Priscila
Ethan deu partida no carro, e em menos de cinco minutos estávamos no mirante. Essa é a parte mais alta da comunidade, e a construção da boate nesse local foi feita de forma estratégica. Ele liga o som do carro, e uma balada romântica de algum lugar que não reconheço começa a tocar.
— Prefere que eu abaixe os vidros do carro ou está tudo bem com o ar-condicionado ligado? — pergunta Ethan. Inicialmente, penso em dizer que não teria problema manter os vidros abertos, mas lembro que, mesmo com a diminuição dos crimes, ainda estamos em uma área considerada perigosa.
— Se não for incômodo para você, prefiro que deixe os vidros fechados — respondo, mantendo minha bolsinha junto ao peito. Meu celular vibra, e tiro-o da bolsa para conferir a mensagem de Bia.
"Miga, divirta-se com seu novo amigo e fique tranquila. Só vou embora quando você voltar. A festa está animada demais! Aproveite e tire as teias de aranha da sua boca."
Claro que ela tinha que terminar a mensagem zombando da minha cara. Apenas respondo que não vou demorar muito e que logo estarei de volta. Guardo o celular na minha bolsinha e, ao virar o rosto, dou um susto ao ver Ethan, o garoto que acabei de conhecer, brincando com um isqueiro. Meu primeiro pensamento é abrir a porta e sair correndo, mas lembro que eu disse que não tinha problema manter os vidros fechados.
— Não precisa fazer cara de assustada. Estou apenas brincando com o isqueiro. Confesso que deu vontade de fumar um cigarro, mas vou respeitar sua presença e só gosto de ficar olhando o fogo.
Ele responde, deixando-me tranquila. Quero dizer que suspirei aliviada, mas ainda estou nervosa.
— Você mora na comunidade ou em algum bairro perto daqui? — pergunta ele, colocando o isqueiro dentro do porta-luvas. Sinto o cheiro do perfume do xampu que ele usa, tão perto de mim que virei o rosto para o lado, tentando não mostrar o quanto estou nervosa.
— Então? — pergunta novamente.
— Eu sou moradora da comunidade. Minha amiga costuma frequentar a boate; eu não sou muito de sair de casa, e hoje foi uma exceção — confesso baixinho.
— Porra! Então sou bem sortudo. Eu moro do outro lado da cidade, só cheguei aqui porque o Miguel, o amigo que te falei, insistiu demais porque tinha umas paradas aqui que curte e pediu que eu viesse aqui buscar junto com ele.
Ao ouvir sua resposta e as "paradas" a que ele se refere, sei bem o que ele quer dizer.
— Fica tranquila, que eu fumo a erva só por vezes. Meu lance é cigarro mesmo, então não faz essa cara de assustada.
Ele diz, e minha expressão provavelmente entrega meu medo. Sei que muitos têm a visão de que a maioria dos jovens que moram em comunidades costumam aproveitar a vida além do permitido. Porém, eu faço parte da minoria, e drogas são algo que não quero na minha vida.
— Eu acho que é melhor a gente voltar. Logo a minha amiga vai querer ir embora, e eu não posso perder a carona.
Digo, tentando manter a voz o mais calma possível, mas o medo ainda está presente.
— Eu te disse que não vou te fazer mal algum, Priscila. E ficar aqui com você até que me deixou mais calmo. Aquele barulho todo, não estou acostumado. Na real, eu curto um som diferente daquele ali.
Responde ele, com um sorriso que consigo ver mesmo com pouca luz.
— O som do momento é o que você mais escuta na boate — eu respondo, tentando não rir ao olhar com mais detalhes para a roupa que ele usa.
— Você gosta de rock? Eu pergunto, apontando o dedo para o colar de caveira em prata.
— Bingo! Não tem como gostar de sertanejo usando roupa e acessórios assim — respondeu, encostando a cabeça no encosto do banco.
— Então, qual a sua idade?
