A fome não existia, mas Elise sabia que precisava comer. Deixou-se guiar até a sala de refeições por sua dama de companhia, sentindo cada passo ecoar de maneira estranha nos corredores do castelo. O silêncio não era total—vozes abafadas de servos, ordens sendo dadas por guardas, o som distante de algo sendo arrastado. Os reis não estavam ali. Elise sentiu um aperto no peito ao receber a notícia. — Suas Majestades ainda estão cuidando dos estragos da invasão, Alteza. Pediram que não se preocupasse. Não se preocupasse? Ela apertou os dedos no tecido do vestido, tentando afastar o desconforto que crescia dentro de si. A inquietação da noite anterior, aquela tensão inexplicável após o ritual de casamento, parecia ainda estar lá—latente, espreitando nas sombras da sua mente como algo esperando para ser percebido. Ela se sentou, forçando-se a manter a compostura enquanto lhe serviam chá quente e pratos delicados. Mas tudo tinha gosto de nada. Seu olhar vagava para a grande janela do
O tédio era um veneno lento.Elise não sabia dizer quanto tempo havia se passado desde que fora deixada sozinha em seus aposentos. Minutos? Horas? O tempo parecia se esticar, tortuoso e incerto.Ela deveria se acostumar com isso?Com o som de passos incessantes do lado de fora, confundindo-se com as batidas irregulares de seu coração? Com o confinamento que, embora luxuoso, começava a lhe dar a sensação de estar aprisionada?Respirou fundo.Deitada na cama, fitava o teto adornado com pinturas douradas, mas não conseguia se perder na beleza dos detalhes. Tudo parecia frio, distante.É assim que será minha vida de agora em diante?A ideia a deixou inquieta.Elise se sentou, passando os dedos pelo vestido leve que vestia agora. O silêncio pesado do quarto pressionava seus ouvidos. Ela precisava se mover.Levantou-se e caminhou devagar, os pés descalços quase não fazendo barulho contra o chão de pedra coberto por tapetes luxuosos. Seu olhar vagava pelo aposento, como se estivesse vendo tu
Cada passo que Elise dava ecoava pelos corredores de pedra do castelo. O chamado dos reis ainda ressoava em sua mente, carregado de autoridade e algo mais sombrio, algo que a fazia sentir-se presa em uma teia invisível.Desde a descoberta do livro e da profecia, sua cabeça fervilhava. "A chegada da rainha que nasceu no dia de um eclipse..." Como aquilo poderia se referir a ela? Não fazia sentido. E o pior: se esse destino realmente existia, ela sabia que não poderia cumpri-lo. Porque tudo era uma mentira. Ela não era a herdeira dos Delacroix.Ela tragou o ar e forçou seus pensamentos para o presente. Não poderia demonstrar hesitação. Não agora.Quando chegou à grande porta do salão, os guardas imediatamente abriram caminho. Elise hesitou por um instante antes de atravessar o limiar, onde Astor e Lucian a esperavam.A sala era ampla, iluminada pelo brilho pálido da manhã que filtrava-se pelas janelas altas. Os irmãos estavam diante do trono, conversando em tons baixos, mas pararam no i
Lucian não dormiu naquela noite. A invasão havia sido repelida, mas o gosto amargo da batalha ainda permanecia. Os corpos dos invasores já haviam sido retirados dos corredores, mas as manchas escuras nas pedras e o cheiro de sangue no ar ainda não haviam se dissipado completamente. Ele sabia que aquilo não era o fim. A movimentação pelo castelo começava antes mesmo do nascer do sol. Feridos sendo tratados, patrulhas dobradas, conselheiros reunindo informações. O ataque havia sido um aviso. Mas de quem? E por quê? No entanto, havia algo mais que o inquietava. A rainha. Lucian nunca havia sido um homem de acreditar em profecias cegamente. Mas agora, depois do que havia lido, depois do que havia visto, não podia ignorá-las completamente. Elise tinha surgido em suas vidas como um enigma, e ele odiava enigmas que não conseguia decifrar. Ele encontrou Astor na biblioteca, assim como imaginava. O irmão nunca dormia quando algo importante o preocupava. — Alguma novidade sobre os r
