PriscilaOuço vozes distantes e sinto o cheiro de algo forte como se fosse uma mistura de álcool com produto de higiene. De olhos fechados, apenas tento escutar o que estão falando. Sinto a dureza do colchão que estou deitada e mesmo sem enxergar entendo que não estou no meu quarto.— Você tem certeza, Júlio? Pode ser apenas um engano ou uma fraqueza, devido aos estudos. Ou quem sabe algo que Priscila comeu. Só me diz que a suspeita é um erro.A voz da minha mãe é ouvida quase em um sussurro.— Lúcia, você sabe que existe uma chance de ser real. Acalme-se meu amor, aguardamos o resultado do exame de sangue.Agora é o Júlio que fala. Tento abrir os olhos, porém a claridade faz com que eu feche eles outra vez. Resmungo e o barulho que faço, chama a atenção da minha mãe e do meu padrasto.— Menina, senta com cuidado na cama — mamãe é quem diz primeiro, segurando o meu braço. Continuo de olhos fechados, quando sento na cama. Assim que abro, eu vejo que me encontro em um quarto de hospital
PriscilaSou uma prisioneira dentro da minha própria casa. Desde o dia da descoberta da minha gravidez, estou proibida de sair de casa, falar ao celular ou receber visitas. Por três vezes, ouvi do meu quarto a voz da Beatriz, procurando por mim e mamãe dizendo que eu não me encontrava em casa. Quatro dias se passaram desde a manhã que mudou toda a minha vida. Mamãe me obrigou a passar o número do telefone da Emma e só conseguiu falar com a avó dele, ontem a tarde. Então hoje ela vem aqui em casa para conversar pessoalmente. Ela não sabia sobre o que seria a conversa, minha mãe apenas disse ser algo que envolvia o meu namoro com o neto dela. Até mesmo falar com o Victor estava proibido, pois para a minha mãe um rapaz como ele não iria querer amizade com uma mulher perdida como eu. Sim! Para a minha mãe me tornei uma pessoa que a vida foi destruída devido a uma gravidez. Júlio tem dormido aqui em nossa casa diariamente, para evitar que minha mãe me humilhe e me machuque fisicamente. Sin
PriscilaAguardo a chegada dele, em uma lanchonete próxima da minha casa. Dei sorte por ele atender a chamada e assim que ouviu que eu precisava de ajuda, não pensou duas vezes em perguntar o lugar que estava para vir até mim. Saí de casa, levando apenas a carteira e um pouco de dinheiro. Sem o meu celular ou um caminho para seguir. Poderia muito bem ter ido para a casa da Beatriz, porém não queria de forma alguma ouvir piadas agora. Me sinto sozinha, sem apoio e sem ter noção do que faço daqui para frente. Distraída bebendo o meu suco, não notei a chegada do Victor, que surgiu vestindo sua roupa branca da faculdade e um olhar preocupado no rosto.— Tudo bem contigo?Pergunta, sentando-se ao meu lado, tocando na minha testa para saber se eu não estava febril.— Desculpa, por te fazer sair da faculdade para vir me socorrer, é que não tinha ninguém para conversar e sei que você vai me ouvir sem julgar tudo que anda acontecendo.Digo, tentando não chorar na frente dele.— Priscila, o que
PriscilaApós conversar com Júlio por quase dez minutos, desliguei o telefone para esperar a volta do Victor. Meu padrasto contou que Emma, disse que iria assumir a responsabilidade sobre a gravidez e que conversaria com o filho para saber o paradeiro do neto. Avisei estar com o Victor, mas não quis contar que era na casa dos pais dele. Pediria para o meu amigo, me levar na casa da Emma antes que eu voltasse para a minha. Havia decidido sobre a criança que eu carregava e iria encerrar esse capítulo de uma vez por todas em minha vida.Sentada no sofá, mãos na perna, espero a volta do Victor, até que ouço passos vindo do corredor e ele surgiu, usando uma bermuda cargo, camiseta de estampa e havaianas nos pés. Os cabelos molhados do banho e o seu sorriso gentil.— Ligou para a sua casa?Pergunta, vindo sentar ao meu lado. — Falei agora pouco com o Júlio, pedi que ele avisasse a minha mãe que estou contigo.Conto, levantando-me do sofá para acompanhá-lo até a cozinha. Olhei a hora no rel
