Uma folha vermelha se desprendeu da frondosa árvore que me refugiava sombra. Por trás da montanha o sol se despedia, sangrando o azul celeste e convidando o anoitecer. Desviando o olhar para a passagem há alguns metros de mim, senti meu rosto se transformar em um sorriso tímido. A grama se estendia entre ela e eu, formando um tapete verde sombreado pelas copas das muitas árvores que se projetavam ao céu. Mas naquele momento só me importava aquele vulto que se projetava, anunciando a chegada da donzela tão aguardada.
A jovem me observou por um instante, retribuindo meu tímido sorriso com um mais largo e atrevido. Seu rosto alvo de pele sedosa rosava pelo esforço através do dificultoso trajeto. Ela ergueu-se assim que conseguiu sair do buraco, sacudiu o vestido azul fazendo voar alguns pedaços de grama e, após ajeitar os cachos dourados, apressou-se em minha direção.
- Espero não ter demorado mais que o costume! - Comentou em meio ao sorriso.
- Não mais que o costume. - Retruquei implicante enquanto erguia-me também sacudindo a roupa para então continuar: - Estava pensando sobre sua proposta de viver em seu mundo...
- Esta é sua única chance! - Sua fala assumiu uma urgência inesperada. - Aproxima-se o fim do ciclo e logo a passagem não mais estará aberta. Você precisa decidir se irá comigo ou se permanecerá aqui. E precisa decidir agora!
O sorriso em meu rosto deu lugar a um misto de pesar e preocupação, visivelmente notado no semblante decaído de sobrancelhas curvadas. Já havia sido alertado sobre nosso tempo restrito e no início tomei seu aviso como o prenúncio de um amor de verão. Mas a medida que os dias passavam em sua doce companhia, era cada vez mais difícil a despedida. Seu toque macio e a doçura dos seus lábios, seu olhar acolhedor e sua voz apaixonante... Já não conseguia imaginar minha vida sem ela. E antes do que imaginei, precisava decidir prender-me de vez ao amor que nutria e abandonar o meu mundo ou deixá-la ir para sempre. Sabia que um dia teria que me decidir mas não imaginava ter que fazê-lo tão repentinamente.
Do outro lado daquele buraco aguardava um mundo novo, tão fantástico quanto perigoso. Um mundo habitado por criaturas diminutas com asas e um imenso poder. Guerreiras de uma ordem secreta, trajadas de mantos vermelhos e armas letais. Lobos imensos de aspecto humanoides. E criaturas tão diversas, perigosas e belas que aguçavam ainda mais meu desejo de embarcar naquela aventura sem volta.
Respirei fundo ainda pensativo enquanto caminhava em direção à passagem. Não sei por que me veio à mente, naquele exato momento, uma intrigante pergunta na qual nunca havia pensado. Cortando por completo o clima que se formara, a pergunta fugiu dos meus lábios:
- Por que chamam a passagem de "Toca do Coelho"?
- Se vier, conto-lhe no caminho. - Respondeu Alice
"O som alto e rítmico do machado ecoava por toda a floresta, espantando os animais que buscavam abrigo. Os musculosos braços do incansável guerreiro tremiam ante a força dos seus próprios golpes. E apesar de toda a sua truculência, a criatura permanecia imóvel, firme e aparentemente inabalável. O inimigo era gigante, muitas vezes maior e parecia ser bem mais forte. Era evidente que travava uma batalha desigual. Mas então alguns potentes golpes acompanhados de grunhidos pareceram surtir algum efeito. O monstro balançou, primeiro quase que imperceptivelmente. Mas mesmo aquela sutil fraquejada foi suficiente para que o guerreiro reunisse toda a força que lhe restava em um último golpe devastador. Foi o suficiente para seu imenso inimigo gemer e tombar vagarosamente como qualquer gigante que se preze. E então ele finalmente encontrou o chão, fazendo toda floresta tremer e os pássaros mais distantes partirem em revoada, sob o alto grito do vitorioso guerreiro:" - MADEIRAAAA!!!
