Três meses antes do baile...
HENRY
— Pai, o que estamos fazendo aqui? O senhor só nos reúne de portas fechadas quando o assunto é grave. — Ouço o questionamento de Raoul.
Não dou muita atenção, estou focado no celular onde acabo de receber um vídeo de Anastácia nua me convidando para uma noite quente entre suas pernas.
Gostosa demais! Essa ruiva é uma das minhas garotas favoritas quando o assunto é sexo casual. Sempre fogosa e disposta a tudo para agradar.
Meu pai limpa a garganta no seu costume de chamar a atenção assim.
Só tenho tempo de responder “chego depois da meia noite”.
Hoje a noite vai ser agitada.
Finalmente, com todos olhando em sua direção, nosso pai começa:
— Vocês sabem o último desejo de sua mãe.
— Ela quer ver do céu todos os filhos casados. — Raoul responde, mesmo sem meu pai realmente perguntar.
Adolescentes!
— Exato. A minha última obrigação com a mãe de vocês é obrigá-los a casar e aumentar a família. E eu farei isso, se necessário.
— Parece que voltamos alguns séculos — resmungo. — Se estamos falando em obrigar os filhos a fazer algo sem querer, por que não vejo Adam e Florian? Eles não podem escapar disso...
— E eu não preciso ouvir nada disso, já sou casado. — Felipe se levanta e sai sob o olhar de pena do meu pai.
Ninguém fala nada.
Ele não devia ter chamado Felipe. Meu irmão espera que Aurora, sua mulher, acorde há cinco anos, quando foram atacados no casamento e ela entrou em coma. Nem chegaram a ter lua de mel.
Antes que nosso pai volte a falar, Raoul levanta também.
— Eu ainda estou no ensino médio, acho que posso ficar por último nessa fila. Pai, se o senhor permitir, quero sair. Tenho um trabalho para fazer com a Chapeuzinho Vermelho.
Nosso pai olha para ele com orgulho e acena positivamente.
Será que eu devo dizer que o seu filhinho todo certinho ganhou o apelido de Lobo Vermelho por sua predisposição a tortura?
Não. Aposto que ele sabe. Nosso pai tudo sabe, tudo vê. É um tipo de deus que tem tudo aos seus pés, e quando não tem chuta os inimigos até conseguir.
Raoul dá um sorrisinho ao passar por mim. E eu mostro o dedo do meio, dizendo:
— O Raoul já tem pretendente. Pode esperar alguns meses e colocar ele no altar com essa tal menina de vermelho.
— Não diga asneiras, cuzão. Ela é minha melhor amiga, crescemos juntos, somos quase irmãos. — Ele se mostra ofendido.
Menina estranha, essa amiga do meu irmão. Ela sempre está com algo vermelho. Eu a chamaria de Dama de Vermelho, não de chapeuzinho. Apelido tosco.
— Chega, meninos!
Com isso Raoul sai.
E eu reclamo, sabendo o que significa.
— Porra!
Meu pai mostra um sorriso cínico e fala:
— É isso, Henry. Só sobrou você.
— Pai, eu não tenho namorada e nem vontade de ter uma — digo.
— É nessa parte que eu entro — alguém fala atrás do sofá onde estou.
— Caralho, que susto, Maurice!
Esse homem flutua? Só isso explica que não o vi chegar.
— Senhor. — O homem reverencia meu pai como se ele fosse um rei.
E deve mesmo. Esse homem deve a vida a minha família. Ladrãozinho de merda. Se não fosse por ele Adam não estaria recluso, isolado por sua aparência.
— Meu filho... — A voz do meu pai me tira dos pensamentos dolorosos e engulo a vontade de estrangular esse velho. — Maurice ofereceu a filha...
— Peeraai! — O interrompo. — O que? Agora oferecemos mulheres em casamento? Achei que o ano fosse dois mil e vinte e três.
— Paciência! — Meu pai bufa. — Maurice, me sirva um uísque.
