Priscila
Confiro meu reflexo no espelho do banheiro do cursinho. Hoje, tenho sorte, pois minha mãe vai chegar bem mais tarde do trabalho. Ela é secretária em uma clínica médica popular na Zona Norte há mais de quinze anos, sendo o braço direito do dono e responsável pela parte administrativa do prédio onde ficam os outros consultórios. Terei tempo mais do que suficiente para encontrar com ele, sair para um passeio e depois pegar o ônibus das seis e meia, chegando em casa antes das oito.
Passei o domingo ajudando na faxina de casa, ouvindo minha mãe reclamando. No finalzinho da tarde, Beatriz apareceu lá em casa, me convidando para comer um pastel. Na verdade, era uma desculpa esfarrapada; ela queria mesmo era saber com quem eu havia me encontrado. Perguntou tanto que acabei contando a verdade. Ela duvidou de mim, questionou o modelo do carro e a aparência de Ethan, até mesmo o nome dela achou falso, dizendo que não era comum no Brasil. Confesso que às vezes me sinto constrangida com as coisas que Beatriz fala, mas sempre tento relevar, pois sei que é o jeito dela e que ela me ama e se preocupa comigo.
Olhei mais uma vez o batom clarinho nos lábios e belisquei minhas bochechas para dar uma cor. Meu cabelo cacheado, hoje decidi prender de uma forma diferente, fazendo um penteado mais bonito para aparecer mais bonita na frente dele. Estou usando uma saia jeans um pouco acima do joelho e uma blusa de alcinhas com sutiã sem alça para não ficar estranho a alça aparecendo. Após gostar do que vejo, pego a mochila de cima da pia, tirei meu celular de dentro para conferir se ele não mandou mensagem desmarcando nosso encontro. Para minha surpresa, encontro uma mensagem dele avisando que me aguarda na entrada.
Estudo no cursinho bancado pela prefeitura de São Paulo. Para entrar aqui, além de ter feito todo o ensino médio na rede pública, as notas precisam ser todas acima de oitenta e cinco. Quando me inscrevi, confesso que não esperava passar, mas ao receber o resultado, foi uma festa lá em casa. Saio do banheiro, andando mais do que depressa, com medo de alguém contar algo para minha mãe. É estranha a sensação de quando você faz algo errado, parece que todos te olham com olhos de julgamento, como se apontassem o dedo dizendo: olha ali, ela tá enganando sua mãe. Com a mochila no ombro, passo pela saída, cumprimentando o vigia. Ao colocar os pés para fora da escola, meus olhos miram o carro estacionado do outro lado da rua, ele encostado na lataria, usando calça jeans rasgada, camisa de flanela, cabelo preso e coturnos nos pés, fumando. Meus pés congelam por um momento, fico em dúvida se devo ou não atravessar a rua. Mas mando o bom senso para um canto da minha mente e atravessei andando até ele.
Assim que ele me vê se aproximando, j**a a ponta do cigarro na lixeira ao lado. Pelo menos ele tem boas maneiras e não é como esses caras sem educação.
— Oi! — É a primeira coisa que eu falo assim que ficamos frente a frente. À luz do dia, seus olhos são mais lindos ainda, uma mistura de verde com azul que me deixa hipnotizada.
— Oi, linda! — Ele respondeu, dando um beijo casto em minha bochecha. — Vamos, que eu quero te levar num lugar bem legal hoje. Juro que não vamos muito longe e depois eu te deixo na sua casa.
Diz, abrindo a porta do carro para que eu possa entrar. Antes olho para os lados, vendo se não vou encontrar nenhum estranho. Me acomodei melhor no banco do carona, coloco o cinto de segurança, enquanto Ethan senta no banco do motorista, liga o carro e sai dirigindo sem prestar atenção à falta do cinto.
— Você esqueceu de colocar o cinto — digo apontando e ele se desculpa.
— Caramba! Sou muito distraído mesmo — notei que o seu rosto aparentava cansaço. Mesmo sorrindo percebi que hoje ele estava bem diferente.
— Foi difícil achar o endereço? Eu perguntei para tentar puxar assunto.
— Até que foi fácil. Antes eu pedi ajuda do meu amigo para procurar um ponto de referência. Eu não estou acostumado a dirigir nessa parte da cidade. Na real, não ando muito de carro por aqui.
Respondeu, tocando no meu joelho com carinho antes de voltar sua atenção para o câmbio para trocar de marcha.
— Encontrei uma sorveteria bem maneira aqui pertinho do seu cursinho — Ethan diz, virando a rua, entrando numa área mais movimentada.
Eu estava nervosa, mas ao mesmo tempo feliz, por ter aquele garoto misterioso se encontrando comigo novamente. Sei que é errado o que estou fazendo, pois se a minha mãe descobre seria uma confusão, capaz até de me deixar de castigo. Contudo, sair mais uma vez com um garoto que eu me interessei não era crime algum. Ethan me olha com um sorriso, segura a minha mão a levando até os lábios em um beijo. Não consigo esconder o vermelho no meu rosto de vergonha ao ter seus lábios tocando minha pele, mesmo em um beijo inocente como esse.
