CAPÍTULO 4 - TRAIÇÃO

***Gaya Matarazzo***

Sinto o calor do motor do automóvel em minha perna e caio de joelhos no chão, mais pelo susto do que pela pancada.

— Você é alguma maluca, por acaso? — A voz de um homem visivelmente irritado ecoa assim que ele desce do carro e estende a mão para eu levantar.

— Desculpe, realmente não prestei atenção ao sinal. — revelo com sinceridade enquanto aceito a ajuda.

Envergonhada, forço-me a encará-lo e sua expressão surpresa reflete a minha.

— Você? — falamos ao mesmo tempo, surpresos por mais um encontro inesperado.

A pessoa que quase me atropelou é nada mais nada menos do que o irmão do médico do meu pai,  André Burck, o homem que misteriosamente tem cruzado meu caminho com frequência.

— Definitivamente, você é a pessoa mais perigosa para si mesma que eu já conheci. — comenta sarcástico, mas logo retoma a expressão fechada. — Agora é sério, Gaya… onde estava com a cabeça quando resolveu atravessar a avenida com o sinal vermelho para pedestre?

— Pode parar de querer me dar sermão toda vez? Virou fiscal da forma como eu ando por um acaso? — respondo irritada, ainda que eu tenha consciência de que não tenho razão alguma.

— Não seja infantil, sabe que poderia ter causado um acidente, além de se machucar com gravidade.

Apesar  do ronronar áspero de sua voz, ele demonstra genuína preocupação e seus olhos estão focados em escanear meu corpo em busca de ferimentos.

— Você se machucou, vem, vou te levar a um pronto atendimento e pedir pra fazer um curativo.

Olho para o mesmo ponto onde seu olhar está fixo em mim e observo um filete de sangue escorrendo do meu joelho ralado.

— Isso não é nada, foi superficial, posso cuidar disso sozinha.

— Mas esse não é o ponto aqui. O ponto é que você não me parece bem — fala enquanto a mão gentilmente pousa em meu braço — Nós vamos ao médico — anuncia com autoridade, me puxando pela mão em direção ao carro.

Apesar do tom autoritário, estranhamente me sinto acolhida e protegida pelo homem, que apesar de tudo, é um quase desconhecido para mim.

— Está tudo bem, foi só um susto — afirmo, retiro a mão dele do meu braço e dou um passo para trás

— Você precisa tirar o carro do meio da rua, isso sim,  ou seremos os dois linchados. — Digo enquanto vasculho a bolsa em busca de um sachê de lenços umedecidos antissépticos que sempre carrego comigo.

— Tá vendo, eu tenho a solução — balanço o pequeno envelope entre os dedos, exibindo a ele o que encontrei.

Limpo o ferimento superficial e solto um xingamento quando sinto arder.

— Inferno!

Ouço o riso baixo de André, ergo imediatamente a cabeça e encontro seu olhar em mim.

— O que foi? Vai ficar parado aí, rindo da minha cara? vamos acabar sendo presos por interromper o trânsito.

Um sorriso espontâneo se abre em meu rosto ao vê-lo com as sobrancelhas levantadas, segurando o riso.

— Você é tão teimosa quanto seu pai descrevia.

Meu sorriso se esvai ao lembrar da situação estranha que nos une. Quero perguntar mais sobre a relação dele com meu pai, mas o som alto das buzinas em protesto se multiplica a cada instante. No entanto, André parece não se importar, a atenção dele está em mim.

“Nunca traí meu marido, nem em pensamento, jamais faria isso, muito menos estando grávida, mas depois do dia de merda que tive, toda essa atenção me faz sentir bem” — reflito.

De repente me dou conta de que André está sendo tão paciente e atencioso, sinto necessidade de retribuir. Rapidamente tiro da bolsa um cartão de visitas e coloco em suas mãos.

— Aqui, ligue caso tenha algum dano no seu carro.

Seus olhos alternam entre mim e o papel, demonstrando confusão.

André fixa o olhar no meu e me encara por um breve momento, com a testa franzida, sem dizer absolutamente nada e ao mesmo tempo parecendo querer me dizer mais, algo realmente significativo.

Ficamos presos no olhar um do outro por um curto tempo, que no entanto parece uma eternidade. Sou tomada por uma sensação de familiaridade esquisita e, embora eu não saiba nada a respeito de André e sua família, minha intuição diz que meu pai não confiava neles à toa.

“Papai confiava em pouquíssimas pessoas. Tem que haver um motivo para ele incluir Daniel e o irmão no testamento ”.

— Agradeço, mas não será necessário — ele interrompe meus pensamentos, estourando a bolha que nos separa do caos sonoro formado por buzinas e xingamentos furiosos —  Tem certeza de que está bem? Eu realmente preciso tirar o carro do caminho, podemos ir ao hospital mais próximo.

— Vá logo, não se preocupe comigo, desculpe a confusão — afirmo, já me encaminhando para o meio-fio. — E não hesite em ligar, caso… — aponto para o carro e ele me interrompe.

— Como eu disse, não será necessário. Apenas cuide-se, Gaya! E preste mais atenção por onde anda, ok? — ele recomenda antes de entrar no veículo.

Aceno para André, que entra no carro e segue seu destino, se misturando ao som barulhento do trânsito caótico, deixando para trás a revolta daqueles que não conseguiram desviar de nós para seguir viagem e só agora voltam a se movimentar.

Ainda impactada por tudo que aconteceu em menos de 24 horas, caminho lentamente pelo parque, sento-me em um banco e fico observando as pessoas que transitam. Pais com crianças no parquinho, casais apaixonados passeando de mãos dadas, homens e mulheres que correm ou caminham, se exercitando.

