Você deve estar se perguntando como uma garota que não enxerga cores, principalmente as dos sinais de trânsito, pode dirigir? E a resposta está no sistema em que a mãe de Esther instalou no carro, que narra em tempo real, placas e sinais de trânsito. É a inteligência artificial contribuindo para a inclusão.
Frente a sorveteria em que Elis e Esther marcaram o encontro, estava praticamente sem vagas para carros, o que a fez estacionar o automóvel uma rua antes.
Esther saiu do carro, ativou o alarme do mesmo e caminhou devagar pela rua, enquanto observava as pessoas. Aquele finalzinho de tarde tinha um brilho diferente. Pessoas sorriam sem esforço. Romances no banco da pracinha ao lado, pareciam se multiplicar. Cães e gatos se entendendo... Curioso.
A primavera realmente era uma estação mágica. E parecia mudar algo nas pessoas.
Esther olhou para os dois lados antes de atravessar a rua. Quando chegou do outro lado da calçada, um garotinho de cabelos castanhos-escuros e olhos apertados como feijão-preto na vagem, se aproximou dela e a entregou uma flor. Esther não conhecia a criança, mas se agachou de modo a ficar a altura do menino de pouco mais de cinco anos, e lhe deu um abraço apertado. Aquele aperto singelo era mais puro que o próprio cheiro da flor.
— Obrigada! — Ela agradeceu ao se levantar, sustentando um sorriso em seu rosto. Este, compartilhado com o garotinho que fez o mesmo.
Esther continuou em direção à sorveteria que estava logo à sua frente. Ali havia um grande pátio e muitas árvores em volta. Uma grande estátua de um sorvete sorridente de cinco metros de altura estava posicionada na entrada. Era algo para atrair crianças, mas com aqueles olhos esbugalhados e aquela boca vermelha, acredito que ele estava mais as repelindo.
Elis estava do lado de fora, olhando para vários lados, até seus olhos bateram em Esther, que se fixaram de maneira possessiva.
— Pensei que não vinha. O que fez com seu celular? — Elis a recebeu com braços cruzados e agitadas batidas de pé, o que demonstrava impaciência.
— Ah! Desculpe. Eu não sei onde o enfiei. — Esther sorriu sabendo internamente que não estava muito preocupada com ele.
Elis deu alguns passos em direção à amiga e a puxou pelo braço, indo ao sentido contrário.
— Vem. Vamos. — Ela olhou para o outro lado da rua. — Uau! Orquídeas.
— Eu ganhei de um garoto, mas onde estamos indo? — Esther perguntou um pouco confusa. Ela acabara de chegar no Sr. Shake.
— Garoto? — Ela deu uma pequena pausa, pensando.
— Inho. Era uma criança.
— Adorável! — Elis continuou a andar, apontando para a esquina com a mão.
— Abriu um novo café a duas quadras daqui. Acredito que o Sr. Shake ficou um pouco ultrapassado para nós.
De fato, o Sr. Shake já não fazia muito sentido, mas o ritual de sorvete de amora?
— Qual o crush de agora? Deixa-me pensar: é o atendente do café? — Esther deu um risinho, espirrando em seguida devido o pólen da planta entrar em suas narinas.
— Não seja boba. Sem garotos. Hoje somos só nós duas. — Elis disse pausadamente, enquanto atravessava a rua. Seus olhos se voltaram para um cara de porte atlético que corria do outro lado da rua, quebrando suas palavras.
— Sei...
O Café Bar ficava em uma praça bem movimentada da cidade. Ao atravessar a porta giratória que dava acesso ao ambiente interno, elas foram transportadas para um tempo retro-futurista. Onde aquelas antigas máquinas de tocar música, a partir de uma ficha inserida, dividia espaço com mesas claras e tablets que substituíam o antigo cardápio.
O chão em textura amadeirada em longas tiras, envernizadas com uma grossa camada, entravam em contraste harmônico com as paredes que também pareciam reproduzir a textura amadeirada. Quadros de belas paisagens também se misturavam no espaço da parede, junto às luzes de neon que subiam de baixo para cima.
O bar no centro, em forma assimétrica de roda, lhes passava a impressão que aquilo era um leme de navio. — Assim Esther pensou.
