***CLÁUDIO SAMPAIO ***Chego à clínica psiquiátrica, disfarçado como enfermeiro. Desde que voltei para a cidade, há alguns meses, não tinha conseguido vir ver minha mãe. Finalmente consegui subornar um dos funcionários para que me ajudasse a entrar sem que ninguém suspeitasse de nada. Minha mãe vive aqui há anos. Ela sofre de um tipo de demência, passa o tempo todo em estado catatônico, sob efeito da medicação pesada.Entro pela porta de vidro que range levemente e o enfermeiro, um sujeito com olhos cansados, me olha com desconfiança.— Só alguns minutos, senhor Sampaio. Não faça nada que possa perturbar os pacientes. — Ele parece prestes a acrescentar algo, mas desiste, deixando suas palavras suspensas no ar.Atravesso o corredor em silêncio. As paredes amareladas parecem sugar a luz do ambiente, como se a própria clínica estivesse mergulhada na melancolia que atormenta seus pacientes. Finalmente, alcanço o quarto de minha mãe, o enfermeiro desliza uma chave na fechadura e empurra a
***GAYA MATARAZZO *** Olho para a roupinha tão pequena nas mãos de Daniel, bordadas com as letras MB e não consigo esconder o sorriso bobo. — Ouw, Dani, que amor! MB, de Matarazzo Burck, adorei. Muito, linda. Obrigada! Luca já vai sair da maternidade estilizado. Abraço meu cunhado com carinho. Escolhemos ele e Ceci para serem os padrinhos do nosso pequeno e agora eles não param de trazer presentes. Luca nem nasceu e está sendo muito mimado. Com trinta e oito semanas de gestação, já temos o quartinho dele pronto, à espera do nosso principezinho. — Você e Ceci estão tão empolgados, poderiam providenciar logo um primo ou prima pro Luca, né? — falo rindo, mas ele não me acompanha. — Confesso que dá vontade, mas não é tão simples. — ele dá um sorriso desanimado e suspira — Minha vida e a da Ceci são muito agitadas, um dia ela tá aqui no outro, tá do outro lado do mundo. Que tempo teríamos para um bebê? — Tenho certeza que quando for a hora vocês vão dar um jeito. — pisco um olho e ap
***GAYA MATARAZZO *** — Respira! — André segura firme em minha mão enquanto Dani dirige para o hospital.— Tô respirando… AhhhhAs contrações fortes começaram quando estávamos descendo para a garagem, até então eram apenas fisgadas leves.Mesmo com o rompimento da bolsa, ainda consegui tomar um banho enquanto Beta terminava de preparar o Kit maternidade, que eu já havia deixado quase pronto, e Déco ligava para o doutor Ricardo Aires**, meu obstetra.Sob as orientações do meu médico, partimos para a maternidade, mas a cada contração a dor parece mais intensa, nem mesmo o carinho e apoio de André tem o poder de me distrair.— Calma, eu tô com você, meu amor. Vai ficar tudo bem. Logo estaremos com nosso Luca nos braços. — meu marido diz, tentando respirar na mesma frequência que eu.O trajeto até o hospital parece infinito, ou talvez seja apenas a dor distorcendo a noção de tempo. Ao chegarmos, a equipe já está nos aguardando, sou levada imediatamente para a maternidade, onde meu médico
Abro os olhos e a escuridão do quarto me envolve. O relógio do despertador marca três horas no instante em que a quietude da noite é quebrada pelo suave murmúrio de Luca, através da babá eletrônica.Me levanto e percebo Gaya se remexer para acender o abajur.— Tá na hora? — pergunta sonolenta enquanto senta na cama.— Parece que Luca precisa de fralda limpa e delivery de leite. — brinco e ela ri.— Já vou.Do outro lado do corredor, a luz suave revela nosso pequeno pacote de alegria se agitando no berço.— Olá, pequenino! Papai vai te deixar mais confortável, ok?Com suas bochechas rosadas e olhos curiosos, Luca sorri quando me vê. Com cuidado, troco a fralda, enquanto Gaya se prepara para amamentar.Muitos insistem que devíamos contratar babás para as noites, mas preferimos ser os pais que cuidam do filho. Não por economia, já que temos recursos de sobra. A verdade é que queremos vivenciar todas as etapas e momentos do nosso Luca, aproveitando não apenas os momentos agradáveis, mas ta
