Esther terminava de arrumar sua cama quando a sua mãe a gritou, empolgada com algo.
Ela correu do quarto, um pouco apressada e apreensiva, chegando à sala.
Uma coisa era verdadeira: sua mãe era boa em dar sustos falsos.
— Mãe. O que foi? — Ela perguntou, quando a avistou ali mesmo do corredor que dava acesso à sala.
Jéssica estava sentada à mesa, lendo um e-mail no computador. Seus óculos na ponta do nariz e sua xícara sobre a mesa à esquerda, indicavam que ela estava em seu dia de pesquisas, a qual ocorria a cada final de mês.
— Eu recebi uma proposta para um projeto! — Ela disse, saindo da frente do computador e indo em direção a Esther, dando-lhe um abraço forte que retirou o ar dos seus pulmões.
— Projeto? Adoraria saber mais. — Indagou a filha, ainda sem oxigênio.
— Sim! É em São Pedro. A duzentos quilômetros daqui. Vou ajudar na decoração de uma grande empresa de RH. — Jéssica respondeu, sem esconder sua felicidade.
Era o que ela mais amava fazer em sua vida. Porém, aquela notícia significaria um tempo fora de casa.
— Isto é maravilhoso, mãe. Mas... Quanto tempo? — Esther fez a pergunta pausadamente, com aquela cara que Jéssica conhecia muito bem.
— Não sei ainda, filha. Talvez. — Ela pegou a xícara de café de sobre a mesa, e tomou um gole apressado, enquanto respondia o e-mail. — Somente quatro semanas...
— Somente quatro semanas? — Esther riu, passando a mão nos cabelos e indo em sua direção. Ela fez um bico, enquanto se conduzia à mesa.
Esther pegou algumas revistas de decoração que haviam sobre a mesa e as analisou, compenetrada.
— Papai ficará feliz. Ele ama ver você trabalhar no que gosta. — Ela completou, sentando-se à mesa e encostando mais próximo ao computador, de modo a ler o e-mail que a mãe escrevia.
— Sentirá saudades, eu penso. — Jéssica sorriu ao falar, pois tinha certeza que Esther detestava ficar longe da mãe.
A garota colocou um pouco de café em uma xícara, aproveitando o embalo daquela rotina laboral e entediante.
— Parece chique. — Esther se surpreendeu com o local ao ver as imagens no e-mail.
— Promete que cuida do seu pai? — Jéssica pediu, juntando as mãos.
— Uau! Os papéis se inverteram ultimamente. — Esther respondeu, em um tom sarcástico.
Sua mãe sempre foi uma ótima decoradora e arquiteta, e a filha sabe que ela irá surpreender a todos. Não era à toa que ela tenha ganho grandes prêmios nos últimos anos, mas Jéssica era detalhista e isso a fazia trabalhar com precisão, o que levava tempo, muito tempo.
Ainda naquele mesmo dia, Esther estava ciente de um novo tema, a qual também teria bela decoração e como acréscimo, música boa. A noite da festa beneficente.
Alguns momentos mais tarde...
Esther chegava ao colégio no momento em que o sinal tocava, alertando para o início da nova aula.
— O que deu em você? — Elis perguntou assombrada, ao ver a amiga. Esther estava mais feliz que criança na véspera de natal.
— Bom dia para você também! — Ela respondeu, sem tirar os olhos do seu celular.
Elis se aproximou ainda mais, e se encostou em seu armário, enquanto ainda analisava a amiga, compenetrada com o aparelho.
— O quê? Do quê você está falando? — Esther indagou um tanto confusa, tentando compreender a cara de marmota que ela fazia. Ela colocou o aparelho no bolso, a fim de dar atenção a amiga.
Rapidamente, Elis segurou o braço de Esther e retirou de sua bolsa um espelhinho, que prontamente apontava para a direção do rosto da garota P&B.
— Isso! — Ela exclamou, fazendo uma careta esquisita.
— Ah! Você gostou? É de morango. — Esther respondeu, enquanto verificava através do reflexo, se não havia nenhum borrão de batom na boca.
