Kael passava dias inquieto, os sentidos aguçados demais, o cheiro de flor de laranjeira impregnado em sua mente. Ele se pegava distraído, vagando pela cidade sem perceber, até se dar conta de que estava perto da casa dos Alencar. O reconhecimento o atingia como um soco no estômago, e irritado consigo mesmo, forçava-se a se afastar. Ricardo percebeu.— De novo, Kael?Kael trincou o maxilar, sem responder.— Você pode tentar lutar contra isso o quanto quiser, mas não adianta. Seu lobo já decidiu.— Eu não vou ceder. — Kael rosnou, a fúria mascarando o conflito interno que queimava dentro dele. Ricardo cruzou os braços, exasperado.— Então continue se enganando, mas não venha reclamar quando isso explodir na sua cara.Enquanto isso, Camélia vivia sua própria tortura. Não importava o quanto tentasse ignorar, a presença de Kael era como um fantasma ao seu redor. O cheiro dele parecia assombrá-la, e a marca em seu pulso pulsava c
Tânia já tinha sido manipulada pelas palavras de Bianca, e isso foi a gota d’água. Seu controle se rompeu. Ela avançou sem hesitar, rápida. A movimentação de seu corpo foi um borrão antes que Camélia pudesse reagir. O impacto veio forte e certeiro, seu punho atingindo a lateral do rosto de Camélia. A dor explodiu em sua mandíbula, fazendo sua cabeça virar violentamente para o lado. O gosto metálico de sangue se espalhou em sua boca enquanto ela cambaleava para trás, os joelhos tremendo por um segundo.Mas não caiu.Camélia se estabilizou e, antes que Tânia recuasse, respondeu. Seus reflexos assumiram o controle, e seu punho disparou em um movimento certeiro, atingindo Tânia no estômago. O baque fez a outra loba recuar um passo, o ar saindo de seus pulmões em um grunhido de dor. Mas Tânia não era uma oponente fácil. Ela se recuperou rápido, avançando de novo, garras se estendendo levemente.As duas começaram a circular uma à outra, avaliando cada movimento.
A noite estava pesada, abafada, como se o próprio ar estivesse carregado da tensão que vinha consumindo Camélia. Sentada no alpendre da casa dos avós, ela encarava o nada, o peito apertado pela pressão crescente do vínculo que não lhe dava descanso. Desde a assembleia, desde a briga com Tânia, tudo parecia ter saído ainda mais do controle. Os cochichos pelas ruas haviam aumentado. Alguns olhares eram de curiosidade, outros de desconfiança. Os lupinos evitavam seu caminho, e os mais ousados até esbarravam nela de propósito. Ela não pertencia ali. Ou, pelo menos, era o que queriam que ela acreditasse. Mas o que a corroía de verdade não era a matilha. Era Kael.Ela sabia que ele a sentia tanto quanto ela o sentia. Ele evitava olhá-la por muito tempo, mantinha distância, mas seu corpo sempre reagia quando estavam perto. E, pior, seu cheiro estava por toda parte. Camélia se sentia sufocada.Quando o ouviu se aproximar, seu corpo reagiu antes que ela pudesse
Camélia se virou a tempo de ver Cauã parado na entrada do quintal, o olhar arregalado de incredulidade. Atrás dele, Madalena e Júlio estavam imóveis, como se tivessem testemunhado algo impossível de ignorar.Kael permaneceu firme. Seu olhar fixo nela. Sua Luna. Sua igual. Não havia mais volta. Mas o momento foi interrompido de forma abrupta.O som de passos pesados ecoou no quintal. Cauã avançava, punhos cerrados, o rosto carregado de fúria. Antes que alguém reagisse, tentou desferir um soco em Kael.O Alfa se moveu rápido, desviou com facilidade e, em um único gesto, empurrou Cauã, que caiu no chão com um rosnado. A força da voz de Kael fez os pelos do irmão de Camélia se arrepiarem. Seu corpo respondeu ao comando do Alfa, reconhecendo a hierarquia. Mas sua raiva fervia. Ele ergueu o olhar, acusador.Júlio e Madalena se aproximaram, ajudando Cauã a levantar. As mãos firmes nos ombros dele eram um aviso silencioso.— O que você pensa que
