A manhã parecia se arrastar para Camélia. Desde que havia se levantado, tudo parecia estar dando errado. Mas, no fundo, ela sabia que não era exatamente o dia que estava ruim, era ela. Era a certeza esmagadora que sentia vindo de Kael.
Agora, sentada diante do notebook, tentando focar na reunião, sentia-se cada vez mais distante. As vozes ao seu redor pareciam abafadas, como se viessem de um cômodo muito longe. Cauã e seus pais estavam ali, trabalhando ao seu lado, mas sua mente vagava.Quando a reunião finalmente terminou, ela ainda não conseguia se sentir presente. Algo dentro dela se revirava inquieto, como uma tempestade contida. Seu pai e Cauã já haviam saído, mas ela e Flor permaneceram, revisando documentos. Camélia tentava se concentrar, mas seu pensamento retornava, vez após vez, ao toque de Kael, ao calor dele, à forma como seu vínculo rugia sempre que tentava afastá-lo da mente.E então, veio de novo.Uma onda quente subiu por sEnquanto Camélia tentava ignorar o vínculo, em outro canto da cidade, Kael não encontrava descanso.Kael havia caído no sono por alguns minutos, exausto depois do treino. Mas a escuridão não o acolheu. Em vez disso, foi tomado por uma sensação quente, intensa e inescapável. Camélia estava ali.Ela não o desafiava com palavras afiadas, não o olhava com resistência ou raiva. Ela apenas estava diante dele, os olhos cinzentos brilhando de um jeito diferente. Seu peito subia e descia num ritmo descompassado, e seus lábios estavam ligeiramente entreabertos. Ela o queria. E ele soube naquele instante que sempre a quis também.Seu cheiro o envolvia, denso, inebriante, Kael estava sentado na beira da cama quando Camélia deu um passo à frente. Lentamente, como se desafiasse o próprio tempo, ela ergueu a mão e tocou seu peito. O calor do toque dela queimou sua pele como uma faísca acendendo um incêndio.O rosnado veio baixo, involuntário. Ela sorriu.
Ele se afastou, quebrando o contato. Do outro lado, Camélia continuava andando com sua mãe, vendo a cena se desenrolar à sua frente, ela o sentiu primeiro. E agora o via ali, com Tânia. Era com ela que ele estava sentindo prazer mais cedo? O destino esfregava na cara dela o que ela já sabia. Camélia parou, e sua mãe notou, segurando seu braço. Flor seguiu o olhar da filha, vendo Kael e Tânia, foi quando Kael ergueu o olhar de novo e a encontrou. Camélia sustentou o olhar, sem piscar. Flor apertou o braço da filha e disse, sua voz baixa, mas firme: — Vamos, querida. Nós viemos em busca de uma distração. E é isso que vamos ter. Camélia soltou um suspiro pesado e deixou a mãe puxá-la para longe, ela passou por Kael a passos firmes, sem olhar para trás. Mas ele a acompanhou com os olhos. Ele queria pedir que ela ficasse. Queria dizer que não era o que parecia. Mas não precisava. Ele senti
Serra dos Riachos não era uma cidade qualquer, era viva e pulsava sob os pés dos que passavam, sussurrava através das árvores, escondia segredos no reflexo dos riachos, era uma cidade que respirava. Aqui, o mundo visível e o invisível se entrelaçavam. Aqui, lendas não eram apenas lendas. Safira foi a primeira a ouvir o aviso, nas águas calmas do Bosque da Névoa, onde as guardiãs buscavam refúgio para se centralizarem, criarem amuletos e discutirem o destino da cidade. Em um desses momentos, a profecia veio até ela como um sussurro no vento, como se a própria Serra dos Riachos se materializasse. A noite estava densa, o ar carregado com o peso de algo que não podia ser visto, apenas sentido. A lua cheia pairava alta no céu, derramando sua luz prateada sobre a floresta silenciosa, que servia como testemunha de segredos antigos. No centro da clareira, um círculo de guardiãs permanecia imóvel, como se aguardassem algo. No meio delas, Safira ergueu o rosto, seu olhar intenso refletindo o
Camélia nunca gostou de perguntas sem respostas, ela era do tipo que desvendava padrões, que lia entrelinhas e desconfiava de silêncios longos demais. Cresceu sendo a pessoa que resolvia problemas, que planejava antes de agir, que não gostava de sentir que estava sendo deixada de fora de algo. E, naquele momento, algo não fazia sentido, a avó arrumando a mala com um olhar perdido. O avô mais silencioso do que o normal e o nome de uma cidade que nunca tinha ouvido antes: Serra dos Riachos. Desde pequena, Camélia sabia que sua família era diferente. Mas, em vez de histórias mirabolantes sobre o passado, havia apenas silêncio. Seu avô mudava de assunto quando questionado. Sua avó sempre dizia que o passado já havia ficado para trás. Seus pais também nunca pareceram curiosos sobre isso. Agora, aos vinte e cinco anos, Camélia percebia que aquilo nunca tinha sido normal. Seus pais, Flor e Gustavo, eram um casal equilibrado. Flor era mais reservada, dona de uma paciência invejável, mas