Ele me pergunta.
— Fiz dezoito em março e você?
Faço a mesma pergunta.
— Pode parecer piada, mas eu tenho vinte e cinco anos — respondeu entre risos, e o acompanho sem acreditar que ele tem sete anos anos a mais que eu.
— Quando eu perguntei se você tinha idade suficiente, quis dizer que tipo, você tem aparência de novo demais para dirigir um carro caro desses.
Respondo sem filtro. Será que ele é algum ladrão de carros? Minha mente fértil começa a pensar demais.
— Não roubei o carro, se você pensou nisso — diz, tocando com a ponta do dedo o meu nariz.
— Não disse nada — rebati.
— Mas pensou. Só olhar para o seu rosto assustado.
Me respondeu.
Ficamos em silêncio, até que a voz de um cantor começa, e Ethan diz um palavrão ao ouvir a música tocando.
— Puta merda. Ozzy tocando no momento em que estou com uma garota que me interessou só pode ser o destino, mostrando que hoje é realmente o meu dia de sorte.
Ele começa a cantar com o tal Ozzy que eu nunca ouvi falar na minha vida. Não sou fluente em inglês, mas consigo entender algumas frases ditas e que música triste é essa? Penso ao ouvir o refrão.
I say goodbye to romance yeah
Eu disse adeus ao romance, yeah
Goodbye to friends I tell you
Adeus aos amigos, eu lhe digo
Goodbye to all the past
Adeus para todo o passado
I guess that we'll meet
Acho que nos encontraremos
We'll meet in the end
Nos encontraremos no fim
— Eu sou muito fã desse cara. Quando eu…
Ethan começa a falar, mas se cala.
— Quando você o quê?
Eu questiono.
— Quando ouvi pela primeira vez o Black Sabbath. Sabe que o cara que tá cantando era o líder dessa banda.
Não sei nem que banda ele se refere, mas não quero parecer uma idiota na frente dele.
— A letra é bonita, mas, ao mesmo tempo, é triste — confessei, e ele pergunta se eu tinha entendido.
— Claro que entendi. Não sei se você sabe, mas nas escolas públicas se ensina inglês. Posso não ser muito fluente, mas eu entendo um pouco sim.
Respondi rindo para ele.
A música parou, e logo uma nova começou. Ethan se mexe no banco do motorista, levantando sua mão para tocar a minha bochecha, e ao ouvir
And give me a sign
E me dê um sinal
Give me a kiss before you
Me dê um beijo antes de você
Tell me goodbye
Me dizer adeus
Tocando na rádio, sou pega de surpresa ao sentir os lábios dele nos meus. Ele me beijou sem pedir permissão, sem nem mesmo perguntar algo, e ao ter suas mãos segurando meu rosto com carinho, sua língua brincando com a minha, senti como se vivesse em um sonho. Nesta noite, não perdi a virgindade como a idiota da minha amiga falou, mas ganhei algo que ficaria marcado para sempre em mim. Conheci o amor, me apaixonei pela primeira vez e tive a primeira de tantas noites durante os trezentos e sessenta e cinco dias em que fiquei ao lado dele.
