CAPÍTULO 5 - PRISIONEIRA

***Gaya Matarazzo***

Horrorizada por tudo que acabei de escutar, não posso mais conter a raiva e a repulsa por Cláudio e Larissa. Eu escancaro a porta do quarto, os fazendo saltar da cama com o estrondo da madeira batendo contra a parede.

— Gaya! — Cláudio profere meu nome com surpresa.

Larissa, apesar do susto inicial, não demonstra nenhuma reação. Ela permanece deitada, apenas cobrindo as partes íntimas com o lençol.

— Como vocês puderam fazer isso com papai, comigo? Vocês são desprezíveis. — cuspo as palavras e uma lágrima solitária escapa, sem que eu consiga evitar.

Meu marido veste apenas a cueca e se levanta lentamente. Sem demonstrar arrependimento, ele caminha em minha direção e dou um passo cambaleante para trás, a fim de evitar contato.

— Não me toque com essas mãos imundas. — grito e ele para onde está.

— Ei, não grite — Cláudio repreende entre dentes — Os empregados podem ouvir e não queremos escândalo.

Por um instante pensei que Cláudio estivesse preocupado com meus sentimentos ou que ao menos tentaria justificar o injustificável, na busca inútil pelo meu perdão, mas me enganei.

— O quê? Você tá mais preocupado com os empregados? — grito ainda mais alto e ele aperta as mãos em punho ao lado do corpo — Se quisesse evitar escândalos, não estaria me traindo com minha irmã, dentro da casa onde moramos, no quarto que foi de meus pais.

— Ok. Quer gritar, grite, vamos acabar logo com isso — ele esbraveja e sinto seus olhos negros me perfurando.

— Só, por favor, não subestime a minha inteligência, não me venha com aqueles discursos prontos do tipo: "Não é isso que você está pensando" — advirto

— Eu não vou dizer nada disso — fala, irritado — O que quero que saiba é… eu amo a sua irmã, satisfeita?

Nada me preparou para uma declaração como essa, a sangue-frio. Meu queixo vai ao chão e volta, feito ioiô.

— Larissa e eu nos apaixonamos, não foi planejado, mas já faz algum tempo. Estamos juntos e eu ia te contar, só estava esperando o momento certo.

— Como é? Momento certo? — Seu discurso sem fundamento me faz soltar uma risada nervosa. — É sério isso? Momento certo pra revelar uma traição?

Cláudio vacila por um instante, perturbado pela minha reação, mas logo volta a ter o senho franzido, me encarando sem culpa.

— Bom, Lari e eu tínhamos planos… — ele começa a se explicar, mas estico a mão num gesto que diz que não quero ouvir.

Cada palavra que sai da boca dele é como uma facada que penetra fundo em meu peito.

— Por que, Cláudio? Quando eu deixei de ser suficiente pra você?

Sei que é uma pergunta idiota, pois toda a situação em si já é humilhante demais, mas saiu sem pensar.

— Ah, essa eu posso responder — Larissa se agita na cama, ficando de joelhos sobre ela, segurando o lençol sobre os seios desnudos — Você é muito sem graça, maninha. Cláudio gosta de fogo, de uma relação apimentada, intensa, se é que você me entende.

Ela sorri, se divertindo com a minha dor, se sentindo vitoriosa. Olho dela para Cláudio, que se mantém em pé à minha frente, com expressão impassível.

— Olha pra você, Gaya. Sempre com essas roupas de cor neutra, sóbria demais, nem parece ter apenas 25 anos, se veste como uma velha — ela continua — Seu cabelo, olha pra ele, nem é liso natural. Tem que se esforçar para ficar bonita, já eu… bom, a natureza foi generosa comigo, então…

Enquanto Larissa continua destilando veneno com suas colocações descabidas, meus olhos estão no homem que pensei me amar nesses últimos 4 anos.

Cláudio e eu nos conhecemos na faculdade, durante um ano ele me cercou, conquistou minha amizade e por fim meu coração. Namoramos por mais um ano e assim que me formei, nos casamos.

Éramos amigos acima de qualquer coisa, ele era o meu porto seguro. Desisti da carreira ao lado de meu pai, pois Cláudio me convenceu a ter filhos primeiro, nós estávamos ansiosos por formar logo nossa própria família. Contudo, a gravidez não aconteceu tão rápido quanto imaginávamos.

Agora, olhando para esse ser na minha frente, sinto como se tivesse jogado no lixo uma parte da minha vida. Estes pensamentos passam por mim, como se alguém me acertasse um golpe no estômago e minha cabeça gira de tal forma que preciso me amparar em uma cômoda para me manter de pé.

— Vocês são dois monstros, eu escutei tudo — falo em um fiapo de voz — Provocaram a morte de papai e planejam tirar meu filho de mim. Mas isso não vai acontecer, estão me ouvindo? Não sou tão idiota quanto pareço.

Ainda me sentindo tonta, reúno os últimos resquícios de força para sair desse ambiente tóxico.

Me viro para deixar o quarto, mas com passos largos, Cláudio, que no último minuto se manteve calado e pensativo, intercepta o meu caminho rapidamente, lançando contra mim um olhar determinado, que me faz engolir em seco.

— Você não vai a lugar algum, tá entendendo?

Com uma das mãos ele me segura e tenho vontade de vomitar. A ânsia só não é maior que a dor provocada pelo aperto firme dele em meu braço. Com a outra mão livre, Cláudio pressiona meu maxilar de tal forma que acabo mordendo a língua.

Ele é alguns bons centímetros mais alto do que eu, tem uma estrutura óssea bem maior, além de praticar várias atividades físicas que lhe dão grande vantagem em relação a mim. Mesmo que eu tente, não consigo me livrar do seu agarre.