A primeira passagem que encontrou foi comprada sem pensar duas vezes por Cauã. Camélia arrumou suas coisas rapidamente, a tensão aumentando a cada minuto que se passava. A viagem pareceu interminável. Cada quilômetro percorrido apenas reforçava sua certeza de que algo estava errado, de que estavam atrasados para algo que ainda não compreendiam. Quando a aeronave finalmente pousou, ainda de manhã cedo, ela inalou profundamente o ar fresco, notando como ele parecia diferente. Mais puro, carregado com o frescor da vegetação e o perfume das flores espalhadas pelo vento. A névoa fina dançava entre as montanhas, como um véu separando dois mundos. O ar gelado da manhã a envolveu assim que saiu do avião, um abraço aconchegante depois de horas abafadas dentro da cabine. O cheiro de terra e grama molhada entrou em seus pulmões, como uma brisa suave e bem-vinda. Porém, algo a fez hesitar. Camélia sentiu que estava pisando em um território que carregava mistérios, e ela não sabia o porquê. Tam
O encontro com aqueles dois ainda martelava na mente da jovem enquanto ela caminhava pelo centro de Serra dos Riachos. A cidade estava desperta agora. O céu azul pálido se espalhava acima dos casarões coloniais, banhando as ruas de pedra em uma luz dourada. O som de passos apressados ecoava entre as vielas, mesclado ao barulho distante de sinos e ao murmúrio das primeiras conversas matinais.Pequenos comércios abriam suas portas, e o cheiro de café fresco e pão recém-saído do forno se misturava ao perfume das flores que decoravam varandas e janelas. Serra dos Riachos parecia um lugar fora do tempo, lembrando um pouco a cidade de Petrópolis pela arquitetura. Mas havia algo estranho ali.Era uma cidade pacata demais para a tensão que se sentia no ar, para a forma como os olhares se demoravam um pouco mais sobre ela do que o necessário. A sensação de estar sendo observada a acompanhava a cada esquina.Ela pegou o celular, ainda inquieta depois da confusão
Kael soube que ela estava ali antes mesmo de Júlio abrir a porta. O perfume doce e inconfundível de flor de laranjeira invadiu o ambiente antes do som da madeira sendo batida. E então, ela surgiu. A garota da praça. Kael manteve o rosto impassível enquanto via Júlio e Madalena a abraçarem, mas por dentro, uma irritação crescente o dominava. Ela não era apenas uma forasteira. Ela estava ligada à família Alencar, talvez neta de Júlio e Madalena. Isso não dissipava seu interesse, mas aumentava. Ela era bonita de um jeito perturbador. Os olhos dela, cinzentos como o céu antes da tempestade, avaliavam tudo ao redor, como se quisessem decifrar cada detalhe. Eles carregavam uma tempestade silenciosa, e Kael não sabia se queria fugir ou ser levado junto. Ela parecia mais preocupada com a família do que com ele. — O que aconteceu? — Camélia perguntou, sua voz carregada de preocupação. O silêncio tomou conta, a tensão no ar se tornando palpável. Júlio pigarreou, surpreso pela chegada repent
Camélia permaneceu imóvel enquanto a porta se fechava atrás de Kael. O cheiro de chuva, ainda em sua pele, misturava-se ao perfume amadeirado da casa. Ela inspirou profundamente, tentando dissipar a sensação inquietante que ele deixava. Por que ele mexia tanto com ela? A pergunta martelava em sua mente enquanto se dirigia até a janela. Mordendo o lábio, inquieta, não gostava da forma como seu corpo reagia sem permissão. — Ele te incomodou? — A voz calma de Madalena a trouxe de volta. Camélia se virou, encarando a avó com uma mistura de confusão e relutância. — Não. — Hesitou. — Quer dizer, sim. Mas não do jeito que você pensa. Madalena inclinou a cabeça, um brilho curioso nos olhos. — O que há entre vocês não pode ser ignorado. Só quero que esteja pronta para o que isso significa. Camélia tentou aliviar a tensão com uma risada curta, mas o peso das palavras da avó a incomodava. — Eu sei me cuidar, vó. Não temos nada, o conheci hoje. Antes que Madalena pudesse responde