Priscila— Que dor de cabeça desgraçada — ouço Beatriz, reclamando deitada ao meu lado na cama, enquanto minha mente se encontra longe. Na verdade, meus pensamentos estão focados em uma pessoa específica. Será que ele vai ligar? Ou apenas fingiu anotar meu número porque eu deixei que me beijasse na noite passada? Como percebeu que eu não transaria de cara, fez toda cena de carinha legal para depois me dispensar? Priscila, como você é idiota e só pensa besteira.— Tá ouvindo o que estou falando? — Beatriz pergunta, batendo no meu ombro, tirando-me do mundo dos sonhos em que estou neste momento.— Que foi?— Alguém te comeu ontem à noite para ficar com essa cara de idiota?— Meu Deus, como você só abre a boca para ficar falando bobagens — retruquei, levantando da cama para pegar minhas coisas e voltar para minha casa. Conseguimos voltar cedo, bem, quero dizer que cedo é no sentido de entrar pela janela em casa antes das quatro da manhã.— Se ofendeu porque fiz uma pergunta normal. Tá es
PriscilaConfiro meu reflexo no espelho do banheiro do cursinho. Hoje, tenho sorte, pois minha mãe vai chegar bem mais tarde do trabalho. Ela é secretária em uma clínica médica popular na Zona Norte há mais de quinze anos, sendo o braço direito do dono e responsável pela parte administrativa do prédio onde ficam os outros consultórios. Terei tempo mais do que suficiente para encontrar com ele, sair para um passeio e depois pegar o ônibus das seis e meia, chegando em casa antes das oito.Passei o domingo ajudando na faxina de casa, ouvindo minha mãe reclamando. No finalzinho da tarde, Beatriz apareceu lá em casa, me convidando para comer um pastel. Na verdade, era uma desculpa esfarrapada; ela queria mesmo era saber com quem eu havia me encontrado. Perguntou tanto que acabei contando a verdade. Ela duvidou de mim, questionou o modelo do carro e a aparência de Ethan, até mesmo o nome dela achou falso, dizendo que não era comum no Brasil. Confesso que às vezes me sinto constrangida com a
PriscilaA sorveteria se encontra lotada de jovens, conversando. Fiquei indecisa em entrar, mas Ethan me tranquilizou ao dizer que tinha dinheiro suficiente para pagar a conta e que se eu estava com medo disso, era para ficar “de boa” como ele falou. Mais relaxada, acabei pedindo um banana split com bastante calda de morango, enquanto Ethan pediu somente um milkshake de morango e notei como ele olhava tudo ao redor com bastante atenção.— Então, linda, como foi o seu final de semana? Pensei em te ligar, mas não sabia se você estava ocupada em casa ou com alguém.Ethan diz. Ainda nervosa, com tudo que vem acontecendo, eu dei um sorriso sem graça para ele.— Fiquei auxiliando a minha mãe a limpar a nossa casa, depois passei a tarde na pastelaria com a minha melhor amiga.Contei, vendo um sorriso se formando em seus lábios. Ele me olhou com carinho e isso foi motivo para me deixar com vergonha.— Linda, você sempre fica vermelha igual um pimentão quando eu te encaro. Pode ficar despreocu
Priscila— Você tá esquisita e muito calada para o meu gosto.Bia e eu estamos em seu quarto, sentadas no chão, enquanto ela pinta as unhas do pé, eu leio o livro obrigatório do cursinho para o vestibular. Mesmo estando no começo do ano, ainda assim preciso focar cem por cento nos estudos.— Não tenho nada. Estou somente estudando e aguardando a chegada da mamãe.Respondi, voltando a atenção ao capítulo que estou lendo.— Engraçado, que você não parece que está apenas lendo. Ficou caladinha no jantar, mamãe te perguntava as coisas e você respondia numa má vontade. O que tá pegando, contigo? O gatinho da boate te dispensou, foi isso? Você se arrumou demais para estudar naquele seu cursinho chato. Conta a verdade para sua melhor amiga. O carinha com nome diferente, te deu um bolo e você agora está se sentindo péssima porque continua virgem aos dezoito.Bia, não cansa de tirar sarro de mim, por achar que fui descartado. Para que ela deixasse de encher o meu saco, decidi contar sobre o en
