Parece que hoje é o dia dos contratempos e tropeços. Primeiro, nada sai como o esperado nos negócios e, quando chego em casa, me deparo com aquela visão perturbadora da Brenda na piscina. Logo em seguida, minha mulher resolve se acidentar dentro da própria casa.
Será que é pedir muito que use calçados antiderrapantes nessa m*****a mansão? Será que ela não percebe que já é uma mulher de idade avançada e que acidentes domésticos podem acontecer a qualquer momento? Porca puttana! (Que merda!) O que não somos capazes de fazer para manter um padrão de vida digno e evitar que nossa família se envolva em um escândalo? Literalmente, somos capazes de tudo, até mesmo casar com uma mulher como Carmen Montreal. Subo os degraus da escada e não consigo tirar aquela imagem da minha cabeça. Como uma mulher pode ser tão linda quanto Brenda? Chega a ser pecado uma perfeição dessas existir no mundo. O mais incrível é que nunca soube que tenha tido um romance com alguém. Isso é muito estranho, pois uma mulher como ela certamente deve ter milhares de pretendentes. Mas talvez tenha alguém especial, e por isso nunca nos apresentou ninguém. Porém, sou um homem casado, e nada disso me diz respeito. Já tenho problemas demais na minha vida para me meter ou procurar por outros ainda maiores, como me interessar por outra mulher. Especialmente uma como Brenda. Para agravar ainda mais a situação, ela mora na mesma casa que minha esposa, que me atormenta a todo instante para pôr um fim nisso. Nada é o que parece ser, muito menos tão fácil e prático como Carmen imagina. O testamento do velho Vicente é legítimo, e seria praticamente impossível anulá-lo, ainda mais por ele ter assinado corretamente e diante de duas testemunhas. Isso complica muito a situação, e com certeza Carmen, ao saber, tentará criar uma guerra para tentar desfazer. Mas será a última vontade do pai dela que prevalecerá, gostando ou não. Termino de subir a escada e chego ao quarto onde Carmen dorme. Saio dos meus pensamentos com a voz de João, dizendo que precisava se ausentar para resolver alguns assuntos pendentes sobre a festa de logo mais à noite. Ainda tem essa história de festa, que infelizmente não posso cancelar. Dou permissão para ele se retirar e volto a olhar para Carmen. Ela está deitada em sua cama e, aparentemente, parece estar tudo bem. Sua respiração é tranquila e, ao me aproximar, noto que seus cabelos estão um pouco sujos de sangue, consequência da queda. Somos casados há quase vinte anos, mas nunca dormimos sequer um único dia no mesmo quarto. Isso por decisão da própria Carmen. Eu sempre acordo às seis da manhã para fazer meus exercícios e logo em seguida trabalhar. Ela, por outro lado, sempre gostou de dormir tarde e acordar mais tarde ainda. Para evitar problemas conjugais, dormimos em quartos separados. O que, para mim, sempre foi um grande privilégio, já que nunca precisei dar satisfações sobre minha vida e muito menos sobre o que faço fora daqui. O que para alguns pode parecer estranho, para mim é um grande presente. Nunca tivemos relações sexuais frequentes e, de uns tempos para cá, raramente a procuro. Não sei explicar com exatidão o motivo desse nosso afastamento. No início, a procurava por obrigação, para cumprir meu papel de marido. Mas, com o tempo, ela passou a me evitar com desculpas. O tempo foi passando, e fui me acomodando à situação. Hoje, a vejo apenas como uma mera companheira, nada além disso. Sento na poltrona à sua frente e ali permaneço por algum tempo, pensando em tudo o que minha vida se tornou. Sempre fui um jovem alegre, de bem com a vida, preocupado apenas em concluir meus estudos para, logo em seguida, me casar com Nancy, minha única namorada — a única que Cristóvão, meu irmão gêmeo, não ousou tocar. Infelizmente, tudo o que era perfeito desmoronou logo após toda