***Gaya Matarazzo***
Algumas semanas se passaram desde a morte do meu pai, a saudade que sinto dói profundamente, porém, está sendo amenizada pela melhor notícia da minha vida.
“Parabéns, Gaya, sua gestação está confirmada, os exames mostram que você está grávida de 12 semanas.”
A voz do meu ginecologista ainda ecoa na memória enquanto me dirijo para a empresa da família.
— Cláudio vai ficar radiante com a notícia — murmuro comigo mesma enquanto atravesso o estacionamento para ir ao encontro do meu marido.
Optei por ter a confirmação do médico antes de alarmar para ele o resultado que o teste de farmácia já havia apontado como positivo.
“Cláudio anda tão estranho ultimamente, espero que a notícia da chegada do nosso primeiro filho faça com que ele volte a ser o homem atencioso e carinhoso que foi desde que nos conhecemos” — penso ao entrar no elevador.
É a primeira vez que volto nesse lugar desde que papai ficou doente. Meu desejo era de ir para casa, preparar um jantar romântico e surpreender Cláudio com a boa-nova, no entanto, a reunião para abertura do testamento de papai foi agendada casualmente para hoje.
— Aí está ela, até que enfim a Cinderela chegou. — exclama minha irmã assim que me vê passar pela porta da sala de reuniões.
— Bom dia a todos. Desculpem o atraso — cumprimento, dando um sorriso fraco.
O olhar frio e reprovador de meu marido me deixa ainda mais constrangida. Ele aponta o lugar para eu sentar ao seu lado.
— Todos os interessados estão presentes, podemos começar. — sentencia Haroldo, o advogado de papai, responsável pela abertura do testamento.
Passo os olhos rapidamente pela sala e me surpreendo com a presença de Daniel, médico do meu pai, que me dá um aceno com a cabeça.
Ao lado dele está um homem que não sei quem é. Imediatamente lembro de ter esbarrado com ele no hospital e de tê-lo visto no velório de meu pai.
“Quem é esse sujeito afinal?” — questiono mentalmente.
À medida que a leitura avança, minha intuição grita que tem algo errado nisso tudo.
— “Metade de todos os meus bens, sejam valores líquidos ou não, conforme a lei determina, deixo em igual parte para minhas filhas Larissa Matarazzo e Gaya Matarazzo Sampaio. A outra metade, em cumprimento à minha vontade, deve ser dividida em igual parte entre meus amigos fiéis, Daniel Peixoto Burck e André Peixoto Burk.” - Haroldo lê um trecho do documento.
— Como assim? Esses caras nem são da família — Cláudio manifesta indignação.
— Tudo bem, amor — falo, segurando a mão dele, mas meu marido retira sua mão da minha imediatamente.
Acho a atitude bastante estranha, mas prefiro acreditar que foi um gesto impensado, involuntário.
— Peço que não seja interrompido até o final da leitura ou terei de pedir que se retire, senhor Sampaio. — Haroldo adverte.
— Me desculpe. — pede Cláudio, sorrindo sem muita vontade.
— Muito bem, vamos prosseguir — avisa o advogado — “A presidência do conglomerado AlfMat Cosméticos S.A. deve permanecer à cargo do senhor Cláudio Sampaio desde que o mesmo se mantenha fiel aos valores praticados por esta empresa desde a sua constituição….”
A voz de Haroldo vai se tornando distante e eu não consigo entender os motivos de meu pai deixar metade dos bens para seu médico e um estranho, que pelo sobrenome e semelhança devem ser irmãos.
“E por que a presidência para o Cláudio se ele sequer gostava do meu marido?”
A reunião termina e eu ainda não consigo formular um pensamento coerente sequer.
“Meus questionamentos não são por questões financeiras, eu nunca dei importância para o dinheiro, para o luxo. O que eu quero mesmo é entender a intenção e o motivo de meu pai pra isso.”
— Vai ficar viajando nos pensamentos até quando? — A voz esganiçada e sarcástica de Larissa me tiram do torpor. — Tá difícil digerir que seu querido papaizinho não tinha consideração nenhuma por nós e deixou metade do patrimônio da família para estranhos?
Ainda sentada no mesmo lugar, olho ao redor e vejo Cláudio do outro lado da sala, sustentando um sorriso vitorioso nos lábios e a cara enfiada no maldito celular. Daniel e o outro vêm até mim.
— Como você está, Gaya?
Daniel me dirige um sorriso simpático e me levanto para cumprimentá-los, mantendo uma certa reserva, afinal, não sei exatamente qual a relação deles com meu pai, pois nunca frequentaram nossa casa e nem eu soube que tivessem um laço tão estreito com nossa família.