Lucian permaneceu imóvel, observando as chamas oscilantes da lareira em seu aposento. O silêncio denso do castelo após os eventos das últimas horas pesava sobre seus ombros como um manto invisível. A conversa com Elise ainda ressoava em sua mente. Havia algo nela que não se encaixava, algo que se escondia por trás de seus olhos dourados e expressão tensa.Quando a porta se abriu sem cerimônia, ele não precisou virar para saber que era Astor. Seu irmão sempre teve uma presença imponente, um peso na sala que poucos conseguiam ignorar.— Você está remoendo tudo outra vez — Astor disse, cruzando os braços enquanto encostava-se à parede. — Vai se desgastar antes mesmo de termos uma solução.Lucian suspirou, apoiando os cotovelos sobre os joelhos e entrelaçando as mãos.— E o que sugere? Que ignoremos o óbvio? — Ele ergueu os olhos para Astor, seu olhar frio como lâminas de gelo. — Há algo errado com Elise. Ela hesita demais, se fecha sempre que a pressionamos. Se ela fosse realmente a herd
Elise estava sentada no centro de seus aposentos, os dedos trêmulos apertando o tecido do vestido. O confronto com os reis ainda ressoava em sua mente como um eco implacável. Seu peito subia e descia de maneira irregular, a respiração presa entre o medo e a raiva. Ela não suportava a ideia de estar encurralada, de ser apenas uma peça dentro do jogo político e da profecia que parecia girar ao seu redor.Um soluço escapou de seus lábios, e ela se levantou de súbito, caminhando pelo quarto com passos agitados. Precisava pensar. Precisava se controlar e não agir como uma menininha assusta o tempo todo, e sim encontrar uma forma de recuperar o controle sobre sua própria vida. Mas como? Sua mente girava em um turbilhão de possibilidades, e, então, sentiu de novo aquela estranha sensação.Desde o ritual de casamento, algo dentro dela parecia diferente. Como se houvesse uma energia latente em suas veias, pulsando de forma sutil, quase imperceptível, mas ainda ali. Era a ligação com os reis se
Elise despertou com o primeiro raio de sol atravessando as cortinas pesadas de seu quarto. O sono tinha sido inquieto, mas a certeza de que possuía um plano lhe dava um mínimo de controle sobre a situação. Quando a criada entrou em seus aposentos, carregando uma pequena bolsa de ervas, Elise se sentou rapidamente na cama.— Conseguiu? — perguntou em um tom contido, observando a jovem com atenção.A criada, uma moça de aparência delicada e olhos tímidos, assentiu e colocou a bolsa sobre a mesa.— Fiz como pediu, alteza. As ervas estavam no estoque da cozinha. Ninguém perguntou nada.Elise esboçou um pequeno sorriso, pegando o saquinho e o apertando entre os dedos. Era um passo pequeno, mas essencial.— Fez bem. Pode ir.A jovem se retirou, e Elise foi até o aparador onde descansava uma jarra de água fresca. Pegou uma xícara e começou a preparar o chá, misturando cuidadosamente as ervas. Sabia que a dose deveria ser precisa; qualquer erro poderia ser fatal. A lembrança de sua mãe prepar
Elise despertou com a luz suave do amanhecer filtrando-se pelas cortinas pesadas de seus aposentos. A rotina que havia estabelecido desde a conversa com os reis se tornara quase automática: levantar, manter uma postura confiante, esconder sua impaciência e, antes de qualquer outra coisa, beber o chá que garantiria que seu plano seguisse intacto.Ela caminhou até a pequena mesa perto da janela, onde a infusão de ervas já a aguardava. Pegou a xícara com ambas as mãos, observando o líquido escuro por um instante antes de levá-lo aos lábios. O sabor amargo não a incomodava mais; pelo contrário, era um lembrete de que, apesar das circunstâncias, ainda havia algo sobre o qual mantinha controle.Após terminar o chá, vestiu-se adequadamente para a manhã que lhe aguardava. As aulas sobre etiqueta e deveres reais começariam naquele dia, e a instrutora designada pelo conselho já era um nome conhecido por toda a corte: Lady Geneviève Bellerose.Lady Geneviève era uma mulher imponente, de expressã