DOMINGO É DIA DE FUTEBOL
O dia de domingo para Esther era um pouco entediante. Principalmente quando seu pai a chamava para ajudar no campo de treinamento esportivo. Na verdade, ela não fazia muita coisa não. Eram os garotos que tinham que suar a camisa. Não que a maioria gostasse de fazer isso, pois geralmente eles costumavam tirá-la durante as partidas.
Domingo de manhã, Esther estava disponível para seu pai. À tarde, estava disponível para a sua mãe e à noite, saíam os três para completar o domingo.
Esther engoliu com pressa a última fatia de sanduíche, quando seu pai entrou pela porta da cozinha.
— Terminou seu lanche? — Ele indagou, colocando a mochila em cima da mesa.
Raul estava vestindo uma camisa regata e calções brancos acima do joelho e tinha um apito pendurado no pescoço como um colar, indicando que ele estava pronto para o domingão.
— Por favor, dá para usar um shortinho mais longo? Acho que ninguém precisa ver estas perninhas. — Esther disse, com a boca um pouco cheia.
— Todos usam esse short! — Ele retrucou, olhando para a pequena peça de roupa.
— Você quis dizer: "todos os garotos usam esse short".
Agora Jéssica entrava na cozinha, ainda distraída com seu computador.
— Do que vocês estão falando? — Ela tentou acompanhar o assunto.
— Sobre o minúsculo short de seu marido. — Esther alertou, sorrindo.
— Ah! Ele está uma graça. — Jéssica disse, dando um pequeno beliscão em uma das nádegas dele.
— Obrigado, querida! — Agradeceu todo sorridente e um pouco sem graça.
Ele fez pose de fortão, como se fosse modelo... Modelo da Gordura's Secret.
— Não é à toa que a Senhora Medeiros tem uma quedinha por você. — Esther alfinetou.
— Ela não tem uma quedinha por mim. — Ele se justificou, com a cara mais vermelha que os sutis lábios da Madame Exagero.
— Claro que tem! — Jéssica entrou no meio da conversa. — Aquela mulher passa toda quinta-feira de manhã, umas cinco vezes na frente de casa, quando você está lavando o carro.
— É mesmo? — Raul questionou, arregalando os olhos e tomando um bom gole no café. Era o assunto mais tenso que ele ouvira.
— Não se faça de mal-entendido.
O Senhor Ferreira era para Esther, um pai bonitão. Contudo, a troca de posição de jogar para técnico, o deixou um pouco fora de forma, porém ainda assim, ele arrasa corações, para a loucura de Jéssica. Ela costuma ser um pouco ciumenta.
— Vá lá dentro e troca esse shortinho por umas calças! — Sim, Jéssica ficou com ciúmes.
— Isso é conspiração feminina contra meus direitos de usar shortinhos curtos e sexies. — Ele disse rindo e não, não trocou a peça.
Esther colocou as bolas de futebol no porta-malas do carro e bateu a porta, fechando-o. Ela fez uma volta rápida, se esquivando dos arbustos que estavam próximo ao carro e entrou pela porta do passageiro, sentando-se no banco da frente.
— Sua mãe quando implica com algo, costuma comentar por semanas. -- Raul disse ao entrar no carro. Sua cara inspirava frustração.
— Pois é... Contudo, isso é normal. — Esther falou, olhando diretamente para ele e sabendo internamente que estava habituada à personalidade dela.
— Eu estava tirando onda... O shortinho até que caiu bem. — Ela deu apenas uma piscadela.
— Tirando o quê? É. Acho que não lhe trarei mais para o clube aos domingos. A cada ida você aprende uma gíria diferente. — Ele murmurou, arrumando o espelho e dando a partida no carro.
— Não esquenta. — Ela respondeu. — Quero dizer... Fique tranquilo!
Ele olhou para ela com uma cara engraçada.
Nesse intervalo, o celular de Raul tocou e ele reduziu a velocidade do carro assim que atendeu.
— Eu estou dirigindo. Já chego aí, Vilela. — Raul falou, encerrando a chamada em seguida.
— Artur Vilela? — Esther indagou, ao recordar da visita de ontem à tarde. Visita esta que ela havia se esquecido de comentar para o pai.
— Sim. Obrigado por ter me avisado que ele esteve em casa. — Ele soltou as palavras em um tom de voz grosso, enquanto retorcia os lábios em uma expressão de desaponto.
— Ah! Desculpe-me. Eu me esqueci total.