Uma moderna máquina de café estava sobre o balcão, para que as pessoas pudessem inventar e reinventar seus próprios cafés. Ótima ideia para quem adorava acrescentar sempre um pouco mais de chocolate, leite ou qualquer outro ingrediente a sua bebida quente.
Uma escada de ferro e detalhes em madeira ia de uma ponta do salão e terminava em um novo andar, onde mesas em estilo clássico, com poltronas em estofados de textura em veludo de cor vinho, completam o estilo ‘vintage’. Algumas mesas estavam sobre uma espécie de sacada, onde era possível observar o movimento na rua, que dava acesso à entrada principal.
Elas se sentaram nas poltronas, em uma mesa que ficava naquela sacada.
— E então. O que você quer tomar? — Elis perguntou, oferecendo-a o cardápio digital.
Um garçom logo em seguida apareceu, a fim de auxiliar as garotas com o sistema de pedidos.
— Boa tarde, senhoritas.
— Olá, boa tarde. — Responderam vidradas no cardápio. Elis deu uma espiadinha no garçom para se certificar que ele era atraente. Era um dia de sorte...
Esther era fã de café, mas naquele momento ela pediu uma vitamina.
— Esta vitamina de abacate me parece ótima. — Ela disse, enquanto lia a descrição no cardápio.
— É um ótimo pedido! — O garçom assegurou, olhando para Elis que não parava de encará-lo.
— Bom, eu vou querer um cappuccino, por enquanto. — Elis expressou, pondo um guardanapo aberto sobre seu colo e lançando um sorriso para o atendente.
— Tudo certo. Com licença. — Ele disse, saindo.
— Vitamina de abacate? Como você consegue tomar isso? — Elis indagou puxando seu celular do bolso e o colocando sobre a mesa.
— É ótimo para o cabelo! — Esther colocou uma mecha do cabelo entre o seu nariz e o lábio superior, criando um bigode louro.
Elis sorriu balançando a cabeça em concordância.
Enquanto esperavam os pedidos, o silêncio habitava o ambiente.
Elis fuçava seu celular e Esther observava a rua. Ficar parada a fazia pensar, e seus pensamentos não saiam do seu inesperado encontro de hoje à tarde com o Denis.
— Distante... O que lhe incomoda? — Elis percebeu instantaneamente a fisionomia pensativa e longínqua da amiga.
— Você é boa nisso. — Esther desmanchou o pensamento e voltou seus olhos para Elis.
— Você é desatenta, mas hoje está demais. — Ela continuou compenetrada em tentar entender o que se passava na cabeça de Esther.
— Sabe? Hoje mais cedo eu encontrei o pai do Fernando. Eu passei o dia com as velhas lembranças na cabeça. Eu não consigo parar de pensar nisso.
Elis arfou e jogou seu corpo um pouco para frente, de modo a se comunicar melhor.
— Foi um tanto confuso para todos, mas já faz sete meses, Esther. Você não pode ficar sentida com isso a vida inteira, criando paranoias.
Nesse ínterim, o simpático garçom retornou com seus pedidos.
— Obrigada. — Agradeceram.
— Eu sei... Mas eu senti algo quando vi o Sr. Rebouças. Eu sei que Fernando não poderia ter fugido. Não houve e nem há motivos. — Esther respondeu, enquanto sugava suavemente a vitamina de abacate pelo canudo de metal. O bom gosto se espalhou por sua boca.
— Só um momento... Você quer dizer que o Fernando não saiu com suas próprias perninhas da cidade, alguém o capturou? — Elis sempre foi neutra quanto a história, afinal de contas, eles nunca foram amigos, mas a falta de empatia sobre o tema, fazia Esther encerrar o assunto em meias-palavras.
Esther hesitou antes de responder. Esta intuição a levou fortemente a acreditar nesta hipótese improvável.
— Não sei... Para quem conhece de fato quem ele é, diria que isso é possível.
Elis tomou um gole de café antes de respondê-la.
— Compreendo, porém, que a polícia fez uma investigação minuciosa e não havia indícios de crime, isso é fato. Eles não podem ir atrás de um adulto fujão. Querendo ou não, Fernando tem dezenove anos.
— Investigação? — Esther indagou, rindo para si mesma, sabendo que não poderia chamar assim. — Sendo arquivada rapidamente, você sabe, como se não dessem importância para isso.