A fresta de luz que entrava pela porta aberta iluminava o corpo sem vida de Dora, fazendo cintilar a poça de sangue sob ele. Uma visão quase poeticamente bela, não fosse aquela sua esposa. Uma fúria crescente ascendia do peito do lenhador, que olhava fixamente seu inimigo.Do outro lado, a criatura grotesca de pelugem negra emitia um crescente som cavernoso. Ergueu lentamente as garras, evidenciando o sangue da mulher que as banhava até encharcar os pelos das patas. Súbito uma gota escorreu projetando-se e morrendo ao chão, produzindo um som que precedeu o início da batalha.emitindo um alto grito, Honor saltou contra o Lican com seu machado estendido, procurando-lhe o peito. A criatura avançou em confronto em uma velocidade surpreendente. Agarrou o aço afiado do machado despreocupado em cortar-se e com a outra garra desferiu um golpe que passou a milímetros do rosto do lenhador, tendo este de
Um raio cintilante cruzou o céu, rasgando a cortina celeste onde nuvens pesadas e negras se projetavam. Um trovão fez o solo tremer, ecoando longe. Ane ergueu o rosto. Os olhos úmidos refletiram o monstro acima dela. As garras em riste a rasgariam ao meio, cada uma do tamanho da sua pequena cabeça. O peito da menina inflou e paralisou, retendo o ar. Os olhos percorreram os pelos alvoroçados, presas afiadas, olhos famintos e continuaram, rumo ao alto. Então viu algo planando descendente: Uma faixa vermelha caindo serena, dançando no ar. As mãos da menina tatearam a árvore onde se recostava. Sentiu a carapaça, rígida como uma armadura. Então seus olhos viram. No alto, bem no alto, cada fita vermelha estava lá. Jogadas ao vento, tentavam se desprender da árvore. Da sua árvore.- Papai... – sussurrou a menina.“Papai mentiu. Papai não era invenc&iacut
Pouco se sabe sobre o quando e menos ainda sobre o porquê. Mas sabe-se, e isto é pouco do que se dão a muito falar, que a Ordem do Capuz tem um único e derradeiro propósito: caçar e destruir os monstros chamados "Lican"! Para isto vivem e apenas para isto. E tudo o que fazem leva a este objetivo.A Ordem é formada apenas por mulheres, reclusas em algum lugar da densa floresta. Poucas já foram avistadas perambulando entre cidades e reinos, raras vezes ao caçar algum Lican que se atreveu a cruzar tais lugares. Mas sua história é conhecida por todos, quais heroínas e protetoras. Diz-se que entre elas há uma hierarquia de poder, mas a verdade é que há:No topo está a tríade matriarca, também chamadas de Capuz Branco.Juízas de autoridade suprema, ditam e fazem ser respeitadas as regras. Sua palavra é lei, cuja autoridade
Um uivo longo rasgou a noite, estendendo-se pela densa floresta. Seu timbre e força impressionantes tornavam claro: O uivador anunciava o Ko-Klave. Antes que o fôlego terminasse todos os outros Lican o acompanharam em uníssono, fazendo o solo tremer e qualquer animal desavisado, que por ventura caminhasse por perto, correr e se esconder.- Me espera, Fenrir!O filhote tentava acompanhar seu primo, correndo o mais rápido que podia através do atribulado caminho mata à dentro. Bem à frente, quase a perder de vista, o pequeno Fenrir corria apressado, evidenciando uma maestria maior que a do amigo.- Vamos, Rukah! – Gritou Fenrir sem desacelerar. – Não quero perder o início do Ko-Klave.O Ko-Klave era um rito de desafio, invocado contra o Grande-Lobo, o líder de toda a tribo. Um ritual que definia quem teria direito a liderança, resultando em banimento ou morte para o perde
A fúria esvaiu do peito do Lican junto daquele estrondoso uivo, deixando o silêncio e o dissabor amargo de uma vergonhosa derrota que o corpo sem vida da Capuz Negro não era capaz de aplacar. Nada justificava sua falha, sua única falha que ele sabia, seria como uma farpa em sua mente. Uma mancha indelével em sua impecável jornada de caçadas perfeitas. Nunca havia falhado e por certo não gostou nem um pouco daquela angustiante sensação. Como pôde permitir que sua autoconfiança sobrepusesse a tarefa?Não havia o que fazer. Sua presa, a infeliz distração de vermelho e as corjas guerreiras das sombras já haviam fugido com a recompensa. Obtiveram sucesso onde ele fracassara miseravelmente.Fenrir olhou para o corpo ainda quente sob ele: Um amontoado de retalho negro, mesclado de vermelho. Afogou a culpa do erro no troféu descomedido que seria apresentar a gue
A Clareira do Desafio não mudara nem um pouco desde aquele fatídico dia em que Fenrir perdeu seu pai. O cheiro de terra úmida misturado com a relva verde que a margeava era exatamente o mesmo, jorrando-lhe memórias em bicas. Foi o que atraiu seu olhar para a trilha que subia o barranco ao longe, margeada de árvores e plantas, local por onde, há alguns invernos, Fenrir e Rokah desceram e o Lican viu seu pai ser derrotado por aquela mesma figura que agora o enfrentaria.Enquanto a multidão formava um círculo o uivador aproximou-se, indo até o centro onde Fenrir e Ragnar se encaravam. As palavras eram substituídas pelos olhares trocados entre os três, cada um muito certo de como funcionava o desafio.Inclinando o focinho para o alto, mirando Luna redonda no meio do céu estrelado, o uivador proferiu alto dois uivos curtos seguidos de um longo. Este indicava para toda a tribo exatamente do qu
De todas as casas da tribo, rústicas e sem padrão algum em suas construções desleixadas de todo tipo de material possível, a maior e mais destacada era a do Grande Lobo. As paredes de bambu revestidos por argila dura e betume, resistiam bravamente às intempéries climáticas. Grande o suficiente para abrigar a família do líder da tribo, era passada por todos aqueles que empossavam o título maior da tribo.A sombra da Lican precedeu seu corpo cinza e gracioso, invadindo o ambiente que, se tornara sua morada desde que seu pai assumiu o Thronus. E mesmo tendo passado tantos invernos, era impossível para ela não sentir o cheiro inebriante do Fenrir, cada vez que adentrava.Caminhou até um dos cantos do grande cômodo, absorta em seus pensamentos. De tão distraída não percebeu o vulto que se avolumou atrás de si até que a sombra dele a enco