— Prontinho! Chegamos e você vai curtir demais aqui.
Ethan desligou o carro. Eu realmente estou surpresa ao encontrar a sorveteria que ele me trouxe. É um dos lugares mais caros da região e agora estou com medo dele, achar que eu tenho dinheiro para pagar pelo meu sorvete. Enrolei alguns segundos, até que Ethan deve ter notado a minha indecisão.
— Vamos gatinha! Eu prometo que você vai curtir muito o lugar.
Diz, me ajudando a tirar o cinto, descendo do carro primeiro que eu e depois abrindo a porta do passageiro para que eu descesse.
— Agora, quero ter um encontro legal contigo e você me conta mais sobre você. Depois eu te deixo em casa e só espero que hoje seja o primeiro de muitos encontros que desejo ter contigo.
Ele segura na minha mão e juntos entramos dentro da sorveteria de mãos dadas.
PriscilaA sorveteria se encontra lotada de jovens, conversando. Fiquei indecisa em entrar, mas Ethan me tranquilizou ao dizer que tinha dinheiro suficiente para pagar a conta e que se eu estava com medo disso, era para ficar “de boa” como ele falou. Mais relaxada, acabei pedindo um banana split com bastante calda de morango, enquanto Ethan pediu somente um milkshake de morango e notei como ele olhava tudo ao redor com bastante atenção.— Então, linda, como foi o seu final de semana? Pensei em te ligar, mas não sabia se você estava ocupada em casa ou com alguém.Ethan diz. Ainda nervosa, com tudo que vem acontecendo, eu dei um sorriso sem graça para ele.— Fiquei auxiliando a minha mãe a limpar a nossa casa, depois passei a tarde na pastelaria com a minha melhor amiga.Contei, vendo um sorriso se formando em seus lábios. Ele me olhou com carinho e isso foi motivo para me deixar com vergonha.— Linda, você sempre fica vermelha igual um pimentão quando eu te encaro. Pode ficar despreocu
Priscila— Você tá esquisita e muito calada para o meu gosto.Bia e eu estamos em seu quarto, sentadas no chão, enquanto ela pinta as unhas do pé, eu leio o livro obrigatório do cursinho para o vestibular. Mesmo estando no começo do ano, ainda assim preciso focar cem por cento nos estudos.— Não tenho nada. Estou somente estudando e aguardando a chegada da mamãe.Respondi, voltando a atenção ao capítulo que estou lendo.— Engraçado, que você não parece que está apenas lendo. Ficou caladinha no jantar, mamãe te perguntava as coisas e você respondia numa má vontade. O que tá pegando, contigo? O gatinho da boate te dispensou, foi isso? Você se arrumou demais para estudar naquele seu cursinho chato. Conta a verdade para sua melhor amiga. O carinha com nome diferente, te deu um bolo e você agora está se sentindo péssima porque continua virgem aos dezoito.Bia, não cansa de tirar sarro de mim, por achar que fui descartado. Para que ela deixasse de encher o meu saco, decidi contar sobre o en
PriscilaSão Paulo amanheceu debaixo de chuva. Mamãe foi para o trabalho de táxi, pago pelo seu chefe, ou não iria conseguir chegar a tempo. A nossa rua não teve alagamento, entretanto a rua do ponto de ônibus se encontra interditada e dessa forma, não tenho como ir para o cursinho. Até pensei em pagar o táxi com as economias que tenho na minha poupança, porém se faço isso é capaz da mamãe engolir meu fígado por eu estar gastando dinheiro com bobagens. Voltando para casa, dou de cara com Beatriz virando a rua que dá para a parte central da comunidade.— Voltou cedo ou tá matando aula?Questionou. Bia, usava um short jeans curtinho, blusinha de alças e uma maquiagem forte no rosto e não eram duas horas da tarde.— A rua do ponto de ônibus está interditada e eu não consegui chegar a tempo, então decidi voltar para casa. Quando a mamãe chegar do trabalho, explico certinho. E aonde vai essa hora toda arrumada?Perguntei, vendo o sorriso no rosto dela.— Me encontrar com o Juninho. Mamãe n
PriscilaOlhava a roupa que escolhi, pela terceira vez, indecisa se realmente estou bem. Beatriz aqui, seria de grande ajuda, porém não posso falar sobre o meu encontro com Ethan e a sua avó. Optei por uma calça jeans, uma camisa três quartos, azul clara e nos pés um sapato de saltinho, que ganhei no último natal. Geralmente uso ele quando vou aos cultos no domingo, entretanto ando um pouco desviada da igreja e nem sei como a mamãe deixou eu sair para me encontrar com os supostos amigos do cursinho. Ethan, achou melhor enviar um SMS, disse ter medo de que eu acabasse me complicando em casa, se fosse ligar então me mandou mensagem logo após o café da manhã. Portanto, limpei a casa, arrumei o meu quarto, tomei um banho demorado, até mesmo escovei os cabelos, coisa que raramente faço. Enfim, estava me sentindo bonita, tanto que deixei os cabelos soltos, caindo em cachos e a cor dele, estava um castanho mais brilhoso. Nos lábios um batom rosinha, maquiagem bem discreta, para não dar na ca
