Priscila
— Que dor de cabeça desgraçada — ouço Beatriz, reclamando deitada ao meu lado na cama, enquanto minha mente se encontra longe. Na verdade, meus pensamentos estão focados em uma pessoa específica. Será que ele vai ligar? Ou apenas fingiu anotar meu número porque eu deixei que me beijasse na noite passada? Como percebeu que eu não transaria de cara, fez toda cena de carinha legal para depois me dispensar? Priscila, como você é idiota e só pensa besteira.
— Tá ouvindo o que estou falando? — Beatriz pergunta, batendo no meu ombro, tirando-me do mundo dos sonhos em que estou neste momento.
— Que foi?
— Alguém te comeu ontem à noite para ficar com essa cara de idiota?
— Meu Deus, como você só abre a boca para ficar falando bobagens — retruquei, levantando da cama para pegar minhas coisas e voltar para minha casa. Conseguimos voltar cedo, bem, quero dizer que cedo é no sentido de entrar pela janela em casa antes das quatro da manhã.
— Se ofendeu porque fiz uma pergunta normal. Tá esquisita desde a hora que a gente voltou para casa, não quis contar do cara desconhecido que você encontrou na balada. Capaz de ter sido algum desses “Zé Droguinhas" e você ficou com vergonha de me dizer.
Beatriz zomba de mim, enquanto eu tiro minha camisola de algodão, vestindo um short jeans e minha camiseta.
— Não tem nada para contar, é apenas isso — achei melhor esconder meu encontro com Ethan. Eu conheço a amiga que tenho; vai começar a dizer que ele tem cara de playboy, que deve ter ido até a comunidade atrás de drogas, o que, vamos combinar, não é uma mentira, mas não foi ele, e sim o amigo que conheci rapidinho quando voltamos para a boate.
— Pensei que fosse sua melhor amiga, mas pelo jeito não sou — Beatriz, enrolada na coberta, fazendo drama. Dou um suspiro tentando manter a calma e volto para a cama, tirando o tecido do rosto dela.
— De verdade, não teve nada especial. A gente ficou só conversando besteira enquanto ele esperava o amigo dele voltar.
Estou mentindo não porque não confio na Beatriz, mas é que se depois conto sobre a noite e no final ele some e nunca mais o encontro. Melhor voltar para o mundo real.
Abaixo o meu rosto e dou um beijo na testa da minha amiga.
— É melhor você voltar a dormir. Eu vou embora agora, porque mamãe deve ter voltado da igreja e sabe que prometi que almoçava em casa.
Levanto da cama, despedindo-me dela, avisando que vou dizer para sua mãe que a filha estava com muita dor de cólica, dessa forma, tia Kátia não descobriria que, na verdade, era ressaca das grandes. Pego a minha mochila, mando um beijo para ela e saio do quarto.
Entro cozinha encontrando a tia lavando a louça.
— Bom dia, tia! — Digo colocando a minha mochila na cadeira ao lado.
— Bom dia, minha querida! Seu tio mal levanta e corre para o bar do José.
Tio Marcos ama jogar baralho e sinuca e sempre que tem uma folga ele vai para o bar que tem aqui na rua. Me sirvo de uma xícara de café com leite, enquanto tia Katia continua de costas para mim lavando a louça.
— Vocês duas não chegaram tarde da noite ontem?
Quase me engasgo com o pão, ao ouvir a tia perguntando.
— Tarde de aonde? — Me faço de besta para não demonstrar o susto.
— Da festa que as duas foram — ela se vira de frente segurando o pano de prato com um sorriso. Ao contrário da minha mãe, que era fechada, não gostava de festas e era do trabalho para casa e de casa para igreja, tia Kátia era muito mais moderna e sempre conversava comigo sobre homens e sexo.
— Tia, me desculpa…. — Começo a falar, mas sou impedida por ela.
