredo do design.
Minhas pernas amolecem só de saber disso.
— Preciso tirar agora. Se estragar, nem meus órgãos paga.
Bela gargalha.
Quando cansa de rir, ela fala:
— Quer viver uma aventura?
A aventura que minha amiga quer que eu viva é me passar por ela no baile de máscaras dos Seven. Eu devo usar os sapatos que valem mais que uma casa.
Confesso que fiquei tentada. Nunca fui a nenhuma festa assim. Já sai com alguns colegas na época da escola, mas depois que papai morreu eu virei um móvel da casa.
Mas não posso. É muito arriscado. Os convites são nominais. Nunca que vão acreditar que sou a Bela.
Neguei no primeiro dia, e nos dias seguintes, neguei quando ela me mostrou o lindo vestido azul estilo princesa, e neguei mais um pouco, até que ela me mostrou a máscara. Com o vestido e a máscara é impossível alguém me reconhecer. Mesmo que eu seja loira. É só falar que pintei o cabelo exclusivamente para a festa. E não é como se as pessoas naquele castelo conhecessem Bela. É o pai dela que trabalha lá e ele nem vai participar.
— Vamos, diz que vai fazer isso por mim, amiga — Bela implora fazendo um biquinho fofo. — Eu não quero ir. Prefiro ficar lendo. E se eu não for, papai virá com aquela história que devemos a vida a eles e blá blá blá. Se você for eu juro que faço o que você quiser, posso até pedir ao papai para ver com os Seven se conseguem a sua liberdade. Ele vai ficar feliz achando que compareci a festa, vai acatar qualquer pedido meu. Você precisa disso tanto quanto eu, amiga. Sabe disso. Não pode viver naquela casa sendo maltratada e com medo que a qualquer momento aquele monstro entre no seu quarto. Isso não é vida. Eu prometi que te ajudaria, então aceita minha ajuda.
Suas palavras trazem um misto de medo e esperança.
Às vezes acordo e, por alguns segundos, penso que aquilo não passou de um pesadelo, mas quando viro em direção a porta e vejo o móvel pesado diante dela, a minha única proteção, tudo volta e eu sei que vivi cada segundo daquela noite. Dói em minha alma como se tivesse acabado de acontecer. Ainda sinto o cheiro de cigarro barato, como se estivesse impregnado em mim, ainda ouço as palavras duras e ofensivas ao meu corpo, ainda sinto o meu corpo sendo rasgado, minha virgindade sendo tirada de mim a força.
Realmente preciso disso.
Chego a imaginar uma ordem de um dos Seven — qualquer um — me afastando de vez daquela família cruel. Porque eu não tenho mais coragem de fugir. Podem me chamar de covarde, tola, o que for. Eu sei que muitos me veem assim por viver como escrava da minha madrasta e seus irmãos, quando tenho idade suficiente para viver a minha própria vida. Quem está de fora não vê, só eu sei tudo que passei em minhas tentativas de fuga. A cicatriz no meu ombro e a cicatriz na minha alma são a maior prova do que a família Tedesco é capaz.
— Com uma condição — digo, me decidindo.
Bela b**e palmas, sorrindo de pura empolgação.
— Qualquer coisa.
— Nada de ler no telhado ou em qualquer lugar perigoso.
— No dia do baile ou nunca mais?
— Nunca mais, queridinha.
— Ah Ellaaa..
— Eu vou ficar ótima de pijama na minha cama... — começo.
Ela segura as minhas mãos.
— Tá bom. Nunca mais. Promete que vai?
Sorrio e digo:
— Prometo.
Ela dá vários pulinhos e me agarra.
— Obrigada! Prometo que você vai viver a melhor aventura da sua vida e que se fizer as escolhas certas, poderá ser livre e feliz para sempre.
Feliz para sempre... Até parece. Isso é coisa de final de livro infantil. A realidade é dura. Se eu tiver uma noite agradável já me darei por satisfeita. E se ela realmente conseguir com o pai que um Seven interfira com os Tedesco... ai sim esse seria o meu feliz para sempre.