— Estou bem Daniel, e você?
Dou a ele um sorriso educado e Daniel me puxa para um abraço inesperado, sussurrando em meu ouvido para que apenas eu possa ouvir.
— Imagino que esteja se perguntando como viemos parar aqui, mas prometo que logo você vai entender tudo.
Ele desfaz o abraço e dá uma passo para o lado, permitindo que o outro homem se aproxime.
— Esse é meu irmão, André, acho que vocês não se conheciam.
— Já nos encontramos, mas não fomos apresentados. — o irmão do médico estende a mão em cumprimento, mantendo o rosto impassível. — é um prazer conhecê-la oficialmente, Gaya.
— Não sei se posso dizer o mesmo, já que não sei qual a verdadeira relação de vocês com meu pai.
— É justo. — profere, André.
O aperto da mão dele na minha é firme e seu olhar é intenso, me causando uma sensação estranha.
“Por que eu tenho a impressão de que ele quer dizer alguma coisa com isso? Esse olhar e o aperto de mão parece ser uma mensagem subliminar, é sutil, mas tem algo implícito."
Nosso contato dura mais tempo do que seria necessário e é quebrado quando a mão gelada de Larissa pousa sobre o meu ombro e Cláudio para ao meu lado com cara de poucos amigos, olhando com desconfiança para Daniel e o irmão.
— Quem são vocês e o que fizeram pro meu sogro deixar metade da fortuna pra vocês assim, de mão beijada? — Cláudio questiona, mas os dois não demonstram qualquer hesitação.
— Querem saber? Vocês não nos enganam, alguma coisa tá muito errada aqui, vamos contestar esse testamento. — Larissa esbraveja, arrancando de André um suspiro.
— Como quiserem — profere André, já caminhando para a porta — até logo, Gaya.
— Até mais, Gaya. — Daniel segue os passos do irmão, sem dar atenção para Cláudio e Larissa, meu marido se exalta.
— Hei, vocês não podem ir embora assim, sem dizer nada. — Cláudio grita, mas continua sendo ignorado.
Ele ainda tenta ir atrás, mas eu o seguro pelo braço.
— Deixa eles irem, amor. Vamos conversar com os advogados e resolver civilizadamente.
— Isso tá me cheirando a armação. — ele diz e retoma a concentração no Celular.
Larissa volta a atenção para mim, me olhando com escárnio e tocando meu braço de leve.
— Bom, acho que você deve estar ainda mais chateada do que eu, não é mesmo, maninha?
— Vou deixar para os advogados responderem. — afirmo e tomo certa distância dela — Se estiver tudo dentro da legalidade, se essa era a vontade de nosso pai, vou respeitar. — concluo.
Minha irmã teima em me perseguir, voltando a pôr a mão no meu ombro, mantendo um sorriso sarcástico nos lábios.
— Mas você não está chateada? Afinal, sempre foi a filhinha dedicada e o papai nem confiou em você para gerir os negócios.
“Que inferno essa garota! Larissa sempre gostou de me levar ao limite da paciência.” — penso enquanto me afasto da falsa gentileza de seu toque, fecho as mãos em punho e mordo o lábio inferior, contendo o ímpeto de explodir a mão na cara dela, como fiz no dia em que nosso pai faleceu.
— Conteste o testamento, vá para o inferno, faça o que quiser, Larissa. — me exalto e ela dá uma risada diabólica — Papai deve ter tido os motivos dele, mas isso não significa que ele não me amava. Foi você quem nunca me aceitou como membro da família, então me deixa em paz.
— Histérica e dramática como sempre. — ela ri, cínica — Vê se acalma tua esposa, cunhadinho. — ela provoca antes de sair batendo os saltos finos no porcelanato.
Assim que Larissa some do meu campo de visão, faço a volta na mesa e paro ao lado do meu marido.
— Cláudio, o que você acha de tudo isso?
— Não sei — responde sem tirar os olhos do telefone — fiquei surpreso, não entendo seu pai ter deixado metade de tudo para aqueles dois, precisamos investigar. — pontua — mas confesso que estou feliz por aquele velho sacana ter confiado a presidência a mim, afinal, sou o homem da família agora.
Sigo ele para fora da sala de reuniões e repudio sua fala.
— Isso é tão sexista da sua parte.
— Ah, não seja dramática, mulher, vá pra casa e esquece isso, deixa que eu resolvo tudo com nosso advogados — ordena, colocando o celular no bolso e chamando o elevador — Tenho muito trabalho e você precisa relaxar, fazer repouso ou seja lá o que se faz no seu estado.