— É! — Ele exclamou sem intervalo.
— Afinal de contas, quem é ele? — Ela perguntou, um pouco curiosa. Ele parecia ser alguém importante.
— Você irá conhecê-lo melhor! — Foi sua resposta. O que a deixou ainda mais curiosa.
Ao avistar o grande muro verde do clube, que para Esther, não passava de um cinza escurecido, ela colocou seu chapéu do time. Atlético de Monteiro.
Raul conduziu o carro pelo estacionamento principal, cumprimentando meia dúzia de funcionários do clube no decorrer do caminho, até chegar a sua vaga favorita onde havia uma iluminação tênue. — Ele acreditava fielmente que aquele feixe de luz afastava qualquer pessoa de se aproximar do automóvel.
Assim que Esther desceu do carro, seu pai a chamou para ajudá-lo a descarregar quase vinte bolas, e levá-las até o gramado. Ele levava a maioria delas, deixando-a carregar apenas uma mochila e um cesto com três bolas enormes e pesadas.
— Por que você traz tantas bolas? O clube está repleto delas. — Esther perguntou em murmúrio, deixando cair duas ao chão.
— Porque essas são melhores... Eu expliquei semana retrasada... Espere, você estava prestando atenção nos garotos. — Ele disse sorrindo.
— Não mesmo!
Eles subiram por uma rampa que dava acesso direto ao grande gramado.
Não importava quantas vezes Esther fosse ao Clube, ela sempre se surpreendia com seu tamanho e energia positiva. Aquele ótimo clima a fazia pensar que domingos com o seu pai nem sempre eram chatos.
O ambiente era tão intuitivo e agradável que talvez fosse por isso que os garotos amavam tanto jogar bola ali.
No gramado era possível ver alguns rapazes já se aquecendo. As arquibancadas estavam vazias, mas se Esther fechasse os olhos naquele momento, certamente ela conseguiria imaginar como ele era quando estava repleto de torcedores. Gritos vibrantes davam vida ao jogo e pareciam influi-lo de alguma forma.
Seu pai entrou no campo para cumprimentar os garotos e Esther se sentou na arquibancada, duas fileiras antes do topo da mesma. Ela gostava de ficar longe. Na dela.
O Sol naquele momento estava acolhedor e seus raios não a incomodavam. Seus novos óculos e lentes eram realmente muito eficazes.
O dia estava propício a uma ótima partida de futebol. Que exclusividade ela receberia. Esther era o único ser humano nas arquibancadas que iria assistir à partida de treino.
— Esther! — Seu pai gritou, do gramado. Ele estava com alguém. Ela pensou imediatamente no tal do Vilela e seu bigode de Super Mario Bros.
Esther desceu lenta e pacientemente as escadas da arquibancada, observando o final da mesma. Pensava consigo mesma, o que ele poderia querer…
Cerca de cinco metros antes de chegar perto deles, ela conseguiu reconhecer e concluir quem era. Ela apenas soltou os braços e curiosamente os cruzou, se aproximando de Raul e Vilela.
— Filha. Este é o Senhor Vilela. Novo investidor do time da cidade. — Ele disse, apresentando-a ao homem ao qual estava vestido formalmente.
Ele estendeu a mão, abrindo um sorriso.
Esther apertou o cumprimento. — Prazer.
— Belos óculos, senhorita Ferreira. — Vilela falou em simpática expressão, ainda mantendo firme o aperto de mão.
Raul olhou para a filha com uma cara conhecida e ela fez o mesmo, quase telepaticamente dizendo: pelo menos ele gostou dos óculos.
— Obrigada. Ele tem sua beleza. — Esther disse a última palavra quase com dó de si mesma. E é claro, o senhor Vilela riu daquilo, mas internamente não entendeu nada.
— Deixe-me apresentar meu filho. — Artur disse logo em seguida, já se virando para o gramado e buscando o garoto no meio dos demais rapazes.
Um deles se aproximou, e antes que Esther pudesse forçar seus olhos para ver quem ele era, a imagem se formou perfeitamente diante de seus olhos, revelando-o.
— Fogueira? — Ela sussurrou lembrando instantaneamente da última vez que o viu.
Ao se aproximar, a feição dele também mudou de sério para algo mais amigável. Ele a reconheceu.
— Este é o treinador Raul, e sua filha...
— Esther. — Fogueira completou, interrompendo-o.
— Vocês se conhecem? — Raul indagou um pouco surpreso.
