capítulo 2 Ana Karvat

Você não pode ter sempre o que quer

Mas se você tentar algumas vezes, sim.

Você encontra o que precisa!”

Toquei o interfone do edifício localizado na zona nobre de Porto

Alegre, pressionando o 707. Olhei ao redor, tentando avistar algum rosto

conhecido. "Será que ela não está?", pensei, vasculhando a bolsa

tentando encontrar meu celular.

— Sim? — respondeu a voz familiar pelo interfone.

— Professora? Sou eu, Ana.

Ouvi um som metálico e, em seguida, o portão foi destrancado,

empurrei-o com o corpo enquanto puxava a mala. O saguão era amplo e

um porteiro estava ao lado do elevador. O homem careca devia ter quase

sessenta anos enquanto linhas de expressão marcavam seu sorriso.

Vestia uma camisa branca e calça social escura.

— Boa noite, senhorita. Deixe-me ajudá-la com a bagagem.

— Obrigada, mas não é necessário. — Não olhe os homens nos

olhos por muito tempo, eles acharão que está se insinuando. Quanto menos contato, melhor. O senhor tem grandes planos para você, não deixe que o demônio a tente.

A voz de minha mãe me veio à memória,

causando um arrepio. — Estou aqui a convite da professora Laura Hoffmann — expliquei olhando para baixo.

Ele olhou-me com uma expressão estranha, apertando o botão do

elevador e mantendo-se em silêncio. As portas metálicas se abriram.

Entrei e arrastei a mala comigo.

— Obrigada — respondi. Apertei o botão indicando o número sete.

As portas se fecharam, deixando-me aliviada por evitar conversas

desnecessárias.

Senti um frio na barriga. Era a primeira vez que eu andava de

elevador, mas já havia visto em filmes na escola. Olhei-me no espelho que

ia do chão ao teto, arrumei meus cabelos castanhos, passei a mão

tentando tirar o volume, meu rosto estava pálido, a pele demasiadamente

branca. Maquiagem é falsa, tem de estar feliz com o que Deus lhe deu,

nada de ficar se rebocando para parecer uma mulher da vida. A voz de

mamãe ecoou, mais uma vez, em minha mente.

As portas se abriram e Laura me aguardava segurando um filhote

da raça beagle no colo.

— Boa noite! Como foi a viagem?

— Tranquila, vim lendo sobre sua última pesquisa...

— Vamos entrar, assim você pode se acomodar. Estou preparando

a janta, aí você me conta sobre suas impressões — interrompeu-me a

professora.

Obedeci e a segui, entrando no apartamento perfeitamente organizado. A ampla sala exibia uma respeitável biblioteca, que instantaneamente atraiu minha atenção. Deixei a pesada mala ao lado do sofá e sentei-me, afundando nas macias e confortáveis almofadas

vermelhas.

— Pode se instalar no quarto no final do corredor, há uma cama de

solteiro e uma cômoda onde poderá guardar seus pertences. Vou à

cozinha ver como está o andamento do jantar. Hoje, minha colega virá

jantar conosco, assim nós podemos conversar melhor.

Em silêncio, assenti com a cabeça. Estava encantada com tudo

aquilo e muito nervosa, não queria desapontar de modo algum toda a

confiança depositada em mim.

— Vou me trocar e já te ajudo a terminar o jantar — respondi em

voz baixa.

Laura sorriu e deixou o filhote no sofá.

— Ok.

Em meu quarto, abri a mala, pus sobre a cama uma pilha com

quatro calças jeans, duas claras, com lavagem surrada e outras duas mais

escuras, a outra pilha era composta por mais quatro baby looks, sem

estampa: branca, preta, azul-celeste e verde-limão. Pendurei uma jaqueta

jeans no cabide na maçaneta, e por fim, uma pequena caixa com roupas

íntimas. Guardei na cômoda meus pertences e pus a Bíblia que a mamãe

me deu debaixo do travesseiro.

A campainha soou e fui até a sala de estar. Laura cumprimentava a

jovem que estava com um prato de bolo na mão.

— Ah, vocês chegaram cedo, e ainda trouxeram a sobremesa. Entrem, por favor. Essa é a Ana, a jovem que lhe falei. Bárbara irá nos

acompanhar em nossa pesquisa.