PriscilaEmma, preparou limonada com bolo de milho para o nosso lanche, enquanto tomava o seu chá de camomila. Ethan tentava me tranquilizar com as perguntas que sua avó fazia. Por duas vezes, percebi que ambos trocaram olhares, como se escondesse algo, entretanto deve ser loucura minha.— Sua mãe é secretária em uma clínica popular?Emma questiona, bebendo um gole do chá me observando.— Sim, mamãe trabalha para o doutor Júlio há muito tempo. Moramos em uma comunidade, e eu estudo no cursinho pré-vestibular da prefeitura no período da tarde.Respondi, tentando não parecer nervosa na frente dela.— Ethan me contou que vocês se conheceram em uma festa. Realmente o destino se encarregou de colocar uma boa garota na vida desse garoto.Diz, sorrindo para o neto.— Te contei que fui lá acompanhando o Miguel — Ethan respondeu para a avó.— Que não passa de uma má companhia e você sabe disso. Perdoe-me Priscila, mas às vezes tenho que chamar atenção dessa cabeça dura. Ethan e esses amigos qu
Priscila— Vou esperar mais quinze minutos. Se o seu namorado imaginário não aparecer, ficarei muito irritada, porque você me fez comprar uma roupa nova para te acompanhar ao shopping para no final ser apenas um delírio seu.Beatriz e eu estamos aguardando a chegada do Ethan, na entrada do shopping. Hoje é domingo, consegui convencer minha mãe a deixar eu ir ao cinema com a minha melhor amiga. Ethan sumiu por uns dias, quando me ligou contou que teve alguns problemas que ele precisava resolver, mas que agora estava tudo bem e que ele estava animado para sair comigo e conhecer a minha amiga.— Deve ter acontecido algo, pois ele me garantiu que viria e ainda me avisou que traria um amigo. Teremos um encontro duplo hoje e ao invés de reclamar, me agradeça.Disse entre risos, observando a porta de entrada. Queria me sentir mal, por pedir dinheiro da minha mãe para o cinema, enquanto eu, na verdade, estou aguardando o garoto que pouco a pouco vem adentrando o meu coração, fazendo com que e
Priscila— Amiga, juro que estou processando a notícia da tia desencalhando. Se ajoelhou no meio do quintal e agradeceu aos céus por esse feito? Sua mãe, com um namorado, vai deixar de ser chata, amarga e quem sabe você pode apresentar o seu gatinho para ela.Beatriz e eu estamos em meu quarto, enquanto escolho a roupa que vou usar no jantar de hoje a noite. Mamãe e a tia Kátia se encontram na cozinha, terminando de preparar a comida. A mãe da minha amiga, não pensou duas vezes antes de ajudar mamãe na preparação de tudo.— Eu continuo pensando sobre esse namoro. Poucas vezes eu me encontrei com o doutor Júlio. Ele sempre foi educado comigo e não se importava com mamãe levando a filha para o trabalho.Comentei ao me decidir por um vestido florido de manga curta, um pouco abaixo do joelho.— Contou para o Ethan que sua mãe tá namorando?Bia perguntou, enquanto separava alguns cordões e brincos para eu escolher mais tarde.— Não falei nada ainda. Amanhã, vamos passar a tarde na casa da
PriscilaEthan e eu estamos em seu quarto. Meu namorado pelo jeito pensou em tudo, para que nós dois tivéssemos uma tarde romântica. As guloseimas que amo, suco de laranja, tudo organizado em uma bandeja. Decidimos assistir um filme romântico, sobre um casal que se conheceu em uma noite, se apaixonaram, se separaram por interferência de terceiros e a protagonista ficou grávida, sendo obrigada a entregar a criança para adoção.Sentada entre as pernas dele, prestava atenção a cena em que o protagonista canta a canção que escreveu para o seu amor. Não pude deixar de chorar ao ouvir a canção romântica, mas, ao mesmo tempo, melancólica.— Só você mesmo, para me fazer assistir aos filmes melosos.Diz, cheirando meu cabelo.— O filme é lindo e você não pode falar o contrário.Respondi, fazendo um carinho em sua perna.— Linda é você e agora que o filme terminou, será que podemos namorar um pouco? Não é sempre que eu tenho a sorte da Emma deixar eu usar a casa dela, para um encontro amoroso c