— Do colégio. — Esther disse rapidamente, em um tom de desinteresse, na intenção de evitar o assunto de seus inevitáveis encontros.
— Exato! — Fogueira confirmou, sorrindo e pondo suas mãos no bolso.
— Ótimo! — Senhor Vilela exclamou, sabendo que todos estão se conheciam e poderiam estar na mesma sintonia.
— Eu entrarei para a equipe. — Fogueira assentiu em seguida, mas para Esther, estas palavras pareciam estar desprovidas de sentimentos.
— E é claro, com suas habilidades de técnico, você pode ajudá-lo a se tornar um ótimo zagueiro. — Artur Vilela completou, dando leves palmadas nas costas de Raul. É claro que o interesse no time tinha se tornado bastante claro para Esther. Se ela pudesse estar certa com o que via nos olhos das pessoas, afirmaria confiantemente que Fogueira Vilela não se sentia muito bem com a ideia de entrar para o time da cidade.
— É uma possibilidade. — O garoto retrucou, pegando a bola que estava aos seus pés. — Preciso me trocar. Com licença.
Fogueira olhou para Esther mais uma vez antes de ir para o vestiário, desta vez com uma cara que se assemelhava a frustração, mas Esther não estava olhando para ele, ela estava concentrada demais no dente de ouro do senhor Vilela. — Agora era reluzente e ela formulou a ideia de que aquilo poderia ser ouro, não um dente estragado.
— Ele parece um grande garoto. — Raul afirmou verdadeiramente, assim que ele se distanciou.
— Sim, realmente é. — O pai do garoto confirmou, pedindo licença logo em seguida e também saindo.
Segundo Raul Ferreira, o Artur era um homem bastante ambicioso e muito centrado quanto aos seus objetivos. Suas relações com outros clubes sempre foram muito bem produtivas.
Investir no Clube e no time lhe dava muitas regalias, como incluir o filho no time, mas talvez o que Raul não percebera, era que a relação de Fogueira e Artur sempre foi demasiadamente áspero.
Fogueira entrou em campo com uma energia aparentemente visível e interagiu com os outros rapazes de maneira sutil e sem intrigas.
Nos primeiros minutos de partida, vez ou outra, Esther percebia que ele olhava muito para onde ela estava sentada. Como se estivesse preocupado com a análise dela do jogo. Entretanto, ele não deveria se preocupar com isso, pois a opinião de Esther sobre futebol era engraçada; ela não entendia nadinha.
Raul analisou o jogo com paciência. Ele gritava, ia de um lado ao outro, resmungava, colocava as mãos na cabeça. Uau! Estresse realmente fazia parte do trabalho de um técnico.
O jogo já estava no fim e o time de Fogueira havia perdido de dois a zero. Era aparentemente uma vitória, pois o jogo havia sido duro e doloroso.
Esther desceu as escadas pela lateral, se agarrando no corrimão. Ela ajudou seu pai a recolher as bolas que estavam no gramado, enquanto os garotos já se direcionavam para o vestiário.
— O que achou do jogo, senhor treinador? — Esther perguntou, puxando o boné dele. Ele sorriu, mas logo imaginou algo; desempenho dos garotos. — Isso o deixava louco, afinal, estavam treinando a semanas.
— Razoável. Os garotos carecem de prática e precisam pôr as técnicas em dia, com mais vontade. — Ele disse, chutando um pouco forte uma das bolas, para Esther, e ela segurou quase queimando suas mãos.
— Ai! Essa vontade foi bem carregada de frustração. — Ela reclamou, mordendo a unha que recebeu inesperadamente um impacto.
— Aquele filho do Vilela é um pé de pato! — Ele colocou para fora seu pensamento inquietante, sussurrando e olhando para os lados.
Eles riram.
Mais uma bola. A última do campo. Desta vez ele a chutou devagar.
— Eu nunca vi um garoto ser tão ruim com uma bola sob os pés. — Ele continuou seu discurso maldoso.
— Pai! Ele nem foi tão ruim assim. Só parecia um pouco nervoso e desconcentrado. — Esther o defendeu das acusações do maldoso técnico.
— Você tem razão, querida. Primeiro dia é complicado para todos. — Ele assentiu, enquanto refletia sobre o que falara, mas também sabia ser de costume, investidores colocarem seus filhos não muito talentosos para seguirem um sonho que eles, pais, desejavam na infância.
Enquanto Raul conversava pela última vez com Artur, Esther tinha a missão de levar as bolas novamente para o carro. Que cavalheirismo. — Ela pensou quando levantou o saco que pesava mais que a última vez que ela o levantou!