***GAYA MATARAZZO***Dois anos depois…Faltando uma semana para o aniversário de dois anos de Luca, nos reunimos com a família para verificar como ficou a conclusão das obras na área de lazer da fazenda, que agora é propriedade da dona Vilma e dos filhos.— Ficou muito boa essa área, Gaya. Agora meu netinho vai poder se divertir ainda mais quando passa os dias aqui. — minha sogra fala entusiasmada.— Netinhos, no plural né, dona Vilma… — falo para provar Kiara, que me olha de cara feia. Ela ainda não confirmou, mas eu desconfio que minha cunhada esteja grávida.— Netinhos… você está grávida, Gaya? — o rosto da minha sogra se ilumina.— Não, sogra. Ainda não, talvez daqui a um ano pensemos em uma irmãzinha pro Luca. Mas o que eu quero dizer é que a fazenda agora é oficialmente sua, vai poder ver todos os netinhos que venha a ter, correndo por esse pátio.— É verdade, sou muito grata a você e seu irmão por isso.— Não tem o que agradecer, a senhora merece. — digo e recebo um sorriso agr
***GAYA MATARAZZO***— Festa! — Luca exclama, lançando um balão para o alto.— Sim, filho. Por isso tem que ficar quietinho pro papai terminar de arrumar seu cabelo. Só assim podemos ir curtir sua festa de aniversário. — André pede com carinho.— Nivelsário bebê! — Luca comemora, ainda atropelando as letras.— Isso mesmo, meu pequeno experto!Paro na porta, meu coração derretendo com a visão do momento pai e filho, sempre tão cúmplices e parceiros.André, mesmo com alguns fios de cabelo prateados, que surgiram no último ano, continua com sua forma física impecável. Ele mantém sempre a postura séria e imponente quando está no modo trabalho, mas se transforma em um bobo quando está comigo e com o filho.Luca, com seus dois aninhos, é uma cópia em miniatura do pai, mesmo tendo herdado meus cabelos escuros e encaracolados. Além disso, apesar de estar apenas começando a desenvolver sua fala, ele já mostra um talento incrível na arte da comunicação, se expressando com uma habilidade impressi
***Gaya Matarazzo*****ALGUNS MESES ATRÁS **Em meio a tempestade, diante do trânsito caótico, meu motorista dirigia o mais rápido que conseguia. Eu, no entanto, ansiosa e apreensiva, tentava novamente contato com meu marido.“De novo na caixa postal! Onde Cláudio se meteu? Liguei pra empresa, a secretária disse que ele saiu logo após o almoço. Deve ter desligado o telefone durante a reunião.”Desapontada, cliquei sobre o nome da minha irmã na agenda e aconteceu a mesma coisa. A mensagem automática mandava para a caixa postal.“Logo hoje os dois resolveram tomar chá de sumiço”.Deixei escapar um suspiro resignado, pressionei a têmpora na esperança de amenizar as pontadas que prenunciava uma forte dor de cabeça.“Que dia, meu Deus, que dia!”Através da janela, mesmo com a visão embaçada pela chuva torrencial, percebi que estávamos chegando ao destino.Ciente da triste realidade que teria de enfrentar sozinha nos próximos minutos, me preparei psicologicamente.“Não pode ser nada bom, os
***André Burck ***Acerto um último soco no saco de pancadas e recolho minhas coisas. Tomo um gole generoso de água e seco o suor que escorre pelo meu rosto.—Fala, Dani! — Atendo o telefone assim que vejo o número do meu irmão na tela.—Tá em casa, mano?—Tô saindo da academia. — respondo, já me dirigindo para o elevador.—Beleza, vou pedir uma pizza, tá a fim? — meu irmão me convida com entusiasmo e eu me pergunto como ele pode ser tão diferente de mim, sempre tão alegre e disposto.Penso em recusar, dizer que estou cansado e quero dormir cedo, mas lembro que prometi para a minha mãe que não me afastaria mais da família. Além disso, Daniel, mais do que meu irmão, é meu único amigo.— Cara, você ainda tá aí? — ele chama, me tirando dos meus pensamentos.—Me dá uma meia hora que já desço.—Tava pensando numa desculpa pra não vir, não é? — diz, rindo, me deixando irritado.—Vai se ferrar… daqui a pouco to aí.—Valeu, irmão.Dani e eu moramos no mesmo prédio. Quando me mudei pra essa ci