Elise suspirava pela décima vez consecutiva, enquanto apertava suas mãos suadas uma contra a outra. O vestido branco de tecido fino e caro parecia ter o caimento perfeito em seu corpo na frente do espelho, mas a jovem não conseguia sorrir ou ao menos se sentir bela. O véu de seda, delicado e impecável, cobria parcialmente seu rosto, um lembrete cruel de que ela deveria se manter quieta, pelo menos até o momento do voto de sangue. Este, que selaria sua vida com os dois lobos mais poderosos de todo o reino de Vittoria.
Casamento. O dia que para muitas jovens deveria ser o mais mágico de suas vidas era para Elise uma mistura de pavor e repulsa. Mesmo que ela soubesse desde os catorze anos o motivo de ter sido adotada após a morte trágica de seus pais, nunca havia conseguido aceitar seu destino. Não era uma filha para aquela família, mas uma peça no tabuleiro político, um peão cuidadosamente moldado para se encaixar no lugar da filha verdadeira dos Delacroix. O pior de tudo? Ela aceitara.
Ou, pelo menos, permitirá ser levada como um cordeiro ao altar.
O peso daquela decisão lhe apertava o peito como uma corrente invisível. Os criados iam e vinham pelo quarto, verificando a barra do vestido, ajeitando seu cabelo, sussurrando palavras de ânimo que Elise não conseguia ouvir de verdade. Sua mente estava longe, perdida nos anos que antecederam aquele momento.
A primeira vez que escutou sobre o pacto fora uma noite de inverno, quando sua mãe adotiva a chamou para um encontro a sós no salão de chá. Era raro que a senhora Delacroix a tratasse com tamanha delicadeza. Elise se lembrava do calor da lareira, da porcelana fria entre seus dedos e da voz meticulosamente calculada de sua nova mãe.
— Você é uma menina inteligente, Elise — começara a mulher, servindo-lhe uma xícara de chá fumegante. — E, acima de tudo, é uma sobrevivente.
Elise nada dissera, apenas aguardara, sentindo o presságio amargo em seu peito.
— Desde o momento em que pisou nesta casa, houve um propósito para você — continuou a senhora Delacroix, mexendo o chá como se discutisse trivialidades. — O casamento com os reis lycans de Vittoria. Precisávamos de alguém que fosse capaz de assumir o lugar de minha filha, e você... bom, você se encaixou perfeitamente.
A xícara tremeu em suas mãos naquele dia, mas Elise não a deixou cair. Nem protestou. Nem fugiu. Sabia que não havia para onde correr.
Agora, anos depois, ali estava ela, vestida de branco, pronta para selar um destino que nunca escolhera.
— Senhorita, está na hora.
A voz de uma das criadas a trouxe de volta ao presente. Elise sentiu o coração acelerar, seu corpo rígido como se feito de pedra. As portas duplas do quarto se abriram, revelando o longo corredor iluminado por candelabros. A música cerimonial já ecoava pelo grande salão à frente. Seus pés vacilaram, mas logo foram guiados por mãos firmes, levando-a ao inevitável.
Cada passo que dava em direção ao altar era um tormento. O salão estava repleto de nobres, soldados e embaixadores. Mas nada ali importava mais do que os dois homens que a aguardavam no final do caminho.
Os reis lycans.
Eles estavam lá, de pé, majestosos e imponentes. Vestiam trajes cerimoniais negros, bordados com fios de ouro, contrastando com a pele pálida e os olhos predatórios que refletiam a luz das velas. O rei mais alto, de cabelos longos e escuros, ostentava um olhar frio, quase analítico, enquanto o outro, de traços mais afiados e expressão endurecida, parecia estudá-la como se pudesse enxergar sua alma através do véu.
Elise sentiu um calafrio percorrer sua espinha. O salão estava silencioso, todos aguardando que ela assumisse seu lugar entre os dois reis, prestes a selar seu futuro com um único corte de lâmina e a mistura irrevogável de seu sangue com o deles.
Seus olhos varreram o salão uma última vez, como se buscassem uma saída impossível. O medo rugia dentro dela, mas algo mais forte começava a despertar em seu âmago.
Ela não queria ser uma peça. Não queria ser apenas uma substituta.
E, naquele instante, tomou uma decisão.