PriscilaSão Paulo amanheceu debaixo de chuva. Mamãe foi para o trabalho de táxi, pago pelo seu chefe, ou não iria conseguir chegar a tempo. A nossa rua não teve alagamento, entretanto a rua do ponto de ônibus se encontra interditada e dessa forma, não tenho como ir para o cursinho. Até pensei em pagar o táxi com as economias que tenho na minha poupança, porém se faço isso é capaz da mamãe engolir meu fígado por eu estar gastando dinheiro com bobagens. Voltando para casa, dou de cara com Beatriz virando a rua que dá para a parte central da comunidade.— Voltou cedo ou tá matando aula?Questionou. Bia, usava um short jeans curtinho, blusinha de alças e uma maquiagem forte no rosto e não eram duas horas da tarde.— A rua do ponto de ônibus está interditada e eu não consegui chegar a tempo, então decidi voltar para casa. Quando a mamãe chegar do trabalho, explico certinho. E aonde vai essa hora toda arrumada?Perguntei, vendo o sorriso no rosto dela.— Me encontrar com o Juninho. Mamãe n
PriscilaOlhava a roupa que escolhi, pela terceira vez, indecisa se realmente estou bem. Beatriz aqui, seria de grande ajuda, porém não posso falar sobre o meu encontro com Ethan e a sua avó. Optei por uma calça jeans, uma camisa três quartos, azul clara e nos pés um sapato de saltinho, que ganhei no último natal. Geralmente uso ele quando vou aos cultos no domingo, entretanto ando um pouco desviada da igreja e nem sei como a mamãe deixou eu sair para me encontrar com os supostos amigos do cursinho. Ethan, achou melhor enviar um SMS, disse ter medo de que eu acabasse me complicando em casa, se fosse ligar então me mandou mensagem logo após o café da manhã. Portanto, limpei a casa, arrumei o meu quarto, tomei um banho demorado, até mesmo escovei os cabelos, coisa que raramente faço. Enfim, estava me sentindo bonita, tanto que deixei os cabelos soltos, caindo em cachos e a cor dele, estava um castanho mais brilhoso. Nos lábios um batom rosinha, maquiagem bem discreta, para não dar na ca
PriscilaEmma, preparou limonada com bolo de milho para o nosso lanche, enquanto tomava o seu chá de camomila. Ethan tentava me tranquilizar com as perguntas que sua avó fazia. Por duas vezes, percebi que ambos trocaram olhares, como se escondesse algo, entretanto deve ser loucura minha.— Sua mãe é secretária em uma clínica popular?Emma questiona, bebendo um gole do chá me observando.— Sim, mamãe trabalha para o doutor Júlio há muito tempo. Moramos em uma comunidade, e eu estudo no cursinho pré-vestibular da prefeitura no período da tarde.Respondi, tentando não parecer nervosa na frente dela.— Ethan me contou que vocês se conheceram em uma festa. Realmente o destino se encarregou de colocar uma boa garota na vida desse garoto.Diz, sorrindo para o neto.— Te contei que fui lá acompanhando o Miguel — Ethan respondeu para a avó.— Que não passa de uma má companhia e você sabe disso. Perdoe-me Priscila, mas às vezes tenho que chamar atenção dessa cabeça dura. Ethan e esses amigos qu
Priscila— Vou esperar mais quinze minutos. Se o seu namorado imaginário não aparecer, ficarei muito irritada, porque você me fez comprar uma roupa nova para te acompanhar ao shopping para no final ser apenas um delírio seu.Beatriz e eu estamos aguardando a chegada do Ethan, na entrada do shopping. Hoje é domingo, consegui convencer minha mãe a deixar eu ir ao cinema com a minha melhor amiga. Ethan sumiu por uns dias, quando me ligou contou que teve alguns problemas que ele precisava resolver, mas que agora estava tudo bem e que ele estava animado para sair comigo e conhecer a minha amiga.— Deve ter acontecido algo, pois ele me garantiu que viria e ainda me avisou que traria um amigo. Teremos um encontro duplo hoje e ao invés de reclamar, me agradeça.Disse entre risos, observando a porta de entrada. Queria me sentir mal, por pedir dinheiro da minha mãe para o cinema, enquanto eu, na verdade, estou aguardando o garoto que pouco a pouco vem adentrando o meu coração, fazendo com que e