Um raio cintilante cruzou o céu, rasgando a cortina celeste onde nuvens pesadas e negras se projetavam. Um trovão fez o solo tremer, ecoando longe. Ane ergueu o rosto. Os olhos úmidos refletiram o monstro acima dela. As garras em riste a rasgariam ao meio, cada uma do tamanho da sua pequena cabeça. O peito da menina inflou e paralisou, retendo o ar. Os olhos percorreram os pelos alvoroçados, presas afiadas, olhos famintos e continuaram, rumo ao alto. Então viu algo planando descendente: Uma faixa vermelha caindo serena, dançando no ar. As mãos da menina tatearam a árvore onde se recostava. Sentiu a carapaça, rígida como uma armadura. Então seus olhos viram. No alto, bem no alto, cada fita vermelha estava lá. Jogadas ao vento, tentavam se desprender da árvore. Da sua árvore.
- Papai... – sussurrou a menina.
“Papai mentiu. Papai não era invenc&iacut
Pouco se sabe sobre o quando e menos ainda sobre o porquê. Mas sabe-se, e isto é pouco do que se dão a muito falar, que a Ordem do Capuz tem um único e derradeiro propósito: caçar e destruir os monstros chamados "Lican"! Para isto vivem e apenas para isto. E tudo o que fazem leva a este objetivo.A Ordem é formada apenas por mulheres, reclusas em algum lugar da densa floresta. Poucas já foram avistadas perambulando entre cidades e reinos, raras vezes ao caçar algum Lican que se atreveu a cruzar tais lugares. Mas sua história é conhecida por todos, quais heroínas e protetoras. Diz-se que entre elas há uma hierarquia de poder, mas a verdade é que há:No topo está a tríade matriarca, também chamadas de Capuz Branco.Juízas de autoridade suprema, ditam e fazem ser respeitadas as regras. Sua palavra é lei, cuja autoridade
Um uivo longo rasgou a noite, estendendo-se pela densa floresta. Seu timbre e força impressionantes tornavam claro: O uivador anunciava o Ko-Klave. Antes que o fôlego terminasse todos os outros Lican o acompanharam em uníssono, fazendo o solo tremer e qualquer animal desavisado, que por ventura caminhasse por perto, correr e se esconder.- Me espera, Fenrir!O filhote tentava acompanhar seu primo, correndo o mais rápido que podia através do atribulado caminho mata à dentro. Bem à frente, quase a perder de vista, o pequeno Fenrir corria apressado, evidenciando uma maestria maior que a do amigo.- Vamos, Rukah! – Gritou Fenrir sem desacelerar. – Não quero perder o início do Ko-Klave.O Ko-Klave era um rito de desafio, invocado contra o Grande-Lobo, o líder de toda a tribo. Um ritual que definia quem teria direito a liderança, resultando em banimento ou morte para o perde
A fúria esvaiu do peito do Lican junto daquele estrondoso uivo, deixando o silêncio e o dissabor amargo de uma vergonhosa derrota que o corpo sem vida da Capuz Negro não era capaz de aplacar. Nada justificava sua falha, sua única falha que ele sabia, seria como uma farpa em sua mente. Uma mancha indelével em sua impecável jornada de caçadas perfeitas. Nunca havia falhado e por certo não gostou nem um pouco daquela angustiante sensação. Como pôde permitir que sua autoconfiança sobrepusesse a tarefa?Não havia o que fazer. Sua presa, a infeliz distração de vermelho e as corjas guerreiras das sombras já haviam fugido com a recompensa. Obtiveram sucesso onde ele fracassara miseravelmente.Fenrir olhou para o corpo ainda quente sob ele: Um amontoado de retalho negro, mesclado de vermelho. Afogou a culpa do erro no troféu descomedido que seria apresentar a gue