Esther foi até o estacionamento aberto, onde seu pai deixara o carro. De repente ela foi surpresa por uma voz que ecoou atrás dela.
— Quer ajuda? — Era o Fogueira e agora, ele estava vestido em uma regata laranja incandescente que Esther acreditou ser a do time, pois todos os garotos usavam, por que ele não a usou na partida? — Ela pensou.
— Ei! Fogueira. Obrigada. — Esther disse, suspirando devido ao cansaço.
Ele se debruçou próximo à trouxa de bolas e a puxou com esforço.
— Isso realmente é mais pesado do que eu imaginava. — Ele disse, enquanto foram até o carro.
— Geralmente vocês não têm este trabalhinho. — Ela retrucou num tom amigável, ao chegar ao automóvel.
Ela abriu o porta-malas.
— Correr atrás de uma bola também é bem trabalhoso. — Ele retrucou, um pouco sem graça, enquanto seus olhos se mantinham vidrados por um segundo, a pensar.
— Obrigada pela ajuda! — Ela agradeceu. — E é por isso que eu não sou jogadora de futebol... Penso que se eu corresse por dez minutos, eu cairia dura no gramado.
Esther avistou seu pai se aproximando, de longe.
— Ser filha do treinador deve ser duro, não é mesmo? — Fogueira indagou, observando a aproximação dele.
— Até que não. Lá em casa quem manda são as mulheres.
Ele sorriu, quase que sem querer.
— Bom, nós nos vemos por aí. — Fogueira disse, afastando-se.
Esther fez que sim com a cabeça, lançando-lhe um sorriso também. Entretanto, ela desfez o gesto assim que percebeu estar dando abertura para ele. Fogueira parecia melhor do que a última vez que ela o viu no café. Se havia algo de errado naquele dia, certamente já estaria tudo resolvido.
Esther, curiosamente tinha a leve e talvez equivocada impressão, de que amantes de futebol e qualquer outro esporte dão mais atenção ao pay-per-view da TV do que as pessoas ao seu redor.
Mas Fogueira... Ele se mostrava atencioso e até sensível e isso chamava sua atenção.
Agora que ambos estavam ligados de forma indireta pela profissão dos pais, certamente iriam se encontrar mais vezes.
Esther terminava de arrumar sua cama quando a sua mãe a gritou, empolgada com algo. Ela correu do quarto, um pouco apressada e apreensiva, chegando à sala. Uma coisa era verdadeira: sua mãe era boa em dar sustos falsos. — Mãe. O que foi? — Ela perguntou, quando a avistou ali mesmo do corredor que dava acesso à sala. Jéssica estava sentada à mesa, lendo um e-mail no computador. Seus óculos na ponta do nariz e sua xícara sobre a mesa à esquerda, indicavam que ela estava em seu dia de pesquisas, a qual ocorria a cada final de mês. — Eu recebi uma proposta para um projeto! — Ela disse, saindo da frente do computador e indo em direção a Esther, dando-lhe um abraço forte que retirou o ar dos seus pulmões.<
PRÉ-FESTA Esther entrou no carro de sua mãe e bateu a porta. Aquele cheiro de rosas pairando pelo ar indicava que ela acabou de passar no lava-jato. — Hum? Batom vermelho. Quem é o garoto? — Jéssica questionou em um tom de sarcasmo, antes de dar partida no automóvel.— Até você, mãe? — Esther revirou os olhos, não acreditando na perseguição e insinuação amorosa por parte delas. — Eu estou brincando. Mas, está lindo! — Jéssica corrigiu o batom na boca da filha. — Obrigada, mãe. — Ela respondeu, mas sua expressão demonstrava chateação. — Trocando de assunto. — Esther iniciou, enquanto se arrumava no banco e colocava o cinto de segurança. — Recebi um e-mail da Dra. Cecília. Ela quer que eu vá conhecer o oftalmologista e genet
Algumas pessoas começaram a dançar. Inclusive o diretor Müller, que mexia todo o seu corpo, como aqueles bonecos infláveis que ficam na frente das lojas, quando há descontos, chamando a atenção das pessoas. Esther observou de longe Fogueira atravessar a porta de entrada. Ele parou, olhando para todos os lados antes de bater seus olhos na garota. Ela percebeu. Ele estava indo em sua direção. — Oi! Esther. — O sorriso dele se mistura às palavras, ecoando aos ouvidos da garota. — Oi! — Aquela palavra saiu arrastada, enquanto ela pensava no encontro inesperado de hoje mais cedo. Ela pensou por dois segundos antes de continuar a conversa com uma pergunta que não se encaixava muito bem: — De boas com seu pai? Fogueira respirou profundamente estampando um sorriso a fim de evitar o nervosismo. — Ele é um homem de poucas palavras. — O garoto balbuciou as palavras, trocando de assunto em seguida. — O pessoal caprichou na decoração. Tá si
O PEQUENO O carro derrapou meio metro antes de parar de vez, chacoalhando-os para a frente. — O que houve? — Esther perguntou, olhando para os lados. — Me segue. — Ele disse ao abrir a porta do automóvel, saindo rapidamente. — Certo. — Ela respondeu, ainda que não pudesse mais ouvi-lo, devido ao barulho da chuva que ainda caía. Esther pegou seu casaco que ali estava próximo, e saiu, passando pela frente do carro e chegando do outro lado da calçada, onde Fogueira já estava. O frio não o intimidava, e antes que Esther pudesse fazer mais uma pergunta sobre o que estava acontecendo, ele disse: — Eu acho que ele está ferido.