Mas não havia mais tempo para hesitação.
A lâmina foi erguida, o voto de sangue estava prestes a ser feito.
O que aconteceria a seguir... dependeria dela.
O silêncio que tomou o salão era quase ensurdecedor. Elise sentia seu coração martelar contra o peito enquanto a lâmina reluzente pairava entre ela e os reis lycans. O frio do metal se aproximava de sua pele quando, pela primeira vez, sua voz rompeu a tensão.— Esperem! — Sua própria ousadia surpreendeu até a si mesma.Os murmúrios se espalharam como fogo entre os convidados. Nobres trocaram olhares, soldados se moveram discretamente, como se aguardassem uma ordem para intervir. Os reis não esboçaram reação imediata, mas os olhos predatórios cravaram-se nela, avaliando cada detalhe de sua expressão.— Você tem algo a dizer? — a voz do rei de cabelos escuros cortou o silêncio. Não havia raiva, apenas um interesse calculado.Elise engoliu em seco. Sabia que qualquer palavra errada poderia selar seu destino de forma ainda mais cruel. Inspirou fundo, tentando manter sua compostura.— Eu… só gostaria de entender. Por que este ritual é necessário? — Ela tentava soar respeitosa, mas sua hesi
A noite avançava enquanto Elise era levada pelos corredores do castelo, escoltada por guardas silenciosos. O peso do ritual ainda impregnava seu corpo, como se seu sangue estivesse queimando sob a pele. Ela tentou ignorar a sensação, mantendo o olhar fixo no caminho à frente, mas a atmosfera ao redor parecia diferente, carregada de algo invisível, mas opressivo.Antes disso, no salão principal, a cerimônia havia chegado ao seu ápice. O silêncio pesado que dominava o ambiente foi quebrado quando os reis finalmente se aproximaram para retirar o véu que cobria seu rosto. Elise prendeu a respiração, o coração martelando no peito. O medo de ser descoberta era esmagador, assim como a incerteza do que eles veriam ao olhar para ela sem o tecido que a separava do mundo.Os dedos firmes deslizaram com delicadeza ao remover o véu, revelando seu rosto pálido e os olhos arregalados pelo nervosismo. O que Elise não esperava era a reação dos reis. Nenhuma expressão de desagrado, nenhum olhar desconf
A atmosfera no salão privado continuava densa, impregnada com uma tensão que Elise sentia na pele. Lucian ainda estava próximo, o polegar roçando sua pele com uma suavidade inesperada, enquanto Astor mantinha-se um pouco mais afastado, observando-a como se estivesse pesando cada uma de suas reações.O silêncio foi quebrado por Astor, sua voz firme e sem hesitação.— Não pense que este casamento foi apenas um capricho do conselho ou uma tentativa fútil de selar alianças. — Ele se moveu, aproximando-se com passos lentos e pesados. — O reino de Vittoria está cercado por ameaças. Nossos inimigos espreitam, esperando um sinal de fraqueza, e um herdeiro é a única garantia de que a linhagem real continue forte.Elise sentiu o ar escapar de seus pulmões. O peso daquela afirmação caiu sobre ela como uma muralha. Um herdeiro. Sua mente gritava para que recusasse, para que dissesse que aquilo era um erro terrível. Mas sua voz não saiu. Em vez disso, ela permaneceu ali, estática, os dedos trêmulo
O ar no salão parecia congelado, e Elise mal conseguia distinguir entre o que era real e o que sua mente delirante criava. Cada palavra de Astor ecoava em sua mente como um trovão, reverberando nas paredes da sala e dentro de seu peito. Ela tentou, em vão, racionalizar, mas o peso das palavras de Lucian e Astor parecia esmagá-la. A sensação de impotência se enrosca em seu estômago, um peso denso e inquietante.Lucian estava à sua esquerda, imóvel, observando-a com um olhar tão profundo que parecia atravessar sua alma. A cada momento, ele a estudava mais, como se a descortinasse diante de seus olhos. Não era mais apenas um homem ao seu lado. Ele parecia ser algo mais, algo bem distante da humanidade, uma presença etérea que fazia Elise se questionar até onde sua própria realidade poderia ir.— Você tem medo, não tem? — A voz de Lucian cortou o silêncio, suave, mas compartilhou de um tom de compreensão que a fez estremecer.Elise não respondeu. Ela não precisa. O medo estava ali, latent