— Desde quando você usa batom, Esther Ferreira? — Ela ainda insistia na descrença. Talvez ela pensasse que a amiga havia sido abduzida e, no lugar, haviam colocado um robô assassino fetichista de batom vermelho.
— Desde... Hoje.
— Mas... Sabe que cor é esta, não é mesmo? — Elis indagou preocupada? Talvez, enciumada... Ela sabia que Esther não costumava usar maquiagem, muito menos em cores vibrantes como aquele vermelho.
É claro, Esther não sabia como eram as cores, mas isto não a impedia de conviver com elas, obviamente.
De alguns meses para cá Esther andava um pouco mais na moda. Graças a sua amiga Elis, que a auxiliava nas compras de roupas em tons pastéis. Hipocritamente falando, ela se amarrava em cinza e creme, estas que a faziam lembrar o delicioso purê de batatas que a sua mãe costumava fazer.
Esther tinha uma mania esquisita de associar as cores aos gostos de comidas ou bebidas. Entretanto, por enquanto isto ia ajudando-a a compreender como dar significância às cores.
Deste ponto de vista culinário, Esther tinha a certeza que o vermelho era ótimo!
— Cor de morango silvestre. — Ela disse, pegando novamente o celular do bolso e verificando algo.
— Chegou! — Esther exclamou para o celular, andando apressada pelo corredor do colégio.
Ela abria o correio eletrônico que acabara de receber.
— O quê que chegou?
Era o e-mail da clínica onde a Dra. Cecília trabalhava e parecia trazer boas notícias. Um brilhante médico oftalmologista inglês estava no Brasil e queria conhecê-la. Ele era o principal especialista na pesquisa do tratamento experimental com o auxílio da biogenética. A intenção era mudar o quadro da acromatopsia para daltonismo.
— É um e-mail da clínica. Acredito que tenho visitas em breve. — Esther disse, quebrando o mistério. — Um médico inglês pode me dar alguns detalhes daquele procedimento que eu havia dito.
— Me lembro. Falando sério. Isso vai ser incrível para você e também me sinto feliz! — Elis falou com sinceridade. Perto dali, o diretor Müller que vinha na direção delas, trazia em seus braços uma gaiola com dois coelhinhos.
— Bom dia, meninas. — Ele disse, no exato momento em que passava por elas, analisando o que elas estavam fazendo ou falando. Seus olhos se fixaram no batom que Esther estava usando.
Assim que ele se distanciou, Esther se virou rapidamente e beijou o armário, deixando uma marca.
— Suponho que não fui a única que percebeu seu batom. — Elis assentiu, sorrindo enquanto olhava as horas no celular. A classe de ciências está prestes a começar.
— Eu sei... Mas, ficou legal mesmo? — Esther perguntou, se olhando no espelho de mão. Talvez ainda se sinta insegura. A única cor que ela via no reflexo daquele pequeno espelho era um tom escuro. — Muito cheiroso.
— Está ótimo! — Elis disse, pensando, enquanto encarava Esther, vaidosamente arrumar os cabelos.
— É um garoto, não é mesmo? Eu sabia. — Ela completou, colocando a mão na cabeça e olhando para o alto. Entretanto, sua cara de dúvida mudou sorrateiramente à sem-vergonhice. Elis esperava por este momento desde o início do ensino médio. Será que Esther agora abriria seu coração para um romance?
— Por favor, né. — Esther retrucou. — Eu acordei diferente.
Ela caminhou, deixando Elis para trás.
— Ah! Me fala! — Ela correu atrás de Esther, a fim de respostas.
— Gostei do novo visual, garota P&B. — Um garoto disse, ao passar por elas, deixando Esther um pouco retraída com o comentário.
— Garotos são bobos. — Esther desabafou.
— Olha, você tá incrível! Eu falei por bobagens e não tô falando sobre garotos, tipo o babaca do Andrew, mas alguém legal como...
— Vá parando por aí. — Esther a interrompeu. — Estamos atrasadas para a aula.