Estreito os olhos para o comentário, afinal, não comentei com ele que iria ao médico, nem contei sobre a gestação.
Sem se importar com meu olhar questionador, Cláudio dá o assunto por encerrado e caminha para a sala da presidência.
“Ele nem ao menos se despediu. Não posso ir embora com isso entalado na garganta.”
O sigo até a imponente sala que foi por anos ocupada pelo meu pai e fecho a porta atrás de mim.
— Por que acha que preciso de repouso? De que estado você tá falando? — questiono.
Cláudio, se vira bufando e fita meus olhos com cara de contrariado.
— Bom, você foi ao médico hoje, uma das empregadas comentou com sua irmã que você anda enjoada e vomitando. Suponho que finalmente teremos um herdeiro, não?
A decepção esmaga meu peito, a reação de meu marido ao revelar a desconfiança sobre uma possível gravidez não condiz com a alegria que eu imaginei que seria demonstrada por ele ao receber a notícia.
— Você… você desconfiava e não me disse nada? Como sabe que fui ao médico se eu não avisei ninguém?
— Em primeiro lugar, eu sei tudo que se passa naquela casa. — fala, exalando confiança ao ocupar a cadeira que pertence ao cargo mais alto da empresa — Além do mais, conheço você, não esqueça que estamos juntos há algum tempo — conclui, desviando a atenção para a tela do computador.
A rigidez emocional de Cláudio, aliada ao comportamento austero, me deixa completamente atordoada.
— E é assim que você reage com a possibilidade de ser pai? — questiono com a voz embargada.
— Olha, Gaya, queremos um filho desde que nos casamos, não queremos? — Ergue os olhos para me fitar por uma fração de segundo e volta a encarar o monitor — Se ele está a caminho, que bom, fico feliz. O que mais quer que eu faça?
— Que não seja um escroto? — falo com fúria — Que reaja como a maioria dos homens que esperam ansiosamente pela paternidade, demonstrando o mínimo de alegria? — disparo, tendo o ar preso na garganta e as vistas embaçadas pelas lágrimas.
—Ah, vá pra casa antes que eu perca a paciência — determina com furor — E nem tenta ser aquelas grávidas chatas, que usam a gestação pra conseguir o que quer, comigo não cola.
Observo seu perfil, alheio aos meus sentimentos, e desejo trazê-lo de volta para mim, para o nosso relacionamento de amor e cumplicidade do qual sempre me orgulhei.
— Cláudio, o que está acontecendo com você? Sempre fomos amigos, unidos, mas faz um tempo que não te reconheço mais.
— Aconteceu que me cansei das suas chatices. — responde alterado, batendo com os punhos na mesa, me fazendo dar um passo para trás — Você é uma mimada, toda certinha, cheia de regras, que sempre teve o que quer, acha que tudo tem que ser conforme a sua vontade, mas eu não sou seu pai, não vou paparicar você.
Estou em choque pelas palavras duras que acabo de ouvir, nunca imaginei que Cláudio me visse dessa maneira, por isso fico sem reação, só consigo pensar que o homem à minha frente não é o mesmo com quem me casei.
— Agora vá, não tenho o dia todo — ele fala praticamente gritando, levanta, contorna a mesa e me empurra em direção à porta.
Decepcionada, cansada e com raiva demais para discutir, fecho os olhos e solto o ar que estava prendendo. Uma lágrima solitária escapa e desce pelo meu rosto, no entanto, não permito que ele veja.
“Não posso acreditar que estou sendo praticamente expulsa por meu marido, da empresa da minha família, mas em casa vamos conversar com calma, tem que haver uma boa explicação pra essas atitudes.”
Entro no elevador e continuo os exercícios respiratórios que me ajudam a me acalmar.
“Muita coisa está acontecendo ao mesmo tempo para eu assimilar. A gestação, o testamento estranho, a mudança de comportamento de Cláudio…. Preciso tomar uma ar ou minha cabeça vai explodir” — penso enquanto a caixa metálica vai passando pelos andares.
Por instinto, levo a mão ao meu ventre, penso no meu filho e no quanto ele já é muito amado e desejado por mim.
Dentro do carro, à caminho de casa, me sinto sufocada, preciso de um tempo para pôr os pensamentos em ordem.
Peço ao meu motorista que pare o carro e me deixe na próxima esquina. Obediente, ele faz o que peço.
Eu aguardo o sinal verde para pedestres e atravesso um dos lados da grande avenida que costeia o parque central da cidade enquanto tento coordenar a enxurrada de emoções deste dia estranho e exaustivo.