PriscilaAdentrei a recepção da escola, encontrando a secretária que sorriu ao me reconhecer. — Bom dia! A garota diz, saindo de trás do balcão para falar comigo. Retribuo o cumprimento, perguntando sobre Emma e se ela estava ocupada ou não.— Emma, entrou agora mesmo para a casa dela. Hoje cedo, temos apenas aula de jazz, então o movimento é mais tranquilo. Pode ir até lá, por aqui mesmo — a moça aponta para o corredor que eu já conhecia e que sei que vai para a casa da avó do Ethan. Agradeço a garota e sigo, com a cabeça erguida e o pensamento firme de tudo que planejo falar para Emma, mesmo ciente de que a mulher não tem culpa dos erros do neto. Ao parar na varandinha, que liga a escola a casa dela, ouço a música clássica vindo da cozinha e com certeza ela deve estar começando a preparar o almoço. Ando em silêncio até a cozinha, encontrando-a de costas, cortando algo, parada na bancada da cozinha. O som em cima da mesa e a música suave deixa tudo em uma completa paz.— Emma?Cham
Priscila— Me liga a hora que for. Saiba que estou ao seu lado independente da sua decisão.Após a minha conversa com Emma, onde desabafei sobre tudo que vem acontecendo e ela afirmou que manteria sua promessa de não contar a verdade ao neto, sinto-me mais tranquila. Sei que adiar a faculdade mudará toda a minha vida, será complicado, mas eu não posso reclamar demais, pois tenho amigos e um padrasto que me apoia num momento delicado como esse.— Qualquer coisa te falo. Obrigada por tudo e desculpa ficar atrapalhando o seu dia.— Como se fosse me atrapalhar em algo. Estou à disposição para o que você precisar e estou contigo no bom e mau momento. Não esqueça disso.Victor diz, tocando o meu rosto com carinho.— Vou entrar agora. Mamãe deve estar preocupada com o meu sumiço.Me despeço dele com um beijo em sua bochecha, saindo do carro apressada. Mal coloquei os pés na entrada quando, sou pega de surpresa com o grito da Beatriz abrindo a porta com seu jeito escandaloso.— Até que enfim
2007PriscilaEstou na casa da minha melhor amiga e irmã do coração, Beatriz. Amigas desde criança,crescemos juntas na comunidade Canoa Quebrada e somos inseparáveis. Nossos pais são amigos desde que vieram do Pará para São Paulo. Mamãe ficou viúva quando eu tinha seis anos, criando-me sozinha com a ajuda da tia Kátia, mãe da Bia. Assim, conseguimos levar uma vida pacata, apesar dos problemas ao longo dos anos. Agora, aos dezoito anos, sou estudante do cursinho da prefeitura, almejando entrar em uma boa faculdade para estudar Artes. Pode parecer ridículo, eu sei, uma garota sonhando alto, mas acredito que sonhos podem se tornar realidade. Estou determinada a ingressar na USP e farei o possível para realizar esse sonho.— Tem certeza de que não vamos nos meter em confusão?— Você é tão medrosa, Priscila. Eu te disse que tenho tudo sob controle. Meus pais estão dormindo, e a tia Lúcia nem vai saber que hoje a filhinha dela finalmente vai perder a virgindade.Beatriz, sempre com suas con
PriscilaEthan deu partida no carro, e em menos de cinco minutos estávamos no mirante. Essa é a parte mais alta da comunidade, e a construção da boate nesse local foi feita de forma estratégica. Ele liga o som do carro, e uma balada romântica de algum lugar que não reconheço começa a tocar.— Prefere que eu abaixe os vidros do carro ou está tudo bem com o ar-condicionado ligado? — pergunta Ethan. Inicialmente, penso em dizer que não teria problema manter os vidros abertos, mas lembro que, mesmo com a diminuição dos crimes, ainda estamos em uma área considerada perigosa.— Se não for incômodo para você, prefiro que deixe os vidros fechados — respondo, mantendo minha bolsinha junto ao peito. Meu celular vibra, e tiro-o da bolsa para conferir a mensagem de Bia."Miga, divirta-se com seu novo amigo e fique tranquila. Só vou embora quando você voltar. A festa está animada demais! Aproveite e tire as teias de aranha da sua boca."Claro que ela tinha que terminar a mensagem zombando da minha