Bárbara vestia uma saia floral e uma regata lisa, branca, o tom de

sua sapatilha combinava perfeitamente com a saia. Seus cabelos

castanho-claros estavam presos em um coque levemente despenteado. A

sombra marrom realçou o verde de seus olhos e nos lábios havia um

simples brilho labial. "Difícil imaginar uma jovem tão bonita como ela,

trabalhando como química", pensei com vergonha de estar usando um

jeans branco e uma baby look preta.

— Prazer! Sou Bárbara — disse ela, sorrindo. — E esse é meu

noivo, Marcos.

— Boa noite — cumprimentou ele.

Sem perceber, prendi a respiração. Estiquei a mão direita e

cumprimentei Bárbara, em seguida apertei a mão de Marcos e tive a

estranha sensação de que antes de elas se tocarem, ele havia me dado

um choque, mas, é claro, que aquilo era apenas meu cérebro me

pregando uma peça, o rápido contato foi o suficiente para que meus

pelinhos da nuca se arrepiassem. Logo, desviei o olhar e afastei-me.

— Essa é a minha sobrinha, Miriam, ela está passando uma

temporada conosco, minha irmã está terminando uma pesquisa em

Galápagos e para que Mimi não perdesse muitas aulas, ficou com a

gente.

— Oi — a menina cumprimentou.

Marcos media cerca de um metro e noventa, cabelos cacheados

negros, usava barba bem feita, porte elegante. Lembrei-me de um ator

que interpretou Rei Artur, filme exibido em uma aula de História, mas com

certeza ele era mais bonito.

— Barbie e Ana, podem colocar a mesa. Os pratos e copos estão naquele aparador, e os talheres na gaveta. Marcos, se quiser ligar a televisão e assistir algo com a Mimi fique à vontade — explicou Laura,

apontando para o aparador próximo à mesa de jantar.

A mesa estava farta, repleta de comidas das quais eu jamais havia

provado antes, o prato principal no centro, uma travessa de salmão com

batatas grelhadas, pequenas rodelas de limão amarelo cercavam o peixe,

saladas verdes e um arroz à grega, decorado com pequenas flores feitas

com tomate-cereja.

— Hum... parece estar delicioso — elogiou Barbie.

Todos se sentaram e Marcos sentou ao lado da noiva, de frente

para mim e Mimi. Laura sentou por último, na ponta da mesa.

— Sirvam-se, sem cerimônia.

Fechei os olhos por alguns segundos e agradeci: "Obrigada,

Senhor, por esta refeição", mas ao terminar, notei que ele me encarava.

— Você estava orando? — perguntou curioso, enquanto servia uma

fatia do salmão.

"Isso é pergunta que se faça?!", pensei, constrangida.

— Sim — respondi em voz baixa.

— Ana mora no interior. Se formou com honras no Instituto Federal,

a melhor durante quatro anos consecutivos. Recebi o currículo pela

diretora quando falei que estava à procura de químicos talentosos para

nosso projeto — explicou Laura, servindo quatro taças de vinho.

Senti meu estômago embrulhar, estava desconfortável com a

situação, podia senti-lo me analisando.

— Sou teólogo e, atualmente, trabalho em uma tese sobre as manifestações do Divino. Por isso, a forma como orou me chamou a atenção — disse, após beber um gole de vinho. — Não quis constrangê-

la.

— Tudo bem. Não tenho vergonha de minhas crenças — respondi,

bebendo meu vinho de uma única vez.

O tilintar dos talheres e o silêncio à mesa foi quebrado por Barbie.

— Se tudo der errado, deixaremos o laboratório e abriremos um

restaurante! Seu tempero é perfeito. Simplesmente divino — elogiou

Barbie. — Espero que a sobremesa esteja à altura.

Laura sorriu orgulhosa de seu feito. Estava com quase cinquenta

anos, seus cabelos grisalhos na altura dos ombros, pele clara e olhos

azuis intensos. Dizia que cozinhar era sua segunda paixão, mas a

Química sempre veio em primeiro lugar.