Enquanto o homem faz o que foi ordenado, o grande rei Seven se levanta todo imponente em seu terno preto, segurando o charuto que minha mãe detestava.
— Eu vou explicar. Então cala a porra da boca e escuta, moleque.
Falando com jeitinho assim.
Tomando seu uísque, meu pai conta que o velho ladrãozinho quer pagar a sua dívida de sangue entregando a filha.
— Não é a mim que ela deveria ser entregue — interrompo, mesmo sabendo que o coroa vai ficar puto.
Ao contrário de ficar puto, meu pai se cala, encarando a estante de livros. A maioria Adam já leu. Ele era a traça dessa casa, devorando todos os livros. Até esse filho da puta roubar o livro de ouro que nossa mãe deixou para ele. Adam foi atrás. O idiota tentou escapar e acabou causando um acidente, com a filha recém nascida e a mulher no carro. Meu irmão, com dez anos, passou por cima da sua própria segurança e entrou carro para tirar as duas. Conseguiu tirar a menina, mas quando voltou pela mulher, o carro explodiu e ele foi jogado longe, queimado e cortado em tantos lugares que nem sei como sobreviveu.
E é essa família de merda que meu pai que misturar com a nossa.
Só pode estar de brincadeira. Prefiro sair na rua e pedir a primeira que eu encontrar em casamento...
Ou talvez eu possa mostrar a essa menina o que é o inferno. Afinal, foi onde meu irmão foi parar por causa deles, isolado em seu inferno particular.
— A sua filha aceitou isso? — questiono.
— Irei falar com ela. Bela sabe que deve a vida a família Seven.
Olho para o meu pai.
Eu sei que tudo isso de casamento é exagero da parte dele, mas também sei o quanto esse homem se desdobrou para criar os filhos depois que nossa mãe morreu no parto do Raoul. Somos cinco. E desses cinco, ele precisa lidar com o Florian e suas personalidades (justamente por essa doença ele está internado agora, quando ele “incorpora” o suicida precisa de clínica), Adam isolado, Raoul passando pela fase adolescente insuportável, Felipe vivendo pela mulher que não acorda... Se, no fim, eu sou o único que posso dar alguma alegria a esse coroa, o farei.
— Tudo bem. Farei isso. Vamos fazer uma grande festa para anunciar o noivado. Daquelas festas de princesa que mamãe adorava. — Pelo sorriso, sei que meu pai está lembrando dela em vestido de princesa, como ela sempre dava um jeito de transformar qualquer festa em a fantasia.
Minha mãe sempre foi uma romântica. Acho que por isso fez esse último pedido esdrúxulo.
— Fico feliz, filho. Acredito que você e Bela serão um casal tão feliz quanto fui com sua mãe.
Duvido.
Mas não falo.
— Posso ir agora, Amaymon?
O coroa revira os olhos para o nome que odeia, mas não muda por motivos só dele.
— Me chame de pai.
Sorrio, meio cínico e meio orgulhoso desse homem.
— Tá, pai! Posso ir?
— Pode. Vai se preparar para ser marido.
Até parece.
Vou me preparar é para foder uma ruiva essa noite, talvez até convide uma das minhas “amigas” para tornar a noite ainda mais interessante.
Esse casamento é pelo meu pai. No pacote não está incluído ser fiel ou até que a morte separe. Só uma aliança e uma assinatura em um papel. E, quem sabe, um pouquinho de vingança pelo Adam.