No fim das aulas daquele dia, elas já estavam prontas para ir para casa, mas uma sensação esquisita parecia invadir Esther. Ela se deu conta de que Fogueira não havia aparecido no colégio hoje. Talvez por ser clima de pré-festa, onde quase todas as aulas eram suspensas por outras atividades.
— Eu vou ser obrigada a ir à festinha. — Elis expôs ao ar, se sentando ao lado de Esther, em um banco da pracinha que fica frente ao colégio.
— Não adianta inventar desculpas. Você terá que vir conosco! — Esther respondeu, expressando uma impaciência com a birra de Elis.
Elis silenciou seus pensamentos desconexos, por alguns segundos, olhando para o nada, como se estivesse pensando.
— Acho que mudei de ideia... Eu vou à festa.
— Hmm. E o que lhe fez mudar de ideia?
— Sabe aquele garoto da banda de rock do colégio? O Estevão? Ele me chamou para sair, mas não marcamos nenhuma data específica. Acabei de me lembrar que ele havia dito que viria mais cedo hoje para o colégio, pois iria arrumar as coisas para o show. Eles irão se apresentar. E depois, acho que vamos sair. — Elis disse com empolgação, mexendo no cabelo enquanto falava.
— Que legal! Daí agora você quer ir? Espero que não me deixe sozinha. — Esther respondeu com um pouco de ciúmes.
— Não seja ciumenta. Eu estarei com você. Boa parte.
— Que horas encontro você então? — Esther perguntou, enquanto se levantava do banco da praça. Jéssica acabava de estacionar ali próximo.
— 18h45 já estarei aqui. Vou ajudar no ajuste do som. — Elis falou, fingindo tocar uma bateria no ar.
— Você não muda...
— Nós nos vemos então. — Esther se despediu.
PRÉ-FESTA Esther entrou no carro de sua mãe e bateu a porta. Aquele cheiro de rosas pairando pelo ar indicava que ela acabou de passar no lava-jato. — Hum? Batom vermelho. Quem é o garoto? — Jéssica questionou em um tom de sarcasmo, antes de dar partida no automóvel.— Até você, mãe? — Esther revirou os olhos, não acreditando na perseguição e insinuação amorosa por parte delas. — Eu estou brincando. Mas, está lindo! — Jéssica corrigiu o batom na boca da filha. — Obrigada, mãe. — Ela respondeu, mas sua expressão demonstrava chateação. — Trocando de assunto. — Esther iniciou, enquanto se arrumava no banco e colocava o cinto de segurança. — Recebi um e-mail da Dra. Cecília. Ela quer que eu vá conhecer o oftalmologista e genet
Algumas pessoas começaram a dançar. Inclusive o diretor Müller, que mexia todo o seu corpo, como aqueles bonecos infláveis que ficam na frente das lojas, quando há descontos, chamando a atenção das pessoas. Esther observou de longe Fogueira atravessar a porta de entrada. Ele parou, olhando para todos os lados antes de bater seus olhos na garota. Ela percebeu. Ele estava indo em sua direção. — Oi! Esther. — O sorriso dele se mistura às palavras, ecoando aos ouvidos da garota. — Oi! — Aquela palavra saiu arrastada, enquanto ela pensava no encontro inesperado de hoje mais cedo. Ela pensou por dois segundos antes de continuar a conversa com uma pergunta que não se encaixava muito bem: — De boas com seu pai? Fogueira respirou profundamente estampando um sorriso a fim de evitar o nervosismo. — Ele é um homem de poucas palavras. — O garoto balbuciou as palavras, trocando de assunto em seguida. — O pessoal caprichou na decoração. Tá si
O PEQUENO O carro derrapou meio metro antes de parar de vez, chacoalhando-os para a frente. — O que houve? — Esther perguntou, olhando para os lados. — Me segue. — Ele disse ao abrir a porta do automóvel, saindo rapidamente. — Certo. — Ela respondeu, ainda que não pudesse mais ouvi-lo, devido ao barulho da chuva que ainda caía. Esther pegou seu casaco que ali estava próximo, e saiu, passando pela frente do carro e chegando do outro lado da calçada, onde Fogueira já estava. O frio não o intimidava, e antes que Esther pudesse fazer mais uma pergunta sobre o que estava acontecendo, ele disse: — Eu acho que ele está ferido.
