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CAPÍTULO 3 - O PRINCÍPIO DO FIM

***Gaya Matarazzo***

Algumas semanas se passaram desde a morte do meu pai,  a saudade que sinto dói profundamente, porém, está sendo amenizada pela melhor notícia da minha vida.

“Parabéns, Gaya, sua gestação está confirmada, os exames mostram que você está grávida de 12 semanas.” 

A voz do meu ginecologista ainda ecoa na memória enquanto me dirijo para a empresa da família.

— Cláudio vai ficar radiante com a notícia — murmuro comigo mesma enquanto atravesso o estacionamento para ir ao encontro do meu marido.

Optei por ter a confirmação do médico antes de alarmar para ele o resultado que o teste de farmácia já havia apontado como positivo. 

“Cláudio anda tão estranho ultimamente, espero que a notícia da chegada do nosso primeiro filho faça com que ele volte a ser o homem atencioso e carinhoso que foi desde que nos conhecemos” — penso ao entrar no elevador.

É a primeira vez que volto nesse lugar desde que papai ficou doente. Meu desejo era de ir para casa, preparar um jantar romântico e surpreender Cláudio com a boa-nova, no entanto, a reunião para abertura do testamento de papai foi agendada casualmente para hoje.

— Aí está ela, até que enfim a Cinderela chegou. — exclama minha irmã assim que me vê passar pela porta da sala de reuniões.

— Bom dia a todos. Desculpem o atraso — cumprimento, dando um sorriso fraco.

O olhar frio e reprovador de meu marido me deixa ainda mais constrangida. Ele aponta o lugar para eu sentar ao seu lado.

— Todos os interessados estão presentes, podemos começar. — sentencia Haroldo, o advogado de papai, responsável pela abertura do testamento.

Passo os olhos rapidamente pela sala e me surpreendo com a presença de Daniel, médico do meu pai, que me dá um aceno com a cabeça. 

Ao lado dele está um homem que não sei quem é. Imediatamente lembro de ter esbarrado com ele no hospital e de tê-lo visto no velório de meu pai.

“Quem é esse sujeito afinal?” — questiono mentalmente.

 À medida que a leitura avança, minha intuição grita que tem algo errado nisso tudo.

“Metade de todos os meus bens, sejam valores líquidos ou não, conforme a lei determina, deixo em igual parte para minhas filhas Larissa Matarazzo e Gaya Matarazzo Sampaio. A outra metade, em cumprimento à minha vontade, deve ser  dividida em igual parte entre meus amigos fiéis, Daniel Peixoto Burck e André Peixoto Burk.” - Haroldo lê um trecho do documento.

— Como assim? Esses caras nem são da família — Cláudio manifesta indignação.

— Tudo bem, amor — falo, segurando a mão dele, mas meu marido retira sua mão da minha imediatamente.

Acho a atitude bastante estranha, mas prefiro acreditar que foi um gesto impensado, involuntário.

— Peço que não seja interrompido até o final da leitura ou terei de pedir que se retire, senhor Sampaio. — Haroldo adverte.

— Me desculpe. — pede Cláudio, sorrindo sem muita vontade.

— Muito bem, vamos prosseguir — avisa o advogado — “A presidência do conglomerado AlfMat Cosméticos S.A. deve permanecer à cargo do senhor Cláudio Sampaio desde que o mesmo se mantenha fiel aos valores praticados por esta empresa desde a sua constituição….”

A voz de Haroldo vai se tornando distante e eu não consigo entender os motivos de meu pai deixar metade dos bens para seu médico e um estranho, que pelo sobrenome e semelhança devem ser irmãos.

“E por que a presidência para o Cláudio se ele sequer gostava do meu marido?”

A reunião termina e eu ainda não consigo formular um pensamento coerente sequer. 

“Meus questionamentos não são por questões financeiras, eu nunca dei importância para o dinheiro, para o luxo.  O que eu quero mesmo é entender a intenção e o motivo de meu pai pra isso.”

— Vai ficar viajando nos pensamentos até quando? — A voz esganiçada e sarcástica de Larissa me tiram do torpor.  — Tá difícil digerir que seu querido papaizinho não tinha consideração nenhuma por nós e deixou metade do patrimônio da família para estranhos?

Ainda sentada no mesmo lugar, olho ao redor e vejo Cláudio do outro lado da sala, sustentando um sorriso vitorioso nos lábios e a cara enfiada no maldito celular. Daniel e o outro vêm até mim.

— Como você está, Gaya? 

Daniel me dirige um sorriso simpático e me levanto para cumprimentá-los, mantendo uma certa reserva, afinal, não sei exatamente qual a relação deles com meu pai, pois nunca frequentaram nossa casa e nem eu soube que tivessem um laço tão estreito com nossa família.