— Tudo bem. Não vou brigar com as duas. Mas da próxima vez, quero que avisem, pois se algo acontece e a Lúcia vem aqui atrás de você?
Briga de forma carinhosa comigo, voltando sua atenção para o que estava fazendo. Eu terminei de tomar meu café, levantando da cadeira para ir embora para casa.
— Obrigada tia e desculpa de verdade — Dou um beijo em sua bochecha, antes de sair praticamente correndo da cozinha.
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Assim que entro na varanda, escuto de fora a música vindo da sala. Mamãe deveria estar faxinando a casa. Estranho, pois esse horário ela costuma estar no culto das mulheres. Entrei tentando não fazer barulho, porém dou de cara com mamãe tirando a poeira da estante. Aqui em casa é proibido assistir novelas ou séries mundanas, como mamãe costuma falar. Meu telefone celular foi comprado depois da tia Kátia insistir muito, dizendo que era necessário, para que eu pudesse me comunicar com todos quando estivesse no cursinho. Eu estudo na parte da tarde, e de manhã, fico em casa arrumando as coisas antes de sair para estudar.
— Pensei que não voltava mais hoje — mamãe resmunga. Larguei minha mochila no sofá e vou até ela abraçando-a para não dar na cara que aprontei algo.
— Até parece, mãe. Eu avisei que voltaria para o almoço. E voltou cedo da igreja?
Perguntei com curiosidade.
— Hoje não fui para o culto. Passei a noite em claro, tendo pensamentos ruins em relação a você, então orei até o sol nascer.
Respondeu, pegando-me de surpresa com a resposta.
— Que pensamentos ruins a senhora se refere?
— Nem eu mesma sei. Mas entre ficar na dúvida e orar, eu prefiro a segunda opção. Agora vamos, vai trocar de roupa, tire esse short imoral, vista um dos seus vestidos decentes e venha me ajudar.
Reclamou, afastando-se de mim para ir até a cozinha. Eu faço o que ela mandou, pegando minha mochila e indo para o meu quarto me trocar. Entrei e fechei a porta, antes de escolher a roupa para usar em casa. Sinto vontade de olhar o meu celular, e para minha grande surpresa, eu vejo o SMS dele.
Oi princesa! Podemos nos encontrar amanhã, depois que você sair do seu cursinho? Manda o endereço que prometo estar te esperando na porta e vamos tomar um sorvete e bater um papo. Gostei demais de conversar contigo e quem sabe eu possa repetir os beijos.
Ethan
Leio a mensagem três vezes, e todas elas eu estou rindo como uma completa idiota. Ele mandou mensagem, quer me encontrar novamente e me levar para a sorveteria. Sentei na cama, tentando não gritar de felicidade, contudo, ao ouvir a voz da minha mãe gritando por mim, é como se um balde de gelo caísse em cima da minha cabeça. Como eu iria me encontrar com ele, sendo que tenho hora marcada para chegar em casa?
Pensa, Priscila! Use o seu neurônio para algo útil e encontre uma solução. Decido não responder à mensagem agora. Como acabei de dizer, vou pensar e depois encontrarei um meio de ver o Ethan novamente sem minha mãe desconfiar de algo ou brigar comigo.