Depois de um longo tempo de contemplação da vida, sinto a cabeça girar e lembro de não ter almoçado.

O sol já está se pondo, penso no filho que se desenvolve em meu ventre e me dou conta de que não estarei mais sozinha no mundo.

— Desculpe filho, você ainda nem nasceu e sua mãe já está sendo negligente com você. — Converso com meu bebê, acariciando a barriga ainda imperceptível.

Lembro em meu pai, que me adotou quando eu tinha 5 anos, penso nos meus pais biológicos e num motivo para eles terem me rejeitado, e por fim, na mãe e irmã adotivas que nunca me aceitaram verdadeiramente como membro da família Matarazzo.

“Acho que a partir de agora nada mais importa, terei meu filho, meu marido, e vamos construir uma família amorosa. Tenho certeza de que Cláudio vai voltar a ser o homem por quem me apaixonei, ele deve apenas estar estressado com o novo cargo na empresa.” — penso ao decidir ir para casa, deixando a melancolia de lado.

Aproveito a brisa fresca do entardecer e faço o trajeto até o outro lado do parque, onde sei que encontro um ponto de táxi.

O clima nesta época do ano está do jeito que gosto, nem frio, nem calor, simplesmente perfeito.

A luz do dia já se foi quando entro pelos portões da mansão Matarazzo, o lar onde cresci e até hoje divido com minha irmã e meu marido.

Desde que nos casamos, peço ao Cláudio para termos nossa própria casa, mas papai dizia que a mansão é grande demais, que deveríamos continuar aqui e meu marido não se opôs, pelo contrário, sempre fez questão de morar no que ele chama de palácio.

Mal ponho os pés em casa e Beta, nossa governanta, avisa que Cláudio já chegou e está no  andar de cima. Ainda assim, não o encontro em nosso quarto e aproveito para tomar um banho relaxante, em seguida saio a procurar por ele.

“Ele deve estar na sauna ou no escritório. Provavelmente Beta não o viu descer." — penso enquanto cruzo o corredor para ir aonde acredito que ele esteja.

Porém, antes de descer as escadas, um som abafado vindo do quarto que era de papai chama minha ateção.

— Que estranho, a ordem era pra ninguém entrar lá, a não ser pra limpar — resmungo comigo mesma e sigo na direção das vozes.

Paro instantaneamente com a mão na maçaneta da porta ao ouvir claramente a voz de Cláudio.

— Ah, que delícia. Só você pra me dar prazer assim. — ouço o ronronar lascivo do homem com quem me casei e não consigo acreditar, fico sem saber o que fazer.

— Sua irmã não é nem uma faísca perto da labareda que você acende em mim, safada. — ele conclui, colocando o peso que faltava para esmagar meu coração no peito.

Engulo em seco, encarando a porta em silêncio, reunindo forças para entrar lá.

“Isso só pode ser um pesadelo. Como eles puderam fazer isso comigo?” — penso, reprimindo as lágrimas, o ar me falta nos pulmões e minhas pernas vacilam.

“Não acredito que Cláudio teve a capacidade de me trair com Larissa bem debaixo do meu nariz.”

O choque de realidade me paralisa e meus dedos tremem ao segurar o metal gelado. Giro a maçaneta da porta de vagar, ela não está trancada, tudo indicava que não estão preocupados em serem descobertos.

Contudo, antes de entrar e jogar toda a merda no ventilador, escuto algo que me faz congelar no lugar.

— Foi tão fácil se livrar do velho — Posso ouvir a risada sarcástica de minha irmã e só pensar que ela tem a ver com morte do meu pai, sou tomada por uma raiva descomunal.

“M*****a!” — esbravejo em pensamento e a ouço concluir.

— Pensei que em pouco tempo a gente se livraria da bastardinha e então seríamos os donos da porra toda, o velho aprontou pra nós.

Dá para sentir o tom de revolta da minha irmã, mas o que faz o meu coração afundar de vez é a confirmação de que Cláudio está envolvido nisso e que ele não é a pessoa que eu sempre acreditei que fosse.

— Pois é, também pensei que seria fácil, ainda mais que Gaya deixará um herdeiro, mas agora teremos de nos livrar de mais dois, aquele velho maldito fez de propósito.

Quanto mais escuto, mais chocada eu fico. Posso sentir a raiva que a voz de Cláudio emana, me causando arrepios nada bons.

“Eles não podem estar falando sério…”

Estou prestes a revelar minha presença quando Larissa volta a falar barbaridades.

— Talvez seja mais fácil se livrar do médico e do outro do que obrigar a mosca-morta a deixar a criança com você. Tem certeza que quer mesmo ficar com esse fedelho? — Larissa soa desdenhosa.

— Veja bem como fala, ele ou ela será meu filho, Larissa, meu único herdeiro já que você deixou claro não ter interesse em ser mãe.

Ouço a tudo estarrecida, quase posso ouvir as batidas do meu coração, de tão acelerado que está.

“Eles planejam tirar meu filho de mim?”

O pensamento faz meu estômago embrulhar e minhas forças ameaçam se esvair do meu corpo, quase não consigo me manter em pé.

“Só se for por cima do meu cadáver”

Nãna Nascimento

Obrigada pelo interesse na minha escrita. Fico feliz de tê-lo aqui. Se estiver gostando da história, curte, comente e compartilha, isso ajuda muito no meu trabalho. Obrigada, de coração!

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