Um mês antes do baileCINDERELA— Cindy, você viu meu vestido lilás? — a porta do meu quarto abre sem aviso prévio e Anastácia já vai falando.Quarto é forma de falar. Eu durmo e moro em um pequeno cômodo nos fundos do imóvel que era dos meus pais, foi construído originalmente para ser um quarto de empregada, o que não deixa de ser, já que eu sou a empregada. Escrava, sendo mais realista.Rapidamente coloco a toalha na frente do corpo. O que não é o bastante para esconder a falta de curvas e carne.Droga! Anastácia sempre surge na hora errada.Não que eu tenha vergonha do meu corpo ou algo assim, só não gosto de não ter privacidade. E o meu quarto não tem sequer fechadura. Segundo a minha madrasta é para impedir que eu traga homens para fornicar. Mas a verdade é outra. É um verdadeiro pesadelo.Lady Tedesco é uma megera que se acha a própria rainha da Inglaterra. Ela não liga para mais ninguém além de si.Chego a pensar que se deve ao fato do seu nome ser Lady. Será que os pais dela s
HENRY— O que vai fazer com essa arma, porra?Eu não estou acreditando que meu irmãozinho pretende fazer isso.Raoul está segurando a arma do policial corrupto e ordenando que desça a calça.— Vou enfiar no rabo dele.O homem arregala os olhos. Está algemado depois que o peguei usando nosso nome para extorquir pequenos comerciantes. Os Seven jamais fariam isso, extorquimos é grandes empresas, ameaçamos poderosos, nunca os oprimidos.— Só pode estar maluco! — É impossível não rir enquanto falo.— Foi o que ele disse que faria com aquela vovô do mercadinho. Nada mais poético que o otário morrer assim, com um cano no rabo.— Sim, esse monstro me disse essa pouca vergonha.Me viro para a voz e só uma pergunta me ocorre:— O que essa mulher ainda faz aqui?— É bom que ela veja o que acontece com pessoas como ele, não é não? — Ele começa certo do que fez e acaba com dúvida.— Não sei quem é mais pirado, você ou o Florian. Tire essa senhora daqui — digo me virando para os capangas conosco.V
CINDERELA— Meu Deus, Bela! — Exclamo ao abrir a janela e encontrar Bela onde menos gostaria. — Não faz isso comigo. Você quer mesmo me matar do coração. Só pode.— E por que eu iria querer matar minha única amiga? — Ela sorri e se vira para mim, seus cabelos castanhos voando para todo lado.A garota tem toda uma casa para escolher qualquer lugar onde ler, mas ela prefere subir até o telhado.Ela adora livros de aventura, e acha sua vida monótona demais. O sonho da minha amiga era ser policial, mas descobriu que ficaria apenas no sonho já que seu pai não a deixa fazer nada perigoso. Acho que é por isso que ela vive subindo nas coisas.— Por favor, só converse comigo quando estiver com os dois pés no chão desse quarto. — Cruzo os braços.— Medrosa! — Ela fecha o livro e sobe calmamente como se fosse uma gata andando pelo telhado, até passar pela janela e entrar. — Pronto.— Depois diz que não precisa de babá — provoco.Sei que ela odeia o fato de que o pai me contratou para fazer compa
De volta ao baile...HENRYComo assim Cinderela? O nome da mulher com a qual devo me casar é Bela Dubois. É Bela a mulher que deveria estar nesse vestido, sapatos e máscara.Que porra está acontecendo?As pessoas batem palmas pelo anuncio do noivado, até mesmo a mulher que está entre as irmãs gostosas, que eu sei ser a mãe delas. As três nos olham literalmente assustadas. Não é segredo que todas as cariocas sonham com o status que um casamento na nossa família lhe daria. E não duvido que Anastácia esperasse por isso. Nada contra, mas eu não sou o tipo moderninho que se casa com mulheres como ela. Eu sou antiquado, mesmo que o casamento seja uma fachada para deixar meu pai feliz. O que eu queria com Anastácia já tive. Ela só quer a chance de agarrar um homem rico, e eu mereço mais que alguém assim.Cinderela. Quem é essa mulher? Será alguém mandado por inimigos? Preciso esclarecer isso.Sem desfazer a pose de noivo contente, pego a mão da loira. Ela tenta puxar, mas aperto o bastante p