Esther Esther se levantou da cama tarde, mas recuperada do intenso e diferente ontem. Ela colocou seus pés no tapete que havia ali ao lado da cama e deu três pulinhos para despertar e matar a preguiça que ainda insistia em segurá-la. Ela soltou um duradouro bocejo. Esther foi até o banheiro, escovou pacientemente os dentes, colocou a lente de contato que reduzia significativamente a luz ambiente, e desceu para a cozinha, preparada para mais um dia na pacata cidade de Monteiro. Dias tão iguais estavam deixando-a maluca, até que sua mãe lhe aconselhou mudar alguns hábitos. Como acordar mais cedo para dar uma volta no quarteirão e aproveitar para pegar as roupas na lavanderia, ou dar alguns pulinhos na revistaria de modo a lhes trazer alguns livros e revistas interessantes que pudessem matar
PRAIA E FAROL Monteiro apesar de suas belas montanhas, e florestas verdes, também tinha incríveis praias ao norte da cidade. Era a cerca de sete quilômetros do distrito onde Esther morava. Tecnicamente ir de bicicleta lhes reservava maravilhosas paisagens. Porém, uma longa pedalada. A tarde se estendia tranquilamente, e por volta das 15h47, enquanto Esther terminava de colocar umas maçãs e uma garrafa de suco de laranja em sua mochila, uma buzina em sineta alertou a chegada do novo amigo. — Filha, o Fogueira chegou. — Sua mãe gritou da varanda. — Já estou indo. — Ela respondeu, terminando de fechar a mochila e arrumando seu chapéu que a protegia do Sol. Naquele momento era fundamental, afinal de contas, ela passaria um tempo significativo exposta à luz externa.
Alguns dias depois... A luz solar atravessou a fresta da janela e apontou certeiramente nos olhos de Esther. Ela os abriu, como por instinto. Um borrão claro e branco tomou conta de toda sua visão, fazendo-a fechá-los rapidamente em seguida. Esther se sentou na cama ainda desvairada, esfregando as mãos sobre os olhos. As pálpebras ainda pesavam no sono, e pareciam precisar primeiro, ficar fechadas, como se estivessem se adaptando gradualmente à luz ambiente. Ainda na cama ela se recordou de um sonho excepcional que teve. Sonhou com cores por todos os lados. Ela não poderia ditar seus nomes, mas eram imagens que seu cérebro jamais havia processado e tido o privilégio de acessar. E no meio da imensidão de cores, em um magnífico campo e
RESOLUÇÃO Esther quase trocou as pernas e tomba quando volta sua cabeça para a posição normal, após olhar fixamente para o ensolarado céu. Ela segurou a sua mochila com firmeza, e colocou-a no porta-malas do carro de sua mãe. Esther entrou no automóvel com a expectativa de conhecer o Dr. Mark Campbell e poder tirar dúvidas que a Dra. Cecília lhe poupava. Seus pais estavam a bordo, e mais ansiosos do que Esther. Pareciam que estavam prestes a ter um bebê. É, talvez houvesse um pouco de verdade nisso. No momento em que eles chegaram à clínica, a recepcionista sorridente fez uma rápida ligação interna. — Vocês podem ir à sala: 32. — Ela os auxilia. Uma sensação estranha se estabeleceu
Esther carregou o telescópio que havia em seu quarto e colocou-o na grama do quintal, apontando para a constelação de Orion. A noite silenciosa de um céu magnífico e estrelado é um convite irresistível a uma exploração estrelar. As estrelas brilhavam em harmonia, acendendo e fraquejando seu brilho, como luzes de Natal. Elas ignoravam se gastariam toda sua fartura e beleza com Esther, talvez a única espectadora da noite. Era por volta das 19h30. O movimento na cidade, visto deste ângulo, do morro onde ela estava, parecia cada vez mais suave. A cidade ao norte, mostrava suas luzes fortes e alaranjadas. Estas, apontavam para o céu cortando o brilho das estrelas no horizonte. Pelo telescópio Esther avistou mais de perto o mo