aquela tragédia e, para evitar um grande escândalo, me casei com Carmen. Somente hoje percebo a loucura que cometi ao satisfazer o desejo do meu pai. Mas, infelizmente, existem coisas em nossas vidas que não podem ser mudadas ou revertidas. E esse maldito casamento de fachada é uma delas. Permaneço pensativo entre meus fantasmas e demônios do passado, até que noto alguém se aproximando e movendo a maçaneta da porta de madeira branca. Olho e vejo que é meu irmão Cristóvão, trazendo consigo seu sarcasmo de sempre. — O que houve com ela, irmão? Pensei que, desta vez, finalmente tivesse tido coragem de agir e ficado viúvo. — Ele sorri, se divertindo com a situação. — Pare com as piadas, Cristóvão. Eu não a amo, mas também nunca desejaria sua morte. Não sou como você. — Falo num tom baixo. — Mas sabe que a morte dela lhe traria muitos benefícios, não é, irmãozinho? — Ele sorri. — As coisas não são tão simples como o padrinho e você pensam, irmão. Esqueceu do Jorge? — Digo quase num sussurro. — Aquele bastardinho de merda? Você sabe que daríamos um jeito rápido de desaparecer com ele, se você quisesse. Mas, como sempre, você é um frouxo. — Cristóvão afirma, e eu não posso negar. Realmente, nunca tive coragem de enfrentar meus problemas. Sempre preferi colocar as vontades dos outros à frente das minhas e, por essa razão, vivo nessa vida de merda até hoje. Tudo isso por medo de expor quem realmente sou. — Não tenho coragem de fazer isso, Cristóvão. Não sou um assassino, e você sabe muito bem disso. O que aconteceu com Nancy foi um acidente. — Caminho até a porta e a fecho para impedir que alguém nos ouça. — A única coisa que sei é que você sempre foi e sempre será um bunda-mole sentimental. Isso sim! Em vez de matar logo essa mulher e esse moleque ridículo, fica aí pagando de marido exemplar com esse sentimentalismo barato. Essa porra de sentimento fode com a nossa vida, irmão, e você sabe disso. — Ele diz, abrindo sua maleta e retirando o estetoscópio. — Dá um tempo, Cristóvão, e faz o teu serviço como médico da família. Para todos os efeitos, esse é o seu único papel nessa casa. E deixa que dos meus problemas cuido eu. — Me afasto até a janela. — E por falar em problemas, você está com um dos grandes, hein, irmão. — Ele começa a medir a pressão de Carmen enquanto me olha de relance. — Do que você está falando? — Pergunto, arqueando a sobrancelha. — Daquela empregada gostosa posando de patroa na tua piscina. Qual é? Está pegando? — Ele sorri, cínico. — Cala essa porra de boca. Respeita a Brenda, cara. Ela é filha da Tereza e é como se fosse membro desta família. — Filha da governanta e vocês tratam como se tivesse o mesmo sangue? Ah, conta outra, Gregório. Logo você, que sempre foi o maior pegador da nossa família, pagando de politicamente correto? — Ele fala com desdém, e isso me enfurece. — Cala essa boca, caralho! Quer que alguém ouça nossa conversa? Ninguém nunca soube do meu passado aqui, e assim tem que continuar, merda. — Falo enfurecido, segurando sua camisa. Ele ergue as mãos em rendição. — Beleza, irmãozinho! Mas que tua empregadinha é uma gostosa, isso ela é. Se der mole, traço ela sem pensar duas vezes. — Se você tocar na Brenda, esqueço que somos irmãos e te mato, filho da puta. — Digo, tomado pela fúria. — Ei, calma aí, irmãozinho. Já entendi. Você quer exclusividade com a ninfetinha, né? Tudo bem, sabe que não sou apegado a essas coisas… Cristóvão ri, mas algo nele me incomoda profundamente. E o pior? Nem sei exatamente o motivo.Gregório Montreal — Já te disse para não falar assim da Brenda, cara. Respeite a garota. Ela nunca teve nenhum namorado. — Eu o adverti. — Só falta me dizer que um mulherão daqueles é virgem. — Ele comenta surpreso. — Pode ser, cara. Nunca a vi com ninguém. Ela sempre estuda e volta direto para casa depois da