— Minha doce esposa não vai abrir essa boquinha linda pra ninguém, não é mesmo? Se isso acontecer, sofrerá as consequências e o nosso filho também, ouviu bem? — ele me olha de um jeito que me faz temer pela minha vida e do meu filho.

"Ainda que o bebê esteja protegido dentro de mim, ele está em desenvolvimento. Não quero acreditar que Cláudio faria algo pra prejudicar o próprio filho, mas esse homem na minha frente eu não reconheço, não posso me arriscar.” — penso enquanto os meus olhos percorrem a porta e o corredor, traçando um plano de fuga.

Pelo canto do olho vejo Beta, a nossa governanta. Ela espia de longe, com cara de apavorada, mas não quero que ela vire alvo desses dois, já não sei mais do que eles são capazes. Então, do jeito que dá faço sinal para que saia dali.

Não tenho tempo de saber se ela entendeu, pois como se já não bastasse a dor causada por Cláudio, Larissa, que até agora se manteve na cama, salta e para ao meu lado, puxando com força meus cabelos.

— Ouviu bem, maninha? Colabora, ou não terá tempo de ver o lindo rostinho do seu rebento — ela ameaça com o tom de voz irônico — Até porque, você só vai permanecer viva por causa dele, por mim daria um fim nessa sua vida patética e me tornaria a única herdeira da fortuna Matarazzo — conclui.

Meu couro cabeludo arde e minha cabeça vai em um solavanco para trás com o puxão que ela dá antes de me soltar.

— Se abrir o bico, vou te internar num sanatório e te deixo mofar lá pro resto da vida. — sentencia Cláudio, jogando-me com força sobre a cama.

A dor física é mínima se comparada à dor que me dilacera por dentro.

Enquanto isso, meu marido pouco se importar de ter me ferido física e moralmente.

Nesse instante me pergunto quando foi que a minha vida saiu dos trilhos deste jeito. Nunca fomos o casal perfeito, tínhamos nossas desavenças, mas sempre acabávamos nos entendendo. Planejamos envelhecer juntos, com a casa cheia de filhos e netos. Estive tão cega de amor que não enxerguei quando meu mundo começou a ruir.

— Vamos acertar umas coisinhas antes de sair daqui. — diz ele, puxando uma poltrona para perto da cama e me fazendo sentar de frente para ele.

— Eu gostei da ideia de colocar ela no sanatório, seria ótimo, assim não preciso ficar olhando pra cara da songamonga enquanto espera essa cria nascer — afirma minha irmã ao sentar-se no braço da poltrona onde Cláudio está.

— Gaya não vai a lugar algum — avisa ele, dando a Larissa um olhar de advertência e depois se virando para mim — Você vai esperar nosso filho nascer aqui mesmo, eu vou acompanhar de perto cada passo seu, nem pense em bancar a espertinha. Será vigiada 24 horas, não fará ligações ou atenderá o telefone sem supervisão. Suas consultas serão agendadas pela minha secretária e se eu não puder acompanhá-la, Larissa irá com você.

— Por que está fazendo isso, Cláudio? Você acabou de confessar que não me ama, me deixa ir embora com meu filho e eu jamais vou abrir a boca pra falar sobre o que ouvi hoje, só me deixe ficar com ele, por favor. — imploro com a voz trêmula.

— Acha que sou algum idiota, Gaya? Na primeira oportunidade você faz uma denúncia e foge com meu filho. Além disso, eu quero essa criança.

— Por favor, Cláudio, deixa meu filho fora disso, é seu filho, não deve querer que ele sofra — minha voz sai mais alterada do que planejei e eu luto para não ceder à vontade de chorar.

—Garanto que ele ficará bem, nada faltará ao meu herdeiro — afirma categórico — Além disso, continuamos casados, ao menos até o bebê nascer.

A frieza de Cláudio me deixa perplexa, nem de longe se parece o homem com quem dividi a vida por 3 anos.

Larissa é ainda pior, pois foi capaz de atentar contra a vida do próprio pai. O sorriso vitorioso estampado nos seus lábios só aumenta a repulsa que os dois despertam em mim.

— E você, Larissa, como teve coragem de matar seu próprio pai? Não sente nenhum remorso?

Ela se empertiga, rosto rosto se transforma em uma careta de insatisfação.

— Ele nunca me amou. Desde que te trouxe pra essa casa, só tinha olhos para a meiga, doce e queridinha, Gaya . — fala com rancor — E não venha fingir que se importa, afinal, você nem é filha dele de verdade, é só uma enjeitada que ele fez o favor de tirar do orfanato.

As palavras dela ativam um gatilho. Saber que fui rejeitada pelos meus pais biológicos no segundo em que eu nasci, deixou marcas profundas em mim e Larissa sabe bem disso. Sendo assim, em toda a oportunidade que tem, ela usa essa informação como arma para me desestabilizar totalmente.

Desisto de lutar contra os cristais de lágrimas que escorrem desenfreados pelo meu rosto. Quem sabe elas lavem um pouco a dor que está me consumindo.

— Chega desse drama mexicano — declara Cláudio ao se levantar num rompante.

Ainda sentada na cama, meus olhos se embaçam ao vê-lo puxar Larissa para perto, abraçá-la e depositar um beijo apaixonado em seus lábios.

— Acho que no fim das contas foi melhor assim, agora estamos esclarecidos sobre tudo. Lari e eu não precisaremos mais nos esconder. Sem pudor, ele a beija intensamente, bem na minha frente. Nunca me senti tão humilhada e pior, não encontro forças para reagir.

Nãna Nascimento

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