PriscilaConfiro meu reflexo no espelho do banheiro do cursinho. Hoje, tenho sorte, pois minha mãe vai chegar bem mais tarde do trabalho. Ela é secretária em uma clínica médica popular na Zona Norte há mais de quinze anos, sendo o braço direito do dono e responsável pela parte administrativa do prédio onde ficam os outros consultórios. Terei tempo mais do que suficiente para encontrar com ele, sair para um passeio e depois pegar o ônibus das seis e meia, chegando em casa antes das oito.Passei o domingo ajudando na faxina de casa, ouvindo minha mãe reclamando. No finalzinho da tarde, Beatriz apareceu lá em casa, me convidando para comer um pastel. Na verdade, era uma desculpa esfarrapada; ela queria mesmo era saber com quem eu havia me encontrado. Perguntou tanto que acabei contando a verdade. Ela duvidou de mim, questionou o modelo do carro e a aparência de Ethan, até mesmo o nome dela achou falso, dizendo que não era comum no Brasil. Confesso que às vezes me sinto constrangida com a
PriscilaA sorveteria se encontra lotada de jovens, conversando. Fiquei indecisa em entrar, mas Ethan me tranquilizou ao dizer que tinha dinheiro suficiente para pagar a conta e que se eu estava com medo disso, era para ficar “de boa” como ele falou. Mais relaxada, acabei pedindo um banana split com bastante calda de morango, enquanto Ethan pediu somente um milkshake de morango e notei como ele olhava tudo ao redor com bastante atenção.— Então, linda, como foi o seu final de semana? Pensei em te ligar, mas não sabia se você estava ocupada em casa ou com alguém.Ethan diz. Ainda nervosa, com tudo que vem acontecendo, eu dei um sorriso sem graça para ele.— Fiquei auxiliando a minha mãe a limpar a nossa casa, depois passei a tarde na pastelaria com a minha melhor amiga.Contei, vendo um sorriso se formando em seus lábios. Ele me olhou com carinho e isso foi motivo para me deixar com vergonha.— Linda, você sempre fica vermelha igual um pimentão quando eu te encaro. Pode ficar despreocu
Priscila— Você tá esquisita e muito calada para o meu gosto.Bia e eu estamos em seu quarto, sentadas no chão, enquanto ela pinta as unhas do pé, eu leio o livro obrigatório do cursinho para o vestibular. Mesmo estando no começo do ano, ainda assim preciso focar cem por cento nos estudos.— Não tenho nada. Estou somente estudando e aguardando a chegada da mamãe.Respondi, voltando a atenção ao capítulo que estou lendo.— Engraçado, que você não parece que está apenas lendo. Ficou caladinha no jantar, mamãe te perguntava as coisas e você respondia numa má vontade. O que tá pegando, contigo? O gatinho da boate te dispensou, foi isso? Você se arrumou demais para estudar naquele seu cursinho chato. Conta a verdade para sua melhor amiga. O carinha com nome diferente, te deu um bolo e você agora está se sentindo péssima porque continua virgem aos dezoito.Bia, não cansa de tirar sarro de mim, por achar que fui descartado. Para que ela deixasse de encher o meu saco, decidi contar sobre o en
PriscilaSão Paulo amanheceu debaixo de chuva. Mamãe foi para o trabalho de táxi, pago pelo seu chefe, ou não iria conseguir chegar a tempo. A nossa rua não teve alagamento, entretanto a rua do ponto de ônibus se encontra interditada e dessa forma, não tenho como ir para o cursinho. Até pensei em pagar o táxi com as economias que tenho na minha poupança, porém se faço isso é capaz da mamãe engolir meu fígado por eu estar gastando dinheiro com bobagens. Voltando para casa, dou de cara com Beatriz virando a rua que dá para a parte central da comunidade.— Voltou cedo ou tá matando aula?Questionou. Bia, usava um short jeans curtinho, blusinha de alças e uma maquiagem forte no rosto e não eram duas horas da tarde.— A rua do ponto de ônibus está interditada e eu não consegui chegar a tempo, então decidi voltar para casa. Quando a mamãe chegar do trabalho, explico certinho. E aonde vai essa hora toda arrumada?Perguntei, vendo o sorriso no rosto dela.— Me encontrar com o Juninho. Mamãe n