— Estou bem Daniel, e você?

Dou a ele um sorriso educado e Daniel me puxa para um abraço inesperado, sussurrando em meu ouvido para que apenas eu possa ouvir.

— Imagino que esteja se perguntando como viemos parar aqui, mas prometo que logo você vai entender tudo. 

Ele desfaz o abraço e dá uma passo para o lado, permitindo que o outro homem se aproxime.

— Esse é meu irmão, André, acho que vocês não se conheciam.

— Já nos encontramos, mas não fomos apresentados. — o irmão do médico estende a mão em cumprimento, mantendo o rosto impassível. — é um prazer conhecê-la oficialmente, Gaya.

— Não sei se posso dizer o mesmo, já que não sei qual a verdadeira relação de vocês com meu pai.

— É justo. — profere, André.

O aperto da mão dele na minha é firme e seu olhar é intenso, me causando uma sensação estranha.

“Por que eu tenho a impressão de que ele quer dizer alguma coisa com isso? Esse olhar e o aperto de mão parece ser uma mensagem subliminar, é sutil, mas tem algo implícito."

Nosso contato dura mais tempo do que seria necessário e é quebrado quando a mão gelada de Larissa pousa sobre o meu ombro e Cláudio para ao meu lado com cara de poucos amigos, olhando com desconfiança para Daniel e o irmão.

— Quem são vocês e o que fizeram pro meu sogro deixar metade da fortuna pra vocês assim, de mão beijada? — Cláudio questiona, mas os dois não demonstram qualquer hesitação.

— Querem saber? Vocês não nos enganam, alguma coisa tá muito errada aqui, vamos contestar esse testamento. — Larissa esbraveja, arrancando de André um suspiro.

— Como quiserem — profere André, já caminhando para a porta — até logo, Gaya.

— Até mais, Gaya. — Daniel segue os passos do irmão, sem dar atenção para Cláudio e Larissa,  meu marido se exalta.

— Hei, vocês não podem ir embora assim, sem dizer nada. — Cláudio grita, mas continua sendo ignorado.

Ele ainda tenta ir atrás, mas eu o seguro pelo braço.

— Deixa eles irem, amor. Vamos conversar com os advogados e resolver civilizadamente.

— Isso tá me cheirando a armação. — ele diz e retoma a concentração no Celular.

Larissa volta a atenção para mim, me olhando com escárnio e tocando meu braço de leve.

— Bom, acho que você deve estar ainda mais chateada do que eu, não é mesmo, maninha?

— Vou deixar para os advogados responderem. — afirmo e tomo certa distância dela — Se estiver tudo dentro da legalidade, se essa era a vontade de nosso pai, vou respeitar. — concluo.

Minha irmã teima em me perseguir, voltando a pôr a mão no meu ombro, mantendo um sorriso sarcástico nos lábios.

— Mas você não está chateada? Afinal, sempre foi a filhinha dedicada e o papai nem confiou em você para gerir os negócios. 

“Que inferno essa garota! Larissa sempre gostou de me levar ao limite da paciência.” — penso enquanto me afasto da falsa gentileza de seu toque, fecho as mãos em punho e mordo o lábio inferior, contendo o ímpeto de explodir a mão na cara dela, como fiz no dia em que nosso pai faleceu.

— Conteste o testamento, vá para o inferno, faça o que quiser, Larissa. — me exalto e ela dá uma risada diabólica — Papai deve ter tido os motivos dele, mas isso não significa que ele não me amava. Foi você quem nunca me aceitou como membro da família, então me deixa em paz. 

— Histérica e dramática como sempre. — ela ri, cínica — Vê se acalma tua esposa, cunhadinho. — ela provoca antes de sair batendo os saltos finos no porcelanato. 

Assim que Larissa some do meu campo de visão, faço a volta na mesa e paro ao lado do meu marido.

— Cláudio, o que você acha de tudo isso? 

— Não sei — responde sem tirar os olhos do telefone — fiquei surpreso, não entendo seu pai ter deixado metade de tudo para aqueles dois, precisamos investigar. — pontua — mas confesso que estou feliz por aquele velho sacana ter confiado a presidência a mim, afinal, sou o homem da família agora.

Sigo ele para fora da sala de reuniões e repudio sua fala.

— Isso é tão sexista da sua parte. 

— Ah, não seja dramática, mulher, vá pra casa e esquece isso, deixa que eu resolvo tudo com nosso advogados — ordena, colocando o celular no bolso e chamando o elevador — Tenho muito trabalho e você precisa relaxar, fazer repouso ou seja lá o que se faz no seu estado.

Estreito os olhos para o comentário, afinal, não comentei com ele que iria ao médico, nem contei sobre a gestação.

Sem se importar com meu olhar questionador, Cláudio dá o assunto por encerrado e caminha para a sala da presidência.