De volta ao baile...HENRYComo assim Cinderela? O nome da mulher com a qual devo me casar é Bela Dubois. É Bela a mulher que deveria estar nesse vestido, sapatos e máscara.Que porra está acontecendo?As pessoas batem palmas pelo anuncio do noivado, até mesmo a mulher que está entre as irmãs gostosas, que eu sei ser a mãe delas. As três nos olham literalmente assustadas. Não é segredo que todas as cariocas sonham com o status que um casamento na nossa família lhe daria. E não duvido que Anastácia esperasse por isso. Nada contra, mas eu não sou o tipo moderninho que se casa com mulheres como ela. Eu sou antiquado, mesmo que o casamento seja uma fachada para deixar meu pai feliz. O que eu queria com Anastácia já tive. Ela só quer a chance de agarrar um homem rico, e eu mereço mais que alguém assim.Cinderela. Quem é essa mulher? Será alguém mandado por inimigos? Preciso esclarecer isso.Sem desfazer a pose de noivo contente, pego a mão da loira. Ela tenta puxar, mas aperto o bastante p
CINDERELAEu sei que não importa qual explicação dê a minha madrasta, não sairei ilesa dessa confusão. Não quando Anastácia me disse com todas as letras que queria estar onde estou nesse momento: sendo anunciada como noiva de um Seven.O problema é que sou a mulher errada. Era a Bela que devia ser anunciada.Será que ela sabia e me usou para fugir do casamento? Não, somos amigas, ela não faria isso comigo.Só que, mesmo não acreditando que seja por maldade, ela me colocou em uma enrascada. Não sei quem temo mais nesse momento, o homem que segura o meu braço, me puxando entre as pessoas, ou os irmãos da minha madrasta quando ela contar o que eu fiz.Sou levada para um lugar que parece um escritório e o Henry Seven fecha a porta e escora nela. Não sei se faz de propósito, mas seu revólver fica evidente sob a roupa.Ele quer saber o que estou fazendo aqui com as roupas e sapatos de Bela, mas se eu disser a Bela estará em apuros.Primeiro eu falo que vim substituir uma amiga, mas percebo
CINDERELAO que me mantem de pé é, com toda certeza, o braço de Henry me conduzindo. Mal sinto minhas pernas e, quanto mais nos aproximamos de minha madrasta e suas filhas, a sensação só piora. Eu devia estar me sentindo corajosa por estar com ele, mas só sinto medo de estar seguindo em direção aos rostos que são meus pesadelos diários. As máscaras delas são aquelas que a pessoa fica segurando na frente do rosto, e elas passam mais tempo com os rostos a mostra.— Boa noite! Estão gostando do evento? — Henry pergunta parando em frente a elas.Eu perdi a capacidade de falar em alguma parte do caminho. Acho que ele percebeu isso.— Surpreendente — Anastácia responde me olhando com os olhos brilhando de ódio.Henry lhe brinda com uma risadinha falsa, que não combina nada com sua aparência dominante.— A ideia era essa — diz.— Eu não sabia que vocês se conheciam. — Minha madrasta fala me olhando com todo desdém possível.— Nós... eu... — começo, mas não consigo completar. Queria muito ser
HENRY— Estou morta. — Ela diz ao se jogar no sofá. O vestido espalha e ela se curva massageando os pés sobre os sapatos, antes de tirá-los. Observo tudo escorado no batente da porta. — Eles são confortáveis, mas depois de horas andando e dançando..— Você quer dizer andando e pisando nos pés alheios.Como resposta, recebo um sorriso sem graça.— Desculpe. Eu disse que não sabia dançar.— Disse — digo simplesmente.Talvez seja o álcool que bebi durante o baile, mas essa loira me parece tão beijável, o vestido rasgado me convida a tirá-lo.Alguns minutos atrás ela me pediu para descansar. E eu cometi o erro de trazê-la para o meu quarto.Onde eu estava com a cabeça?A resposta é simples, estava pensando com a cabeça de baixo.— Cinderela, você quer foder? — pergunto mesmo. Sou direto no que desejo.Eu quero. Se ela quiser, seremos a dupla perfeita nessa cama.Prevejo o não quando ela se levanta e me dá as costas.O meu terno atrapalha a visão que eu teria da sua pele exposta pelo vesti