— O Fernando era um viciado em metanfetamina. Olha o tanto de droga que havia no quarto dele. Ele fugiu porque sabia que cedo ou tarde, iriam pegá-lo. — Elis parecia cética com o que dizia. Assim como todos.
Os policiais encontraram várias gramas da substância psicotrópica no quarto do garoto, mas Esther sabia que Fernando não era viciado em nada do tipo, afinal de contas, ele sempre foi muito centrado e até ajudava o pai, jogando fora por muitas vezes, litros de bebida alcoólica que o velho Rebouças consumia. Como alguém que tinha consciência de vícios, poderia ser um viciado?
Dois dias antes do desaparecimento do Fernando, Esther o encontrou. Ele estava bem, pleno e feliz. Falou sobre estar terminando de escrever um importante artigo e sobre a conquista da vaga de emprego, como redator no jornal municipal.
— Metanfetamina. — Esther sussurrou para si mesma, pensando onde ele poderia ter encontrado tal droga.
— Ai meu Deus! — Elis se empolgou, olhando para baixo. Parecia que ela via alguém conhecido na rua.
— O que foi? — Esther perguntou sem entender, desligando-se do pensamento em que estava.
— O Fogueira está ali do lado de fora. Acredito que ele espera alguém. — Ela sussurrou para Esther com empolgação.
Mas afinal de contas. Quem é Fogueira?
Esther se virou discretamente e olhou para baixo, sabendo logo em seguida qual era o motivo da imensa euforia. O garotão novo do colégio.
— Terra chamando, Elis... Quer um babador? — Esther perguntou, balançando as mãos, enquanto tentava chamar a atenção da amiga. — Pensei que os garotos estivessem por fora hoje?
— Ele é demais. — Elis sussurrou, suspirando como um teletubbies encantado por algo fofinho.
— Então o nome dele é Fogueira? — Esther indagou, voltando a observar o garoto.
— É como todos o chamam. Se bem que ele tem cara de "Incêndio Total".
— Não começa, Elis.
Fogueira tinha algo diferente em seu modo de ser, ou melhor, em sua expressão. Ele parecia um pouco perdido naquele momento.
Se havia uma coisa em que Esther aprendeu com seu pequeno dom da visão, foi notar com mais apreço o rosto das pessoas e seus atuais e momentâneos sentimentos.
Ele se distanciou do Café Bar, entrando em uma rua paralela.
— Ele se foi... Será que ele está esperando alguém? — Elis questionou, um pouco curiosa com a situação aparentemente normal, mas com uma pitada de dúvida.
— Acredito que não. — Esther respondeu rapidamente, pondo o copo de vitamina sobre a mesa e suspirando.
Eram quase sete da noite e Esther havia prometido para sua mãe voltar ainda para o jantar.
Elas pagaram a conta e saíram do local tranquilamente. Estavam satisfeitas com a conversa divertida.
— Quer carona? — Esther sugeriu a Elis, quando ainda estava frente ao Café Bar.
— Não. Está tudo bem. Você sabe que eu moro logo ali. — Ela respondeu, dando um abraço de despedida na amiga.
— Tudo bem. Cuide-se. Gosto muito de você — Esther disse, sorrindo.
— Você também. Também te gosto muito.
Ambas foram em direções opostas.
Esther caminhou por cerca de dois minutos até o local onde havia estacionado o carro. A rua estava um pouco vazia e escura, o que a fez apressar os passos. Logo a frente ela se deparou com um sujeito que estava sentado nas escadas de uma loja, bem em frente ao carro.
— Espero que não seja problema, ou vou ter que andar a mais de cinquenta quilômetros por hora. — Ela pensou, ironizando uma situação um pouco desconcertante.
Esther se aproximou do carro normalmente, evitando olhar para o sujeito, mas de relance, ao passar o olho sobre o rosto do cara, por associação, percebeu que o sujeito era o Fogueira.
Ele notou a aproximação dela, e com naturalidade começou a mexer no celular, tentando afogar qualquer contato visual com a garota.
— Essas ruas são um pouco perigosas. — Esther disse, em um tom de voz amigável, encostando no capô do carro.
Ele olhou para ela e ainda tentando identificar quem ela era, sorriu e respondeu:
— É. Você tem razão. — Ele colocou o celular no bolso e se levantou. Fogueira jogou o corpo para frente, como se quisesse se aproximar mais dela. — Você não é aquela garota do terceiro ano A?
