CAPITULO 2: BUSCA POR RESPOSTAS

A primeira passagem que encontrou foi comprada sem pensar duas vezes por Cauã. Camélia arrumou suas coisas rapidamente, a tensão aumentando a cada minuto que se passava. A viagem pareceu interminável. Cada quilômetro percorrido apenas reforçava sua certeza de que algo estava errado, de que estavam atrasados para algo que ainda não compreendiam.

Quando a aeronave finalmente pousou, ainda de manhã cedo, ela inalou profundamente o ar fresco, notando como ele parecia diferente. Mais puro, carregado com o frescor da vegetação e o perfume das flores espalhadas pelo vento. A névoa fina dançava entre as montanhas, como um véu separando dois mundos.

O ar gelado da manhã a envolveu assim que saiu do avião, um abraço aconchegante depois de horas abafadas dentro da cabine. O cheiro de terra e grama molhada entrou em seus pulmões, como uma brisa suave e bem-vinda. Porém, algo a fez hesitar. Camélia sentiu que estava pisando em um território que carregava mistérios, e ela não sabia o porquê. Tampouco conseguia entender a sensação de pertencimento que a dominou.

Após pegar sua mala e atravessar o pequeno aeroporto, entrou no carro que a levaria até Serra dos Riachos. O Sol nascente tingia a névoa que circulava a cidade de dourado, fazendo com que raios de luz refletissem sobre ela no carro.

Somente então percebeu que seu celular estava desligado. Com pressa, conectou-o ao carregador portátil e, assim que a tela acendeu, o celular começou a vibrar. Primeiro uma notificação, depois uma avalanche de chamadas e mensagens perdidas de sua mãe. O coração de Camélia disparou, e seu estômago revirou. Seus dedos deslizaram com pressa, lendo cada uma delas.

As mensagens que antes não haviam sido entregues estavam todas ali. As que ela havia enviado e, principalmente, as que sua mãe tentara mandar. Foram muitas, uma após a outra, como se o universo estivesse zombando dela, esfregando em sua cara o tempo que havia se passado.

As primeiras mensagens eram calmas, detalhando sobre a saúde de seu avô, que, mesmo após o acidente, havia melhorado magicamente. Um alívio imediato a invadiu, mas, logo depois, o tom mudou.

Camélia conseguia sentir a crescente inquietação de sua mãe em cada uma das mensagens. A desconfiança que ela sentia pela cidade, os olhares que recebia e, depois, a preocupação em não conseguir mais contato com os filhos. Até que chegou a mensagem que fez sua boca secar: Se você receber essa mensagem, não venha pra cá, algo estranho está acontecendo. Vamos tentar dar um jeito de entrar em contato novamente com vocês.

O estômago de Camélia revirou, e a sensação incômoda que a acompanhava há meses agora era uma confirmação. Algo realmente estava errado, e eles haviam demorado tempo demais para perceber.

O Sol ainda estava baixo no céu quando o carro a deixou no centro da cidade. A luz tingia os casarões coloniais com tons dourados e avermelhados. As ruas de pedra, úmidas pelo orvalho da manhã, refletiam pequenos feixes de luz. Bandeiras coloridas tremulavam entre as vielas, e o som distante de sinos se misturava ao farfalhar das folhas.

Ao descer do carro, ela sentiu o peso do silêncio. Apesar da cidade já estar movimentada pelo horário, aquilo era diferente do que ela estava acostumada no Rio de Janeiro. Não era uma calmaria tranquila—era como se algo estivesse a observando. O som dos sinos de vento soava vindo de várias direções diferentes, ecoando entre as construções antigas, e por um instante, Camélia pensou que aquilo poderia ser um aviso.

Havia algo naquele lugar, algo que fazia sua pele formigar e a sensação de ser observada era forte e inexplicável. A estranha familiaridade com o ambiente a deixou inquieta, como se já conhecesse aquele lugar, mesmo sem nunca ter estado ali.

Respirando fundo, seguiu em frente, tentando se localizar. Foi então que ouviu as vozes baixas, afiadas, como pequenas agulhas deslizando pelo ar. Não precisou se aproximar muito para sentir a tensão. Dois homens discutiam.

A tensão entre os dois era palpável, carregada como uma tempestade prestes a eclodir. Nenhum deles se movia, mas estavam rígidos, como se soubessem que um único movimento poderia transformar as palavras afiadas em algo muito mais físico. O maxilar do homem mais alto estava travado, os punhos cerrados ao lado do corpo numa calma controlada, como um predador à espreita. Já o outro homem parecia desejar o confronto, seus músculos tensos como cordas prestes a arrebentar, o olhar faiscando em um desafio aberto.

O primeiro exalava domínio. Alto, ombros largos, e uma presença que não precisava de palavras para ser respeitada. Sua pele tinha um tom quente e uniforme, contrastando com os olhos intensos e calculistas. O cabelo escuro caía em ondas levemente desalinhadas, mas não havia nada de descuidado nele. Ele parecia alguém que nunca perdia o controle.