PriscilaOlhava a roupa que escolhi, pela terceira vez, indecisa se realmente estou bem. Beatriz aqui, seria de grande ajuda, porém não posso falar sobre o meu encontro com Ethan e a sua avó. Optei por uma calça jeans, uma camisa três quartos, azul clara e nos pés um sapato de saltinho, que ganhei no último natal. Geralmente uso ele quando vou aos cultos no domingo, entretanto ando um pouco desviada da igreja e nem sei como a mamãe deixou eu sair para me encontrar com os supostos amigos do cursinho. Ethan, achou melhor enviar um SMS, disse ter medo de que eu acabasse me complicando em casa, se fosse ligar então me mandou mensagem logo após o café da manhã. Portanto, limpei a casa, arrumei o meu quarto, tomei um banho demorado, até mesmo escovei os cabelos, coisa que raramente faço. Enfim, estava me sentindo bonita, tanto que deixei os cabelos soltos, caindo em cachos e a cor dele, estava um castanho mais brilhoso. Nos lábios um batom rosinha, maquiagem bem discreta, para não dar na ca
PriscilaEmma, preparou limonada com bolo de milho para o nosso lanche, enquanto tomava o seu chá de camomila. Ethan tentava me tranquilizar com as perguntas que sua avó fazia. Por duas vezes, percebi que ambos trocaram olhares, como se escondesse algo, entretanto deve ser loucura minha.— Sua mãe é secretária em uma clínica popular?Emma questiona, bebendo um gole do chá me observando.— Sim, mamãe trabalha para o doutor Júlio há muito tempo. Moramos em uma comunidade, e eu estudo no cursinho pré-vestibular da prefeitura no período da tarde.Respondi, tentando não parecer nervosa na frente dela.— Ethan me contou que vocês se conheceram em uma festa. Realmente o destino se encarregou de colocar uma boa garota na vida desse garoto.Diz, sorrindo para o neto.— Te contei que fui lá acompanhando o Miguel — Ethan respondeu para a avó.— Que não passa de uma má companhia e você sabe disso. Perdoe-me Priscila, mas às vezes tenho que chamar atenção dessa cabeça dura. Ethan e esses amigos qu
Priscila— Vou esperar mais quinze minutos. Se o seu namorado imaginário não aparecer, ficarei muito irritada, porque você me fez comprar uma roupa nova para te acompanhar ao shopping para no final ser apenas um delírio seu.Beatriz e eu estamos aguardando a chegada do Ethan, na entrada do shopping. Hoje é domingo, consegui convencer minha mãe a deixar eu ir ao cinema com a minha melhor amiga. Ethan sumiu por uns dias, quando me ligou contou que teve alguns problemas que ele precisava resolver, mas que agora estava tudo bem e que ele estava animado para sair comigo e conhecer a minha amiga.— Deve ter acontecido algo, pois ele me garantiu que viria e ainda me avisou que traria um amigo. Teremos um encontro duplo hoje e ao invés de reclamar, me agradeça.Disse entre risos, observando a porta de entrada. Queria me sentir mal, por pedir dinheiro da minha mãe para o cinema, enquanto eu, na verdade, estou aguardando o garoto que pouco a pouco vem adentrando o meu coração, fazendo com que e
Priscila— Amiga, juro que estou processando a notícia da tia desencalhando. Se ajoelhou no meio do quintal e agradeceu aos céus por esse feito? Sua mãe, com um namorado, vai deixar de ser chata, amarga e quem sabe você pode apresentar o seu gatinho para ela.Beatriz e eu estamos em meu quarto, enquanto escolho a roupa que vou usar no jantar de hoje a noite. Mamãe e a tia Kátia se encontram na cozinha, terminando de preparar a comida. A mãe da minha amiga, não pensou duas vezes antes de ajudar mamãe na preparação de tudo.— Eu continuo pensando sobre esse namoro. Poucas vezes eu me encontrei com o doutor Júlio. Ele sempre foi educado comigo e não se importava com mamãe levando a filha para o trabalho.Comentei ao me decidir por um vestido florido de manga curta, um pouco abaixo do joelho.— Contou para o Ethan que sua mãe tá namorando?Bia perguntou, enquanto separava alguns cordões e brincos para eu escolher mais tarde.— Não falei nada ainda. Amanhã, vamos passar a tarde na casa da