faculdade. Quem sabe, realmente, ela... — Sou interrompido pela gargalhada do meu irmão. — Ah, não! Puta que pariu, Gregório. Se liga, irmãozinho! Já se deixou levar pela ninfeta? Onde que uma mulher daquelas ainda seria virgem? Você só pode estar delirando. No máximo, ela está procurando algum otário que caia na sua rede e a sustente pelo resto da vida. Ou será que ela já encontrou? — Ele me encara com malícia, e meu sangue ferve com a insinuação. — Termina logo esse serviço, porra! E para de encher minha paciência com essas merdas. Não é para isso que te pago todo mês! Falo, tomado pela raiva, enquanto me afasto e encosto na janela do quarto. Cristóvão continua seu trabal
Gregório MontrealAlgum tempo depoisPermaneço próximo a Carmen, tentando compreender o que está acontecendo. A justificativa de Cristóvão não me convence, e acredito que exista um motivo maior para ela estar agindo de maneira tão estranha.De repente, ouço batidas na porta. É Cristóvão, vindo buscar a maleta que esqueceu sobre a poltrona ao lado da cama de Carmen.Afasto-me um pouco e o puxo para perto da janela.— O que está acontecendo, Cristóvão? Por que ela está desse jeito? — murmuro, para que Carmen não ouça.— Deve ser uma consequência da pancada que sofreu. Mas só teremos um diagnóstico preciso depois de todos os exames — responde, sério.Fico pensativo.— Relaxa, Gregório. Quanto mais louca essa mulher estiver, melhor para você. Já pensou na possibilidade de essa velhota ser internada numa clínica psiquiátrica? O caminho ficaria livre para você.Fulmino Cristóvão com o olhar. Somos idênticos fisicamente, mas completamente diferentes em essência. Cristóvão é objetivo, desapeg
BrendaAs horas passam, e o dia ensolarado dá lugar a uma noite iluminada, simplesmente perfeita. Eu me debruço na janela do meu quarto, vestindo apenas um roupão branco de algodão, sem nada por baixo, e observo cada detalhe da minha festa de aniversário, que, por sinal, está impecável. Minha alegria e felicidade são evidentes. Esta é a primeira festa de aniversário de verdade que tenho em toda a minha vida. Desde que me conheço por gente, meus aniversários nunca passaram de um bolo de fubá em cima da mesa, com algumas velas que mais pareciam ter sido retiradas de um funeral ou do altar de uma igreja.Mas hoje tudo está diferente. Pouco a pouco, estou triunfando e conquistando tudo o que tanto desejo e, principalmente, mereço. Só falta ter ao meu lado o meu neném, mas isso muito em breve vou conseguir. Não demorará para essa caquética cair de uma só vez.Preciso ser habilidosa, inteligente, fria e, acima de tudo, paciente para alcançar o que quero.Com a ajuda do João, o meu escravo,
Brenda OrtizSaio do banheiro vestindo um roupão de algodão branco. Sento-me na minha cadeira acolchoada, que, pelo requinte e pelos detalhes em ouro, mais parece um trono de uma verdadeira rainha.De pé, diante do espelho, observo cada centímetro do meu corpo e admiro a perfeição em forma de mulher bem à minha frente. Logo em seguida, fecho os olhos e me entrego às mãos de Clóvis, meu cabeleireiro e o único a quem confiaria meus lindos cabelos sem hesitar.Encosto a cabeça na poltrona, e ele inicia seu trabalho.— Confio em você, Clóvis. Não me decepcione — digo, observando-o através do espelho.Ele sorri discretamente, segura meus cabelos e murmura:— Jamais decepcionaria uma beleza como a sua.Aproxima-se um pouco mais e, com cuidado, acrescenta:— Minha cara, é um privilégio cuidar de uma mulher tão bela e perfeita como você.Seguro sua mão e sorrio, agradecida pelo elogio.— Eu não esperava menos de um homem inteligente como você.Agora, de olhos fechados, me entrego às mãos dele