CINDERELADepois que minha madrasta se foi, a festa até me divertiu. Henry me apresentou para algumas pessoas como sua noiva e passei algum tempo com o pai dele e com o Raoul. O garoto tem um humor ácido, mas gostei dele logo de cara, assim como gostei do pai deles.Quando o sino de um grande relógio bateu meia-noite, eu já estava pronta para cair na cama e dormir. Tive que acordar às quatro da manhã para deixar o café pronto para Lady Tedesco e suas filhas, depois corri para a casa de Bela onde passamos o dia nos arrumando.Apesar de eu ir em seu lugar, ela se arrumou também para o pai não perceber caso a procurasse.Sabe, eu sempre fui uma pessoa corajosa. Isso foi guardado com o passar do tempo entre os Tedesco, mas continua em mim. E eu pretendo resgatar. Mesmo que inicialmente seja doloroso e assustador. Eu não quero que Henry veja em mim uma mulher fraca. Esse casamento precisa dar certo. Afinal, que desvantagem tem em casar com um deus grego cheio de poder? Não vejo nenhuma.Ap
CINDERELADentro do banheiro maior que o meio quarto, demoro dez minutos só para descobrir como ligar o chuveiro. DEZ minutos. E tomo banho frio porque não consegui mudar a temperatura. Ainda bem que aqui dentro o clima não é frio. Não sei porque tantos botões e torneiras. Tem até controle remoto sobre a pia.Tomo um banho rápido, só para relaxar o corpo, e vou em busca de creme dental. Como acho várias escovas novas, uso uma para escovar. Não é possível que vão se importar com isso.Quando saio do banheiro ele está sentado na cama com um roupão idêntico ao que uso e... Minha nossa senhora da periquita em chamas... alguém avisa no Olimpo que um dos deuses é mafioso e está curtindo entre meros mortais.Minha mente fica se perguntando se ele está nu sob o roupão, assim como eu estou.— Quer que eu peça algo para comer?E lá se vai os pensamentos impuros.Aperto o tecido contra o meu corpo institivamente. Agora só me pergunto se ele me acha magra demais.Nego a comida e aceito seu pedido
HENRYAcordo com uma sensação de sufocamento. Quando abro os olhos vejo o motivo: uma cabeleira loira na minha cara. Eu estou preso por um polvo humano. Quantas pernas e braços essa mulher tem?Sorrio, enquanto tiro devagar seus membros de sobre o meu corpo.Sorrio? Era só o que faltava.Antes que eu possa questionar o motivo de estar agindo como um tolo desde que essa mulher surgiu naquela escada, ouço batidas na porta do quarto. Ela se mexe e vira para o outro lado, me liberando totalmente.E... é sério que estou sentindo falta do seu grude? Ninguém merece.Saio da cama rapidamente e vou atender o filho da puta que me acorda sabendo que estou acompanhado. Aposto meu braço esquerdo que é Raoul. Nem meu pai me acorda assim.Abro a porta quando o maldito está prestes a bater na madeira novamente.— Que visão horrível para se ter de manhã. — A mão que bateria na porta vai parar nos olhos que ele esfrega.— Que horas são, Raoul? O que você quer?Não disse que era ele? Ninguém mais é tão
CINDERELADemoro alguns segundos para me situar quando acordo. Essa cama macia e quentinha é nada com o qual estou acostumada. Quando as lembranças me pegam, sorrio por saber que é assim que vou acordar todos os dias. Meu corpo está relaxado como há tempos eu não sentia.Henry não está ao meu lado.Estendo os braços para cima, me espreguiçando, e me assusto com sua chegada.— Bom dia, Pequena Ilha!Me assusto e começo a pedir desculpas por seja lá o que for. Estou tão acostumada a me desculpar que sai no automático. Só que me perco com a visão. Ele ainda está de cueca, o que me faz lembrar o que não aconteceu durante a noite.— Vou tomar um banho. Me acompanha? — ele convida com a cara mais safada que já vi.E só tem uma palavra que quero dizer...— Claro.Mais que depressa, saio da cama e vou até ele. O safado agarra minha cintura e me puxa para si. Adoro bater contra esse peito musculoso e lisinho.Me viro quando ele tenta me beijar. Afinal acabei de acordar. Nada de assustar o futu