Esther Esther se levantou da cama tarde, mas recuperada do intenso e diferente ontem. Ela colocou seus pés no tapete que havia ali ao lado da cama e deu três pulinhos para despertar e matar a preguiça que ainda insistia em segurá-la. Ela soltou um duradouro bocejo. Esther foi até o banheiro, escovou pacientemente os dentes, colocou a lente de contato que reduzia significativamente a luz ambiente, e desceu para a cozinha, preparada para mais um dia na pacata cidade de Monteiro. Dias tão iguais estavam deixando-a maluca, até que sua mãe lhe aconselhou mudar alguns hábitos. Como acordar mais cedo para dar uma volta no quarteirão e aproveitar para pegar as roupas na lavanderia, ou dar alguns pulinhos na revistaria de modo a lhes trazer alguns livros e revistas interessantes que pudessem matar
PRAIA E FAROL Monteiro apesar de suas belas montanhas, e florestas verdes, também tinha incríveis praias ao norte da cidade. Era a cerca de sete quilômetros do distrito onde Esther morava. Tecnicamente ir de bicicleta lhes reservava maravilhosas paisagens. Porém, uma longa pedalada. A tarde se estendia tranquilamente, e por volta das 15h47, enquanto Esther terminava de colocar umas maçãs e uma garrafa de suco de laranja em sua mochila, uma buzina em sineta alertou a chegada do novo amigo. — Filha, o Fogueira chegou. — Sua mãe gritou da varanda. — Já estou indo. — Ela respondeu, terminando de fechar a mochila e arrumando seu chapéu que a protegia do Sol. Naquele momento era fundamental, afinal de contas, ela passaria um tempo significativo exposta à luz externa.
Alguns dias depois... A luz solar atravessou a fresta da janela e apontou certeiramente nos olhos de Esther. Ela os abriu, como por instinto. Um borrão claro e branco tomou conta de toda sua visão, fazendo-a fechá-los rapidamente em seguida. Esther se sentou na cama ainda desvairada, esfregando as mãos sobre os olhos. As pálpebras ainda pesavam no sono, e pareciam precisar primeiro, ficar fechadas, como se estivessem se adaptando gradualmente à luz ambiente. Ainda na cama ela se recordou de um sonho excepcional que teve. Sonhou com cores por todos os lados. Ela não poderia ditar seus nomes, mas eram imagens que seu cérebro jamais havia processado e tido o privilégio de acessar. E no meio da imensidão de cores, em um magnífico campo e
RESOLUÇÃO Esther quase trocou as pernas e tomba quando volta sua cabeça para a posição normal, após olhar fixamente para o ensolarado céu. Ela segurou a sua mochila com firmeza, e colocou-a no porta-malas do carro de sua mãe. Esther entrou no automóvel com a expectativa de conhecer o Dr. Mark Campbell e poder tirar dúvidas que a Dra. Cecília lhe poupava. Seus pais estavam a bordo, e mais ansiosos do que Esther. Pareciam que estavam prestes a ter um bebê. É, talvez houvesse um pouco de verdade nisso. No momento em que eles chegaram à clínica, a recepcionista sorridente fez uma rápida ligação interna. — Vocês podem ir à sala: 32. — Ela os auxilia. Uma sensação estranha se estabeleceu