Bem, era evidente sua admiração pela garota.
— Depende. Se ela fez algo de errado. Não, não sou eu. — Esther respondeu, rindo. Ele riu junto e ela não pôde deixar de reparar seu belo sorriso. Acredito que Elis tinha um pouco de razão, ela pensou.
— Me chamo Esther Ferreira. — Ela completou.
Antes que ele abrisse a boca para se apresentar, ela o interrompeu.
— Você é o Fogueira. O menino novo, isso?
— Menino novo só de rosto. — Ele respondeu prontamente. — Mas sim. O próprio.
Uma boa energia e clima de descontração se instalou naquele momento, fazendo ambos rirem em sincronia.
Esther tinha a leve impressão de que Fogueira era parecido com Fernando, e isso a deixou séria, assim que ela voltou a lembrar do garoto desaparecido.
— Prazer. — Ela disse olhando para seus olhos e agora ele poderia vê-los, pois estavam visíveis, mas Esther usava uma lente de contato.
— Prazer, Esther. — Fogueira falou, estendendo a mão e cumprimentando-a.
Iniciava-se naquele momento o período de silêncio. Daqueles que deixam qualquer um sem graça e querendo sair correndo.
— Bom. Eu preciso ir para casa. Você está aguardando alguém? Se quiser eu posso lhe dar uma carona. Não se preocupe. Eu não vou sequestrá-lo. — Ela expressou suas palavras de maneira pacífica e amigável, de modo a criar uma saudável impressão.
— Muito obrigado. — Fogueira olhou para os lados, em seguida direcionou seus olhos novamente aos dela. — Mas eu sigo a pé. Moro aqui no Distrito Dois, ou melhor, Cidade de Cima.
— Tudo bem. Nós nos vemos por aí. — Ela disse, desligando o alarme do carro e abrindo a porta do automóvel.
— Claro! — Ele respondeu, seguido de um sorriso provocante de canto de boca e uma piscadela.
Ela entrou e assim que fechou a porta, ela soltou o ar, como se estivesse perdendo a respiração na água. Ela estava estranhamente eufórica.
DOMINGO É DIA DE FUTEBOL O dia de domingo para Esther era um pouco entediante. Principalmente quando seu pai a chamava para ajudar no campo de treinamento esportivo. Na verdade, ela não fazia muita coisa não. Eram os garotos que tinham que suar a camisa. Não que a maioria gostasse de fazer isso, pois geralmente eles costumavam tirá-la durante as partidas. Domingo de manhã, Esther estava disponível para seu pai. À tarde, estava disponível para a sua mãe e à noite, saíam os três para completar o domingo. Esther engoliu com pressa a última fatia de sanduíche, quando seu pai entrou pela porta da cozinha. — Terminou seu lanche? — Ele indagou, colocando a mochila em cima da mesa. Raul estava vestindo uma camisa regat
Esther terminava de arrumar sua cama quando a sua mãe a gritou, empolgada com algo. Ela correu do quarto, um pouco apressada e apreensiva, chegando à sala. Uma coisa era verdadeira: sua mãe era boa em dar sustos falsos. — Mãe. O que foi? — Ela perguntou, quando a avistou ali mesmo do corredor que dava acesso à sala. Jéssica estava sentada à mesa, lendo um e-mail no computador. Seus óculos na ponta do nariz e sua xícara sobre a mesa à esquerda, indicavam que ela estava em seu dia de pesquisas, a qual ocorria a cada final de mês. — Eu recebi uma proposta para um projeto! — Ela disse, saindo da frente do computador e indo em direção a Esther, dando-lhe um abraço forte que retirou o ar dos seus pulmões.<
PRÉ-FESTA Esther entrou no carro de sua mãe e bateu a porta. Aquele cheiro de rosas pairando pelo ar indicava que ela acabou de passar no lava-jato. — Hum? Batom vermelho. Quem é o garoto? — Jéssica questionou em um tom de sarcasmo, antes de dar partida no automóvel.— Até você, mãe? — Esther revirou os olhos, não acreditando na perseguição e insinuação amorosa por parte delas. — Eu estou brincando. Mas, está lindo! — Jéssica corrigiu o batom na boca da filha. — Obrigada, mãe. — Ela respondeu, mas sua expressão demonstrava chateação. — Trocando de assunto. — Esther iniciou, enquanto se arrumava no banco e colocava o cinto de segurança. — Recebi um e-mail da Dra. Cecília. Ela quer que eu vá conhecer o oftalmologista e genet