Um nó se forma em minha garganta ao reprimir as lágrimas que ardem meus olhos, querendo escapar.
“Nunca fui de chorar em público, nem quando era pequena, não vou começar agora.”
O som estridente de buzinas e a freada brusca de um carro me arrancam dos meus pensamentos. Olho rapidamente para o lado, nesse instante o meu cérebro congela e o mundo fica completamente em silêncio.
***Gaya Matarazzo*** Sinto o calor do motor do automóvel em minha perna e caio de joelhos no chão, mais pelo susto do que pela pancada. — Você é alguma maluca, por acaso? — A voz de um homem visivelmente irritado ecoa assim que ele desce do carro e estende a mão para eu levantar. — Desculpe, realmente não prestei atenção ao sinal. — revelo com sinceridade enquanto aceito a ajuda. Envergonhada, forço-me a encará-lo e sua expressão surpresa reflete a minha. — Você? — falamos ao mesmo tempo, surpresos por mais um encontro inesperado. A pessoa que quase me atropelou é nada mais nada menos do que o irmão do médico do meu pai, André Burck, o homem que misteriosamente tem cruzado meu caminho com frequência. — Definitivamente, você é a pessoa mais perigosa para si mesma que eu já conheci. — comenta sarcástico, mas logo retoma a expressão fechada. — Agora é sério, Gaya… onde estava com a cabeça quando resolveu atravessar a avenida com o sinal vermelho para pedestre? — Pode parar de que
***Gaya Matarazzo***Horrorizada por tudo que acabei de escutar, não posso mais conter a raiva e a repulsa por Cláudio e Larissa. Eu escancaro a porta do quarto, os fazendo saltar da cama com o estrondo da madeira batendo contra a parede.— Gaya! — Cláudio profere meu nome com surpresa.Larissa, apesar do susto inicial, não demonstra nenhuma reação. Ela permanece deitada, apenas cobrindo as partes íntimas com o lençol.— Como vocês puderam fazer isso com papai, comigo? Vocês são desprezíveis. — cuspo as palavras e uma lágrima solitária escapa, sem que eu consiga evitar.Meu marido veste apenas a cueca e se levanta lentamente. Sem demonstrar arrependimento, ele caminha em minha direção e dou um passo cambaleante para trás, a fim de evitar contato. — Não me toque com essas mãos imundas. — grito e ele para onde está.— Ei, não grite — Cláudio repreende entre dentes — Os empregados podem ouvir e não queremos escândalo.Por um instante pensei que Cláudio estivesse preocupado com meus senti
***André Burck*** A sustentação oral durou apenas 20 minutos. Meu olhar encontra nos olhos de cada um dos jurados a resposta que eu quero, a resposta que a família da vítima merece. — Diante de todo o exposto, senhores, acredito verdadeiramente que aqui, hoje, será feita justiça à vítima. E não só a ela, mas a toda sua família, principalmente a filhinha de apenas 5 anos, obrigada a assistir a sua mãe ser agredida física e emocionalmente pelo homem que deveria protegê-la. Após mais algumas palavras, finalizo o meu discurso confiante de que mais um assassino será retirado das ruas. A defesa ainda tenta reverter a opinião do júri, mas depois de aproximadamente uma hora, quando o juiz lê a sentença, saio do tribunal com a certeza do dever cumprido, pois o monte de estrume que matou a esposa diante da própria filha pegou pena máxima, 30 anos de reclusão, o que para mim ainda é pouco. “Fui educado por uma mulher, que criou a mim e aos meus irmãos, sozinha. Sei de todas as dificuldades q
***André Burck*** Depois de tentar acalmar meu irmão, também respiro fundo para clarear a mente. Precisamos pensar friamente em situações como essa. 📲 Certo Dani. A governanta, não disse mais nada, algo que passamos identificar que tipo de perigo? 📲 Não, mano. Como eu disse, não dava pra escutar direito. No fim ela falou algo como “ajudem minha menina”, e então desligou. 📲 Você tem o contato da Gaya? Tentou falar com ela? 📲 Tentei, ela não atende. — diz ele, frustrado — Será que o imbecil do marido dela descobriu alguma coisa? 📲 Droga! Essa história está saindo de controle, melhor você não se envolver mais nisso, deixa pra mim. — exijo e ele bufa do outro lado. 📲 Já tô envolvido, não podemos esquecer que é graças a Gaya que temos o que temos hoje. Eu devo isso a ela e ao senhor Matarazzo. 