O peso daquelas palavras ainda pairava sobre Elise, que tentava, com toda a força de sua vontade, encontrar uma maneira de romper o silêncio sufocante que se formara entre ela e os reis. Sua garganta estava apertada, os olhos marejados, e tudo o que ela queria era gritar que não era a verdadeira filha da família Delacroix, que ela era uma impostora, uma simples peça nesse jogo de poder que não compreendia.Ela respirou fundo, tentando reunir coragem, mas antes que pudesse abrir os lábios para falar, um som estridente cortou o ar, vindo de fora do salão. O alarme soou estridente. Como o som de guerra, de algo que se aproxima, algo que fez o coração de Elise disparar de imediato.“Invasão!”A palavra ecoou em sua mente como um pesadelo que se tornou realidade.Os olhos dos reis se fixaram instantaneamente na porta, e uma tensão palpável se instalou entre eles. Astor, normalmente tão calmo e imperturbável, foi o primeiro a se mover. Seus passos, rápidos e pesados, levaram-no até o centro
Astor estava parado diante da grande janela do salão principal, olhando para a escuridão que se espalhava como uma manta pesada sobre o castelo. O vento frio batia nas cortinas, mas ele mal sentia a brisa. Sua mente estava ocupada, suas energias focadas na ameaça. O alarme ainda ressoava nos corredores, uma chamada de guerra que ecoava em seu peito como uma batida furiosa.Ele podia sentir a tensão na sala, o nervosismo dos guardas, os murmúrios de comando que chegavam até ele. Mas, acima de tudo, havia o peso da responsabilidade que agora descansava sobre seus ombros. Ele não era apenas o monarca, o governante de sua casa, mas o líder da defesa do castelo. E a ameaça que se aproximava não era algo simples, era algo mais sombrio, mais profundo.Astor virou-se abruptamente, os olhos dourados brilhando com uma intensidade feroz. Ele primeiro tomará decisões necessárias, de forma rápida. O reino estava em perigo, a sua família estava em perigo. Todavia havia mais, havia algo que ele não
A noite, que deveria ter sido selada em alianças e promessas, agora queimava sob o peso da invasão. O alarme ainda ecoava pelos corredores do castelo, uma sinfonia estridente que anunciava o caos. Astor movia-se como uma sombra entre as colunas do salão principal, cada passo carregado de urgência e precisão. Seus sentidos estavam aguçados, seu olhar frio analisava cada detalhe ao seu redor.Ele não precisava perguntar quem ousaria atacar. Havia apenas um punhado de inimigos que seriam tolos o suficiente para tentar uma investida contra Vittoria. E nenhum deles sairia vivo.Lucian já estava no comando das defesas. Seu irmão, sempre impulsivo, distribuía ordens aos guardas com um olhar feroz. Mas Astor sabia que a força bruta por si só não venceria aquela batalha. Seria necessária estratégia.— Quanto tempo temos até que eles rompam as primeiras barreiras? — Astor perguntou, a voz baixa, mas firme. Um dos generais da guarda real, um lycan de porte robusto e olhos afiados, respondeu com
O som da batalha parecia se fundir com o pulsar frenético do coração de Elise. Do outro lado das paredes espessas do castelo, o eco de aço contra aço, gritos abafados e o rugido de bestas distantes preenchia o ar. O alarme de invasão já havia silenciado, mas a tensão permanecia, suspensa como um fio prestes a se romper.Ela se encolheu no centro da cama imensa, os joelhos dobrados contra o peito, os braços envolvendo o próprio corpo trêmulo. O vestido de casamento—branco, delicado, agora amarrotado—parecia um fardo pesado sobre sua pele. Seu corpo estava quente, mas seus dedos estavam frios.E se eles não voltassem?A ideia perfurou sua mente como uma lâmina afiada. Elise não conhecia totalmente os reis, mas sabia que eram guerreiros temíveis. Ainda assim, a invasão fora súbita, brutal. O tipo de ataque que não permitia tempo para planejamentos, apenas para derramamento de sangue.Ela mordeu o lábio, sentindo a própria respiração descompassada. Seus olhos varreram o quarto, buscando a