— Fosfoetanolamina é um composto que estamos desenvolvendo

há alguns anos para a cura do câncer. O problema é que a P&P, de

Pipermen, está empacando o processo e dificultando nossos avanços. Já

obtivemos resultados impressionantes com vários pacientes. Não

podemos ceder, isso vai revolucionar e enfurecer as indústrias

farmacêuticas...

— Isso é sensacional! Em quantos pacientes foram testados? —

indagou excitada.

— Mais de cem — respondeu Barbie. — E os comprimidos tem o

custo muito barato, ficam em torno de sessenta centavos.

Aquela era a primeira vez que eu havia bebido vinho, suave e doce,

uma única taça havia sido suficiente para deixar minha visão turva e meus

movimentos lentos. Podia sentir um calor febril no rosto. Não, você não podia ter bebido, alcoólatra! A voz de minha mãe perturbando-me mais uma vez. Barbie e Laura foram até a cozinha buscar os pratos para a sobremesa, Mimi estava dormindo sentada, então Marcos levantou-se e a pegou no colo, acomodando a pequena no sofá. Eu não consegui desviar o olhar, acompanhando cada movimento.

— Tudo bem? — indagou ele com um sorriso, exibindo dentes

perfeitamente alinhados. Sim, ele havia percebido que eu o seguia com o

olhar.

— Sim. — Ana, você está doida, pare de ser oferecida, ele é

casado, e se está retribuindo seu atrevimento é porque não presta. Você

vai arder, não poderei salvá-la! — Cale a boca — sussurrei sem perceber.

Marcos agora estava ao meu lado e pôs a mão em meu ombro. Eu

podia sentir seu perfume cítrico. Inebriante.

— O que você disse?

— Nada. Vamos tirar a mesa? — Fiquei de pé, sentia-me um pouco

tonta, queria desviar o olhar, mas inexplicavelmente eu continuava ali,

admirando-o. A diferença de altura entre nós era grande, pouco mais de

vinte centímetros. — Acho que estou um pouco...

Estava prestes a perder o equilíbrio, então escorei-me em Marcos,

apoiando as mãos em seu peito. "Vai arder", pensava, atordoada. "Ele é

tão quente... Ah, eu vou arder, com certeza".

— Arder... — sussurrei.

— Acho que o vinho te pegou de jeito — respondeu ele agarrando-

me pelos braços, divertindo-se com a situação. — Vou te levar para o

quarto para que possa se recuperar, ok?

Marcos envolveu seu braço forte pela minha cintura e passou meu

braço por seu pescoço, acompanhando-me até o quarto.

— Por que você é tão quente? — indaguei com a voz lenta,

enquanto ele me deitava na cama.

Ele não respondeu, limitou-se a sorrir, então sentou ao meu lado e

acariciou meu rosto. Deslizou os dedos pelo contorno dos meus lábios.

— O que você está fazendo?

Ele seguiu, com o indicador deslizando por meu rosto, tocando o

queixo, percorrendo o pescoço até chegar em meu peito. Eu tremia com a

intensidade de seu toque, à medida que ia descendo, me excitando como

jamais havia sentido, uma pressão angustiante, um desejo de ser

completa.

— Eu quero — sussurrei, quase delirante.

Marcos tirou a camisa, deixando à mostra sua pele morena clara e

os músculos bem definidos. Aproximou o rosto o suficiente para que eu

sentisse a barba roçando em minha pele. Os batimentos estavam

acelerados e de uma forma que jamais sentira, eles pulsavam em lugares

diferentes do peito, na verdade, bem distantes do lugar de costume.

As carícias tornaram-se mais intensas e arrebatadoras.

Seu toque firme explorando-me, chegou a minha barriga.

— Perfeita — ele sussurrou com voz grave.

— Não aguento mais — implorei, enlouquecida enquanto ele beijava próximo ao meu umbigo.

Mas eu ansiava por mais, ser preenchida por completo, precisava sentir o peso do corpo dele sobre o meu, o queria por inteiro. Sentia a umidade aumentar! Agora! — implorei mais uma vez.

Batidas na porta do quarto me tiraram de meu sonho delirante, abri

os olhos, estava sozinha em meu pequeno quarto, banhada em suor.

"Foi só um sonho!"

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