📲 Não precisa me lembrar disso a todo momento. 📲 Parece que preciso. — ele retruca irritado, mas logo volta ao tom preocupado — Agora tenho que ir. Vê o que você consegue e me avisa
***Gaya Matarazzo***O som de um “bip” contínuo e irritante invade meus ouvidos.A dor latejante se alastra pela minha cabeça no instante em que abro minimamente os olhos.“Onde estou?”Forço as pálpebras a se manterem abertas, mas a dor aumenta e um gemido trêmulo escapa de mim.Confusa, tento me mover, mas os braço e pernas pesam feito chumbo.“Ai, Deus! O que aconteceu comigo?” — Penso e logo em seguido o barulho de uma porta abrindo e fechando retumba dolorosamente em meus tímpanos.— Ela está acordando, ligue para o Doutor Daniel. — uma voz feminina ecoa pelo ambiente.Ouço passos se aproximando. Mesmo com a visão ainda turva, vejo uma mulher de meia-idade, de olhar sereno e sorriso gentil. Ela chega bem perto da cama, segura em minha mão e fala com ternura.— Calma, querida, não se agite. Vai ficar tudo bem, logo o médico virá vê-la.“Médico? Onde estou e como vim parar aqui?” — questiono mentalmente.A sensação pastosa na língua e o amargor na boca me fazem perceber que estou c
*****André Burck*****Desde ontem, quando Dani avisou que Gaya havia acordado do coma, estive ansioso por vê-la. Porém, como médico, ele pediu para dar um tempo, ela ainda estava muito confusa.Estas últimas três semanas não foram fáceis. Assim que o quadro de saúde dela estabilizou, tivemos de tirá-la do hospital por questões de segurança.Hoje, quando cheguei na fazenda, ela tinha acabado de dormir. Então liberei a enfermeira para descansar um pouco.Apesar da fisionomia abatida e das olheiras fundas, Gaya continua linda. O cabelo está diferendo da forma como costumava ser. Nas poucas vezes que a encontrei, ela esteve com os fios lisos e presos, agora estão crespos, o que talvez seja o natural, porém não menos bonitos.Enquanto velo por seu sono, observo seus traços delicados e me deixo levar por um impulso incontrolável de tocá-la. Acaricio sua mão de leve e Gaya desperta assustada.— Quem é você?Num movimento brusco, ela puxa a mão da minha. Apavorada e visivelmente fragilizada,
***Gaya Matarazzo***.Uma semana passou desde que acordei do coma e agora estou vivendo na cobertura de André.Tentei convencê-los de me deixar na fazenda, me sentia mais à vontade lá, mas os irmãos foram irredutíveis, alegando que seria o melhor para a minha segurança.Sentada em uma cadeira de rodas na varanda, contemplo a paisagem cinza da cidade. Ainda não consigo caminhar sozinha, mas tive alguns avanços, pois já consigo mexer as pernas e Alice me ajuda com exercícios diários recomendados pela fisioterapeuta.Eles não me contaram mais nada sobre o acidente e sempre fogem do assunto, o que vem me deixando profundamente irritada.“Eles sempre desconversam ou dão respostas evasivas. Por isso, decidi que hoje vou esperar André chegar do trabalho e vou colocá-lo contra a parede.”“Não é como se eu pudesse fazer muita coisa sentada nessa cadeira, mas ele vai ter que escutar.”Enquanto me perco em pensamentos, não percebo quando André chega e para ao meu lado.— Boa tarde, Gaya. Como se
***ANDRÉ BURCK***Depois do desespero de Gaya nesta semana, decidimos que já é hora de revelar a ela toda a verdade.Apenas aguardamos a chegada de Cecília, sua melhor amiga, pois Gaya precisará de todo o apoio que puder ter nesse momento. Tenho certeza de que alguns fatos serão difíceis para ela assimilar.— Vem, amiga. Vamos sentar no sofá que é melhor, eu te ajudo.Cecília se coloca ao lado de Gaya e com o apoio de Daniel, ajeita a amiga de maneira mais confortável.— Ok. Já estou bem acomodada, podem começar. — ela pede, ansiosa.— Bom, pra você entender melhor, vamos começar do começo. Mãe, a senhora, por favor. — peço.Dona Vilma fica de um lado de Gaya, Cecília está do outro, Dani e eu sentamos no sofá em frente a elas e assim se forma uma rede de proteção em torno da herdeira Matarazzo.— Bom Gaya, vou te contar sobre a sua origem.Olho para nossa menina e noto seu semblante confuso.— Minha origem? Vocês conheceram meus pais?— Sim. — confirma dona Vilma — Sua mãe e eu eramos