Capítulo 2

Priscila

Ethan deu partida no carro, e em menos de cinco minutos estávamos no mirante. Essa é a parte mais alta da comunidade, e a construção da boate nesse local foi feita de forma estratégica. Ele liga o som do carro, e uma balada romântica de algum lugar que não reconheço começa a tocar.

— Prefere que eu abaixe os vidros do carro ou está tudo bem com o ar-condicionado ligado? — pergunta Ethan. Inicialmente, penso em dizer que não teria problema manter os vidros abertos, mas lembro que, mesmo com a diminuição dos crimes, ainda estamos em uma área considerada perigosa.

— Se não for incômodo para você, prefiro que deixe os vidros fechados — respondo, mantendo minha bolsinha junto ao peito. Meu celular vibra, e tiro-o da bolsa para conferir a mensagem de Bia.

"Miga, divirta-se com seu novo amigo e fique tranquila. Só vou embora quando você voltar. A festa está animada demais! Aproveite e tire as teias de aranha da sua boca."

Claro que ela tinha que terminar a mensagem zombando da minha cara. Apenas respondo que não vou demorar muito e que logo estarei de volta. Guardo o celular na minha bolsinha e, ao virar o rosto, dou um susto ao ver Ethan, o garoto que acabei de conhecer, brincando com um isqueiro. Meu primeiro pensamento é abrir a porta e sair correndo, mas lembro que eu disse que não tinha problema manter os vidros fechados.

— Não precisa fazer cara de assustada. Estou apenas brincando com o isqueiro. Confesso que deu vontade de fumar um cigarro, mas vou respeitar sua presença e só gosto de ficar olhando o fogo.

Ele responde, deixando-me tranquila. Quero dizer que suspirei aliviada, mas ainda estou nervosa.

— Você mora na comunidade ou em algum bairro perto daqui? — pergunta ele, colocando o isqueiro dentro do porta-luvas. Sinto o cheiro do perfume do xampu que ele usa, tão perto de mim que virei o rosto para o lado, tentando não mostrar o quanto estou nervosa.

— Então? — pergunta novamente.

— Eu sou moradora da comunidade. Minha amiga costuma frequentar a boate; eu não sou muito de sair de casa, e hoje foi uma exceção — confesso baixinho.

— Porra! Então sou bem sortudo. Eu moro do outro lado da cidade, só cheguei aqui porque o Miguel, o amigo que te falei, insistiu demais porque tinha umas paradas aqui que curte e pediu que eu viesse aqui buscar junto com ele.

Ao ouvir sua resposta e as "paradas" a que ele se refere, sei bem o que ele quer dizer.

— Fica tranquila, que eu fumo a erva só por vezes. Meu lance é cigarro mesmo, então não faz essa cara de assustada.

Ele diz, e minha expressão provavelmente entrega meu medo. Sei que muitos têm a visão de que a maioria dos jovens que moram em comunidades costumam aproveitar a vida além do permitido. Porém, eu faço parte da minoria, e drogas são algo que não quero na minha vida.

— Eu acho que é melhor a gente voltar. Logo a minha amiga vai querer ir embora, e eu não posso perder a carona.

Digo, tentando manter a voz o mais calma possível, mas o medo ainda está presente.

— Eu te disse que não vou te fazer mal algum, Priscila. E ficar aqui com você até que me deixou mais calmo. Aquele barulho todo, não estou acostumado. Na real, eu curto um som diferente daquele ali.

Responde ele, com um sorriso que consigo ver mesmo com pouca luz.

— O som do momento é o que você mais escuta na boate — eu respondo, tentando não rir ao olhar com mais detalhes para a roupa que ele usa.

— Você gosta de rock? Eu pergunto, apontando o dedo para o colar de caveira em prata.

— Bingo! Não tem como gostar de sertanejo usando roupa e acessórios assim — respondeu, encostando a cabeça no encosto do banco.

— Então, qual a sua idade?

Ele me pergunta.

— Fiz dezoito em março e você?

Faço a mesma pergunta.

— Pode parecer piada, mas eu tenho vinte e cinco anos — respondeu entre risos, e o acompanho sem acreditar que ele tem sete anos anos a mais que eu.

— Quando eu perguntei se você tinha idade suficiente, quis dizer que tipo, você tem aparência de novo demais para dirigir um carro caro desses.

Respondo sem filtro. Será que ele é algum ladrão de carros? Minha mente fértil começa a pensar demais.

— Não roubei o carro, se você pensou nisso — diz, tocando com a ponta do dedo o meu nariz.

— Não disse nada — rebati.

— Mas pensou. Só olhar para o seu rosto assustado.

Me respondeu.

Ficamos em silêncio, até que a voz de um cantor começa, e Ethan diz um palavrão ao ouvir a música tocando.

— Puta merda. Ozzy tocando no momento em que estou com uma garota que me interessou só pode ser o destino, mostrando que hoje é realmente o meu dia de sorte.

Ele começa a cantar com o tal Ozzy que eu nunca ouvi falar na minha vida. Não sou fluente em inglês, mas consigo entender algumas frases ditas e que música triste é essa? Penso ao ouvir o refrão.

I say goodbye to romance yeah

Eu disse adeus ao romance, yeah

Goodbye to friends I tell you

Adeus aos amigos, eu lhe digo

Goodbye to all the past

Adeus para todo o passado

I guess that we'll meet

Acho que nos encontraremos

We'll meet in the end

Nos encontraremos no fim

— Eu sou muito fã desse cara. Quando eu…

Ethan começa a falar, mas se cala.

— Quando você o quê?

Eu questiono.

— Quando ouvi pela primeira vez o Black Sabbath. Sabe que o cara que tá cantando era o líder dessa banda.

Não sei nem que banda ele se refere, mas não quero parecer uma idiota na frente dele.

— A letra é bonita, mas, ao mesmo tempo, é triste — confessei, e ele pergunta se eu tinha entendido.

— Claro que entendi. Não sei se você sabe, mas nas escolas públicas se ensina inglês. Posso não ser muito fluente, mas eu entendo um pouco sim.

Respondi rindo para ele.

A música parou, e logo uma nova começou. Ethan se mexe no banco do motorista, levantando sua mão para tocar a minha bochecha, e ao ouvir

And give me a sign

E me dê um sinal

Give me a kiss before you

Me dê um beijo antes de você

Tell me goodbye

Me dizer adeus

Tocando na rádio, sou pega de surpresa ao sentir os lábios dele nos meus. Ele me beijou sem pedir permissão, sem nem mesmo perguntar algo, e ao ter suas mãos segurando meu rosto com carinho, sua língua brincando com a minha, senti como se vivesse em um sonho. Nesta noite, não perdi a virgindade como a idiota da minha amiga falou, mas ganhei algo que ficaria marcado para sempre em mim. Conheci o amor, me apaixonei pela primeira vez e tive a primeira de tantas noites durante os trezentos e sessenta e cinco dias em que fiquei ao lado dele.

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