Algumas pessoas começaram a dançar. Inclusive o diretor Müller, que mexia todo o seu corpo, como aqueles bonecos infláveis que ficam na frente das lojas, quando há descontos, chamando a atenção das pessoas. Esther observou de longe Fogueira atravessar a porta de entrada. Ele parou, olhando para todos os lados antes de bater seus olhos na garota. Ela percebeu. Ele estava indo em sua direção. — Oi! Esther. — O sorriso dele se mistura às palavras, ecoando aos ouvidos da garota. — Oi! — Aquela palavra saiu arrastada, enquanto ela pensava no encontro inesperado de hoje mais cedo. Ela pensou por dois segundos antes de continuar a conversa com uma pergunta que não se encaixava muito bem: — De boas com seu pai? Fogueira respirou profundamente estampando um sorriso a fim de evitar o nervosismo. — Ele é um homem de poucas palavras. — O garoto balbuciou as palavras, trocando de assunto em seguida. — O pessoal caprichou na decoração. Tá si
O PEQUENO O carro derrapou meio metro antes de parar de vez, chacoalhando-os para a frente. — O que houve? — Esther perguntou, olhando para os lados. — Me segue. — Ele disse ao abrir a porta do automóvel, saindo rapidamente. — Certo. — Ela respondeu, ainda que não pudesse mais ouvi-lo, devido ao barulho da chuva que ainda caía. Esther pegou seu casaco que ali estava próximo, e saiu, passando pela frente do carro e chegando do outro lado da calçada, onde Fogueira já estava. O frio não o intimidava, e antes que Esther pudesse fazer mais uma pergunta sobre o que estava acontecendo, ele disse: — Eu acho que ele está ferido.
Esther Esther se levantou da cama tarde, mas recuperada do intenso e diferente ontem. Ela colocou seus pés no tapete que havia ali ao lado da cama e deu três pulinhos para despertar e matar a preguiça que ainda insistia em segurá-la. Ela soltou um duradouro bocejo. Esther foi até o banheiro, escovou pacientemente os dentes, colocou a lente de contato que reduzia significativamente a luz ambiente, e desceu para a cozinha, preparada para mais um dia na pacata cidade de Monteiro. Dias tão iguais estavam deixando-a maluca, até que sua mãe lhe aconselhou mudar alguns hábitos. Como acordar mais cedo para dar uma volta no quarteirão e aproveitar para pegar as roupas na lavanderia, ou dar alguns pulinhos na revistaria de modo a lhes trazer alguns livros e revistas interessantes que pudessem matar
PRAIA E FAROL Monteiro apesar de suas belas montanhas, e florestas verdes, também tinha incríveis praias ao norte da cidade. Era a cerca de sete quilômetros do distrito onde Esther morava. Tecnicamente ir de bicicleta lhes reservava maravilhosas paisagens. Porém, uma longa pedalada. A tarde se estendia tranquilamente, e por volta das 15h47, enquanto Esther terminava de colocar umas maçãs e uma garrafa de suco de laranja em sua mochila, uma buzina em sineta alertou a chegada do novo amigo. — Filha, o Fogueira chegou. — Sua mãe gritou da varanda. — Já estou indo. — Ela respondeu, terminando de fechar a mochila e arrumando seu chapéu que a protegia do Sol. Naquele momento era fundamental, afinal de contas, ela passaria um tempo significativo exposta à luz externa.
Alguns dias depois... A luz solar atravessou a fresta da janela e apontou certeiramente nos olhos de Esther. Ela os abriu, como por instinto. Um borrão claro e branco tomou conta de toda sua visão, fazendo-a fechá-los rapidamente em seguida. Esther se sentou na cama ainda desvairada, esfregando as mãos sobre os olhos. As pálpebras ainda pesavam no sono, e pareciam precisar primeiro, ficar fechadas, como se estivessem se adaptando gradualmente à luz ambiente. Ainda na cama ela se recordou de um sonho excepcional que teve. Sonhou com cores por todos os lados. Ela não poderia ditar seus nomes, mas eram imagens que seu cérebro jamais havia processado e tido o privilégio de acessar. E no meio da imensidão de cores, em um magnífico campo e