A manhã parecia se arrastar para Camélia. Desde que havia se levantado, tudo parecia estar dando errado. Mas, no fundo, ela sabia que não era exatamente o dia que estava ruim, era ela. Era a certeza esmagadora que sentia vindo de Kael.Agora, sentada diante do notebook, tentando focar na reunião, sentia-se cada vez mais distante. As vozes ao seu redor pareciam abafadas, como se viessem de um cômodo muito longe. Cauã e seus pais estavam ali, trabalhando ao seu lado, mas sua mente vagava.Quando a reunião finalmente terminou, ela ainda não conseguia se sentir presente. Algo dentro dela se revirava inquieto, como uma tempestade contida. Seu pai e Cauã já haviam saído, mas ela e Flor permaneceram, revisando documentos. Camélia tentava se concentrar, mas seu pensamento retornava, vez após vez, ao toque de Kael, ao calor dele, à forma como seu vínculo rugia sempre que tentava afastá-lo da mente.E então, veio de novo.Uma onda quente subiu por s
Enquanto Camélia tentava ignorar o vínculo, em outro canto da cidade, Kael não encontrava descanso.Kael havia caído no sono por alguns minutos, exausto depois do treino. Mas a escuridão não o acolheu. Em vez disso, foi tomado por uma sensação quente, intensa e inescapável. Camélia estava ali.Ela não o desafiava com palavras afiadas, não o olhava com resistência ou raiva. Ela apenas estava diante dele, os olhos cinzentos brilhando de um jeito diferente. Seu peito subia e descia num ritmo descompassado, e seus lábios estavam ligeiramente entreabertos. Ela o queria. E ele soube naquele instante que sempre a quis também.Seu cheiro o envolvia, denso, inebriante, Kael estava sentado na beira da cama quando Camélia deu um passo à frente. Lentamente, como se desafiasse o próprio tempo, ela ergueu a mão e tocou seu peito. O calor do toque dela queimou sua pele como uma faísca acendendo um incêndio.O rosnado veio baixo, involuntário. Ela sorriu.
Ele se afastou, quebrando o contato. Do outro lado, Camélia continuava andando com sua mãe, vendo a cena se desenrolar à sua frente, ela o sentiu primeiro. E agora o via ali, com Tânia. Era com ela que ele estava sentindo prazer mais cedo? O destino esfregava na cara dela o que ela já sabia. Camélia parou, e sua mãe notou, segurando seu braço. Flor seguiu o olhar da filha, vendo Kael e Tânia, foi quando Kael ergueu o olhar de novo e a encontrou. Camélia sustentou o olhar, sem piscar. Flor apertou o braço da filha e disse, sua voz baixa, mas firme: — Vamos, querida. Nós viemos em busca de uma distração. E é isso que vamos ter. Camélia soltou um suspiro pesado e deixou a mãe puxá-la para longe, ela passou por Kael a passos firmes, sem olhar para trás. Mas ele a acompanhou com os olhos. Ele queria pedir que ela ficasse. Queria dizer que não era o que parecia. Mas não precisava. Ele senti
Serra dos Riachos não era uma cidade qualquer, era viva e pulsava sob os pés dos que passavam, sussurrava através das árvores, escondia segredos no reflexo dos riachos, era uma cidade que respirava. Aqui, o mundo visível e o invisível se entrelaçavam. Aqui, lendas não eram apenas lendas. Safira foi a primeira a ouvir o aviso, nas águas calmas do Bosque da Névoa, onde as guardiãs buscavam refúgio para se centralizarem, criarem amuletos e discutirem o destino da cidade. Em um desses momentos, a profecia veio até ela como um sussurro no vento, como se a própria Serra dos Riachos se materializasse. A noite estava densa, o ar carregado com o peso de algo que não podia ser visto, apenas sentido. A lua cheia pairava alta no céu, derramando sua luz prateada sobre a floresta silenciosa, que servia como testemunha de segredos antigos. No centro da clareira, um círculo de guardiãs permanecia imóvel, como se aguardassem algo. No meio delas, Safira ergueu o rosto, seu olhar intenso refletindo o