Gregório MontrealEstou checando minha arma para a porra da reunião de logo mais, quando, de repente, tenho uma visita inesperada no meu quarto.Sempre fui cauteloso, trancando a porta ao entrar e sair, mas, pelo que aconteceu com a Carmen hoje e com toda essa agitação por conta do aniversário da Brenda, acabo esquecendo. Agora me encontro nessa situação de merda, obrigado a dar satisfações a um fedelho como o Jorge, que, por sinal, se sente muito homem para me encarar com tamanha altivez.Termino o que estou fazendo e, por precaução, guardo a arma novamente no cofre.Continuo me arrumando para participar um pouco da comemoração, mesmo que seja apenas para marcar presença, porque não tenho animação ou motivo para festejar.Minha vontade é sumir desse lugar de uma vez, deixando toda essa gente de merda para trás. Mas, como sempre fui um sentimental do caralho, jamais teria coragem de fazer isso, principalmente depois de tudo o que aconteceu com a Carmen. Nunca a amei, mas, com o tempo,
Brenda OrtizAlguns instantes antes de sair do quartoTudo corre às mil maravilhas. Estou feliz, deslumbrante e simplesmente esplêndida, como deve ser no meu dia.Olho-me no espelho, admirando esta bela obra da natureza: eu. Fico encantada com o que vejo.Este corte de cabelo ficou perfeito, dando-me um ar mais ousado. Aquele cabelo longo deixava-me ingênua demais, e, até algum tempo atrás, isso tinha grande serventia. Mas agora meus planos são outros. Chega de esconder quem realmente sou. Meu momento de brilhar está próximo e, do jeito que estou, minha próxima vítima enlouquecerá diante dessa mudança.Borrifo algumas gotas de perfume francês no pescoço e nos pulsos, fazendo a fragrância se espalhar pelo meu corpo e deixando um aroma exótico e sensual.Admiro-me uma última vez diante do espelho e estou prestes a sair do quarto quando João, depois de acompanhar Clóvis até a saída, surpreende-me com uma ideia inesperada.— Por que não encontramos um jeito de o patrão ser o primeiro a ve
Brenda— Não? Como assim? — pergunto, intrigada, olhando para sua mão.— Chegou também este envelope timbrado. Aparentemente, tem algo além de uma mera carta, pois senti um certo peso ao pegá-lo. Vou deixar aqui em cima da cômoda caso deseje saber do que se trata — diz ele, colocando o envelope branco, tamanho A4, sobre a cômoda.— Tudo bem. Agora pode ir.João beija minha mão, como sempre faz, e sai do quarto, fechando a porta. Aproximo-me da cômoda onde ele deixou a correspondência e, ao segurá-la, sinto um aperto no peito. Ao ver o remetente, algumas lágrimas insistem em se formar, mas respiro fundo, impedindo que qualquer fagulha de sentimento se aposse dos meus pensamentos — e muito menos chegue próximo do meu coração.Sentimentos só servem para atrapalhar a vida. Em nenhum momento posso desviar do meu caminho ou dos meus objetivos: tornar-me uma mulher poderosa, impiedosa, altiva, temida e respeitada por todos. Portanto, essa merda de lembranças não me ajuda em absolutamente nad
Brenda OrtizOuvir Gregório me defender na frente de todos é como tocar o céu e voltar. E ver os olhares furiosos da minha mãe e de Jorge é a melhor parte.Para ser sincera, Gregório me pega de surpresa com essa atitude. Eu imaginava que ainda teria trabalho para chegar ao ponto de tê-lo me defendendo. Mas, para minha alegria, tudo está caminhando melhor do que o esperado. Pelo jeito como ele me olha e se aproxima, sei que já está mais do que fisgado. Meu corpo estremece, e um fogo me consome só de imaginar o seu junto ao meu.Descemos a escada e chegamos ao jardim, onde a festa em comemoração ao meu aniversário acontece.Várias mesas estão distribuídas pelo jardim sofisticado da mansão Montreal, todas cobertas por toalhas de cetim e cobre-manchas nas cores branca e bordô. As cadeiras acolchoadas trazem minhas iniciais bordadas na parte de trás.No centro do jardim, há uma pista de dança iluminada por refletores, luzes de LED e um canhão de fumaça. Um DJ toca diversos estilos musicais