“Ele nem ao menos se despediu. Não posso ir embora com isso entalado na garganta.”

O sigo até a imponente sala que foi por anos ocupada pelo meu pai e fecho a porta atrás de mim.

— Por que acha que preciso de repouso? De que estado você tá falando? — questiono.

Cláudio, se vira bufando e fita meus olhos com cara de contrariado.

— Bom, você foi ao médico hoje, uma das empregadas comentou com sua irmã que você anda enjoada e vomitando. Suponho que finalmente teremos um herdeiro, não?

A decepção esmaga meu peito, a reação de meu marido ao revelar a desconfiança sobre uma possível gravidez não condiz com a alegria que eu imaginei que seria demonstrada por ele ao receber a notícia.

— Você… você desconfiava e não me disse nada? Como sabe que fui ao médico se eu não avisei ninguém? 

— Em primeiro lugar, eu sei tudo que se passa naquela casa. — fala, exalando confiança ao ocupar a cadeira que pertence ao cargo mais alto da empresa — Além do mais, conheço você, não esqueça que estamos juntos há algum tempo — conclui, desviando a atenção para a tela do computador.

A rigidez emocional de Cláudio, aliada ao comportamento austero, me deixa completamente atordoada.

— E é assim que você reage com a possibilidade de ser pai? — questiono com a voz embargada.

— Olha, Gaya, queremos um filho desde que nos casamos, não queremos? — Ergue os olhos para me fitar por uma fração de segundo e volta a encarar o monitor — Se ele está a caminho, que bom, fico feliz. O que mais quer que eu faça?

— Que não seja um escroto? — falo com fúria — Que reaja como a maioria dos homens que esperam ansiosamente pela paternidade, demonstrando o mínimo de alegria? — disparo, tendo o ar preso na garganta e as vistas embaçadas pelas lágrimas.

—Ah, vá pra casa antes que eu perca a paciência — determina com furor — E nem tenta ser aquelas grávidas chatas, que usam a gestação pra conseguir o que quer, comigo não cola. 

Observo seu perfil, alheio aos meus sentimentos, e desejo trazê-lo de volta para mim, para o nosso relacionamento de amor e cumplicidade do qual sempre me orgulhei.

— Cláudio, o que está acontecendo com você? Sempre fomos amigos, unidos, mas faz um tempo que não te reconheço mais.

— Aconteceu que me cansei das suas chatices. — responde alterado, batendo com os punhos na mesa, me fazendo dar um passo para trás — Você é uma mimada, toda certinha, cheia de regras, que sempre teve o que quer, acha que tudo tem que ser conforme a sua vontade, mas eu não sou seu pai, não vou paparicar você. 

Estou em choque pelas palavras duras que acabo de ouvir, nunca imaginei que Cláudio me visse dessa maneira, por isso fico sem reação, só consigo pensar que o homem à minha frente não é o mesmo com quem me casei.

— Agora vá, não tenho o dia todo — ele fala praticamente gritando, levanta, contorna a mesa e me empurra em direção à porta.

Decepcionada, cansada e com raiva demais para discutir, fecho os olhos e solto o ar que estava prendendo. Uma lágrima solitária escapa e desce pelo meu rosto, no entanto, não permito que ele veja.

“Não posso acreditar que estou sendo praticamente expulsa por meu marido, da empresa da minha família, mas em casa vamos conversar com calma, tem que haver uma boa explicação pra essas atitudes.”

Entro no elevador e continuo os exercícios respiratórios que me ajudam a me acalmar.  

“Muita coisa está acontecendo ao mesmo tempo para eu assimilar. A gestação, o testamento estranho, a mudança de comportamento de Cláudio…. Preciso tomar uma ar ou minha cabeça vai explodir” — penso enquanto a caixa metálica vai passando pelos andares.

Por instinto, levo a mão ao meu ventre, penso no meu filho e no quanto ele já é muito amado e desejado por mim.

Dentro do carro, à caminho de casa, me sinto sufocada, preciso de um tempo para pôr os pensamentos em ordem.

Peço ao meu motorista que pare o carro e me deixe na próxima esquina. Obediente, ele faz o que peço. 

Eu aguardo o sinal verde para pedestres e atravesso um dos lados da grande avenida que costeia o parque central da cidade enquanto tento coordenar a enxurrada de emoções deste dia estranho e exaustivo. 

Um nó se forma em minha garganta ao reprimir as lágrimas que ardem meus olhos, querendo escapar.

“Nunca fui de chorar em público, nem quando era pequena, não vou começar agora.” 

O som estridente de buzinas e a freada brusca de um carro me arrancam dos meus pensamentos. Olho rapidamente para o lado, nesse instante o meu cérebro congela e o mundo fica completamente em silêncio.

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