A Clareira do Desafio não mudara nem um pouco desde aquele fatídico dia em que Fenrir perdeu seu pai. O cheiro de terra úmida misturado com a relva verde que a margeava era exatamente o mesmo, jorrando-lhe memórias em bicas. Foi o que atraiu seu olhar para a trilha que subia o barranco ao longe, margeada de árvores e plantas, local por onde, há alguns invernos, Fenrir e Rokah desceram e o Lican viu seu pai ser derrotado por aquela mesma figura que agora o enfrentaria.Enquanto a multidão formava um círculo o uivador aproximou-se, indo até o centro onde Fenrir e Ragnar se encaravam. As palavras eram substituídas pelos olhares trocados entre os três, cada um muito certo de como funcionava o desafio.Inclinando o focinho para o alto, mirando Luna redonda no meio do céu estrelado, o uivador proferiu alto dois uivos curtos seguidos de um longo. Este indicava para toda a tribo exatamente do qu
De todas as casas da tribo, rústicas e sem padrão algum em suas construções desleixadas de todo tipo de material possível, a maior e mais destacada era a do Grande Lobo. As paredes de bambu revestidos por argila dura e betume, resistiam bravamente às intempéries climáticas. Grande o suficiente para abrigar a família do líder da tribo, era passada por todos aqueles que empossavam o título maior da tribo.A sombra da Lican precedeu seu corpo cinza e gracioso, invadindo o ambiente que, se tornara sua morada desde que seu pai assumiu o Thronus. E mesmo tendo passado tantos invernos, era impossível para ela não sentir o cheiro inebriante do Fenrir, cada vez que adentrava.Caminhou até um dos cantos do grande cômodo, absorta em seus pensamentos. De tão distraída não percebeu o vulto que se avolumou atrás de si até que a sombra dele a enco
O toque das buzinas misturou-se aos uivos, preenchendo a madrugada fria com o som da batalha. Banhados pela prata de Luna, tocados pelo frio do inverno, a improvável Alcateia dos nove Licans avançava ligeiramente rumo a aldeia diante deles. Mesmo que a Ordem do Capuz estivesse sendo protegida por todas as guerreiras, aquela seria uma luta difícil. Mas com a maior parte delas em missão, as chances de vencer aquela batalha eram muito pequenas. E Zi’Za sabia muito bem disso.– Vá proteger as crianças! – A agora Capuz Branco gritou para sua ex pupila, já apanhando sua espada e se preparando para o confronto – Leve-as para o esconderijo.– Não vou deixa-la sozinha! – Foi a resposta de Ni’La que firmou sua posição ao lado da outra.– Não se preocupe! – A voz veio de uma das aprendizes que já se apressava rumo às casas. &
Como que atingido por um raio, Fenrir sentiu uma onda de tremor percorrer seu corpo. Os pelos ouriçaram e, imóvel, tentava assimilar aquela informação absurdamente improvável. Uma irmã humana? Como aquilo seria possível? A mente fervilhava enquanto tentava negar, mas de alguma forma, seus instintos diziam que tal aterradora informação era verdade. De alguma forma o cheiro, o olhar ou algo no aspecto familiar dela sempre o incomodou, desde que a conhecera. Uma familiaridade até então inexplicável que agora fazia algum sentido, mesmo parecendo completamente absurdo.– Fenrir! – O grito de Hemi soou repetitivo e irritado. – O que está fazendo? Acabe logo com elas!A Lican o trouxe de volta à realidade. Olhou para o lado e viu a outra quebrar parte da lança que lhe traspassou o ombro e lutar com apenas uma das patas. E ainda assim ela era formidá
Era final de outono. As folhas precipitavam-se das arvores ao menor dos ventos, preenchendo o ambiente de tons quentes que variavam do laranja ao marrom. E o vento estava forte naquele fim de tarde. As copas semidesnudas das altas árvores permitiam observar o céu laranja do crepúsculo vespertino.Nodi ainda era um jovem Lican, recém empossado ao Thronus por seu moribundo pai, que seguiu o "Caminho do Ancião Guerreiro", a última peregrinação de um Lican que vive o bastante para não conseguir mais lutar. Para não se tornar um fardo para a tribo, este se impõe um autoexílio, buscando seus últimos atos de glória. Mesmo com sua grande experiência em combate e caçada, desde a época em que ainda era um Alpha da principal Alcateia da sua tribo, o Lican não percebeu que a presa que estava perseguindo queria que ele a perseguisse. E quando se deu conta já