O segundo homem era diferente. Se o primeiro era controle e poder silencioso, ele era pura provocação. O rosto trazia marcas de batalhas antigas, incluindo uma cicatriz que cortava o canto da boca, dando-lhe um sorriso eternamente debochado. Os cabelos curtos apenas reforçavam sua postura rígida, quase militar. Mas o que mais chamava atenção não era sua força física. Era o brilho afiado nos olhos—um brilho de quem sabia exatamente como jogar com as fraquezas dos outros.

A cidade ao redor parecia ignorar a cena, como se já estivesse acostumada com esse tipo de confronto. Mas Camélia não. Algo naquela troca de olhares parecia antigo, não uma rixa recente, mas uma batalha contínua e sem solução. Sem entender o porquê, seus pés se moveram antes que pudesse se impedir.

— Posso saber o que tá contecendo aqui? — Sua voz soou firme, cortando o ar denso.

Os dois homens pararam e a encararam. O olhar do primeiro encontrou o dela e, naquele instante, sem que soubesse o motivo, Camélia sentiu como se tivesse acabado de cometer um erro.

O segundo homem, o mais agressivo, foi o primeiro a reagir.

— Quem diabos é você? — ele rosnou, avançando um passo.

Camélia não hesitou. Cruzou os braços e respondeu com firmeza.

— Alguém que quer saber por que dois adultos estão prestes a resolver algo caindo na porrada no meio da rua.

O homem com a cicatriz bufou, seus punhos apertados, e Camélia percebeu que estava desafiando algo muito maior do que imaginava. O primeiro homem, o de olhos intensos, continuava em silêncio, mas seus olhos a observavam com um interesse peculiar.

— Se toca, isso não é da sua conta. – o homem com a cicatriz respondeu, desprezando-a.

— Talvez seja — ela rebateu, mantendo o olhar fixo.

Ela não sabia bem o que a fazia agir daquela forma. Talvez fosse o desconforto que sentia desde que chegou ali, ou talvez fosse a presença daquele homem de olhos intensos, algo nele que não deixava ela simplesmente se afastar.

O primeiro homem finalmente falou, sua voz profunda e imponente.

— Já chega.

O outro homem ainda estava irritado, mas cedeu.

— Isso ainda não acabou — ele disse, apertando a mandíbula.

— Até parece que eu não sei disso. — o primeiro homem respondeu, com um tom frio.

Os dois se encararam, medindo-se, até que o homem com a cicatriz se virou e foi embora, seus passos pesados ecoando pela rua de pedra. Camélia suspirou, aliviada, mas logo percebeu que o olhar do outro homem ainda estava sobre ela, estudando cada movimento seu.

— Quem é você? — ele perguntou finalmente.

A voz dele era imponente, mas havia algo desconfiado nela, como se estivesse tentando entender quem ela realmente era.

Camélia cruzou os braços e respondeu:

— Eu poderia perguntar o mesmo.

Ele ergueu uma sobrancelha, observando-a atentamente.

— Você não é daqui, né? — disse ele, com a certeza de quem conhece cada canto daquele lugar.

— E como sabe disso? — ela questionou, seus olhos fixos nos dele.

— Porque eu conheço cada pessoa desta cidade e nunca vi você por aqui — respondeu, seu tom fazendo Camélia se irritar levemente.

— Talvez seja hora de conhecer gente nova, então — ela disse, com um sorriso provocador.

O homem não parecia nem um pouco afetado pela resposta dela, mas Camélia não se importou. Ele apenas a observou com mais intensidade antes de falar novamente.

— O que você estava fazendo aqui? — ele perguntou ignorando o deboche dela.

— Andando. Olhando a cidade — Camélia respondeu com calma, mas seu tom desafiador não desapareceu. — Até me deparar com dois idiotas arrumando encrenca na rua.

Ele a encarou, aparentemente sem se impressionar com a atitude dela.

— Não te ensinaram a não se meter onde não é chamada? — disse ele, sem emoção.

— E você deveria aprender a ser mais educado — ela respondeu, erguendo o queixo.

O homem não disse mais nada. Ficou ali, observando-a, como se estivesse tentando decifrar algo que ela ainda não estava pronta para revelar.

Camélia, cansada de ficar no meio daquela troca silenciosa, levantou as mãos, como se entregasse a situação.

— Bom, já interrompi o seu momento selvagem do dia — disse, virando-se para sair. — Acho que posso ir agora.

—Já estava na hora. — ele respondeu, balançando os dedos como se se despedisse dela.

Ela revirou os olhos e foi embora, mas ao caminhar, percebeu algo: ela não fazia ideia de quem eram aqueles dois homens. E, mais importante, não sabia o que aquele encontro significava para ela.

O silêncio que pairava entre ela e o homem alto com os olhos sombrios era mais pesado do que parecia. Algo no ar dizia que aquele não seria o último encontro entre eles.

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