CINDERELAEu sei que não importa qual explicação dê a minha madrasta, não sairei ilesa dessa confusão. Não quando Anastácia me disse com todas as letras que queria estar onde estou nesse momento: sendo anunciada como noiva de um Seven.O problema é que sou a mulher errada. Era a Bela que devia ser anunciada.Será que ela sabia e me usou para fugir do casamento? Não, somos amigas, ela não faria isso comigo.Só que, mesmo não acreditando que seja por maldade, ela me colocou em uma enrascada. Não sei quem temo mais nesse momento, o homem que segura o meu braço, me puxando entre as pessoas, ou os irmãos da minha madrasta quando ela contar o que eu fiz.Sou levada para um lugar que parece um escritório e o Henry Seven fecha a porta e escora nela. Não sei se faz de propósito, mas seu revólver fica evidente sob a roupa.Ele quer saber o que estou fazendo aqui com as roupas e sapatos de Bela, mas se eu disser a Bela estará em apuros.Primeiro eu falo que vim substituir uma amiga, mas percebo
CINDERELAO que me mantem de pé é, com toda certeza, o braço de Henry me conduzindo. Mal sinto minhas pernas e, quanto mais nos aproximamos de minha madrasta e suas filhas, a sensação só piora. Eu devia estar me sentindo corajosa por estar com ele, mas só sinto medo de estar seguindo em direção aos rostos que são meus pesadelos diários. As máscaras delas são aquelas que a pessoa fica segurando na frente do rosto, e elas passam mais tempo com os rostos a mostra.— Boa noite! Estão gostando do evento? — Henry pergunta parando em frente a elas.Eu perdi a capacidade de falar em alguma parte do caminho. Acho que ele percebeu isso.— Surpreendente — Anastácia responde me olhando com os olhos brilhando de ódio.Henry lhe brinda com uma risadinha falsa, que não combina nada com sua aparência dominante.— A ideia era essa — diz.— Eu não sabia que vocês se conheciam. — Minha madrasta fala me olhando com todo desdém possível.— Nós... eu... — começo, mas não consigo completar. Queria muito ser
HENRY— Estou morta. — Ela diz ao se jogar no sofá. O vestido espalha e ela se curva massageando os pés sobre os sapatos, antes de tirá-los. Observo tudo escorado no batente da porta. — Eles são confortáveis, mas depois de horas andando e dançando..— Você quer dizer andando e pisando nos pés alheios.Como resposta, recebo um sorriso sem graça.— Desculpe. Eu disse que não sabia dançar.— Disse — digo simplesmente.Talvez seja o álcool que bebi durante o baile, mas essa loira me parece tão beijável, o vestido rasgado me convida a tirá-lo.Alguns minutos atrás ela me pediu para descansar. E eu cometi o erro de trazê-la para o meu quarto.Onde eu estava com a cabeça?A resposta é simples, estava pensando com a cabeça de baixo.— Cinderela, você quer foder? — pergunto mesmo. Sou direto no que desejo.Eu quero. Se ela quiser, seremos a dupla perfeita nessa cama.Prevejo o não quando ela se levanta e me dá as costas.O meu terno atrapalha a visão que eu teria da sua pele exposta pelo vesti
CINDERELADepois que minha madrasta se foi, a festa até me divertiu. Henry me apresentou para algumas pessoas como sua noiva e passei algum tempo com o pai dele e com o Raoul. O garoto tem um humor ácido, mas gostei dele logo de cara, assim como gostei do pai deles.Quando o sino de um grande relógio bateu meia-noite, eu já estava pronta para cair na cama e dormir. Tive que acordar às quatro da manhã para deixar o café pronto para Lady Tedesco e suas filhas, depois corri para a casa de Bela onde passamos o dia nos arrumando.Apesar de eu ir em seu lugar, ela se arrumou também para o pai não perceber caso a procurasse.Sabe, eu sempre fui uma pessoa corajosa. Isso foi guardado com o passar do tempo entre os Tedesco, mas continua em mim. E eu pretendo resgatar. Mesmo que inicialmente seja doloroso e assustador. Eu não quero que Henry veja em mim uma mulher fraca. Esse casamento precisa dar certo. Afinal, que desvantagem tem em casar com um deus grego cheio de poder? Não vejo nenhuma.Ap