2007
Priscila
Estou na casa da minha melhor amiga e irmã do coração, Beatriz. Amigas desde criança,crescemos juntas na comunidade Canoa Quebrada e somos inseparáveis. Nossos pais são amigos desde que vieram do Pará para São Paulo. Mamãe ficou viúva quando eu tinha seis anos, criando-me sozinha com a ajuda da tia Kátia, mãe da Bia. Assim, conseguimos levar uma vida pacata, apesar dos problemas ao longo dos anos. Agora, aos dezoito anos, sou estudante do cursinho da prefeitura, almejando entrar em uma boa faculdade para estudar Artes. Pode parecer ridículo, eu sei, uma garota sonhando alto, mas acredito que sonhos podem se tornar realidade. Estou determinada a ingressar na USP e farei o possível para realizar esse sonho.
— Tem certeza de que não vamos nos meter em confusão?
— Você é tão medrosa, Priscila. Eu te disse que tenho tudo sob controle. Meus pais estão dormindo, e a tia Lúcia nem vai saber que hoje a filhinha dela finalmente vai perder a virgindade.
Beatriz, sempre com suas conversas sujas e sem noção, vive tirando sarro da minha cara porque ainda sou virgem aos dezoito anos. Diz que sou tola por esperar pelo príncipe encantado que nunca vai aparecer.
— Se for para começar a encher meu saco, avise que nem vou perder meu tempo saindo daqui — respondi, me afastando para tirar a roupa que Beatriz me fez usar.
— Calma, gatinha. Estou apenas brincando. Você precisa transar, já te falei várias vezes. Esse mau-humor do caramba é falta de sexo.
Viro-me de costas, pronta para trocar de roupa, pegar minhas coisas e voltar para casa. No entanto, Beatriz me impede, desculpando-se por falar demais.
— Amiga, desculpa. Prometo que não vou brincar com a sua cara, mas você promete que se aparecer um gatinho interessado na boate, você investe?
Beatriz diz, e eu concordo, sabendo que ninguém vai aparecer e não posso cumprir nenhuma promessa.
Pego meu Motorola V3, presente de dezoito anos que minha mãe comprou em doze parcelas parcelas nas Casas Bahia, e confiro a hora. Já passava das dez da noite. Tarde para quem não tem o costume de ficar na rua e cedo demais para quem não tem hora para voltar.
Beatriz confere mais uma vez nossa cama e os travesseiros colocados sobre o colchão, fecha a porta com cuidado, e juntas pulamos a janela do quarto dela. A boate para a qual vamos fica a menos de vinte minutos daqui. Nossos amigos combinaram de nos encontrar na rua detrás, e, tentando correr com esse tamanco, seguimos rumo ao local combinado. Menos de cinco minutos depois, encontramos nossa turma, entramos no carro prontas para nos divertir naquela noite.
A boate está lotada, a música do Latino tocando e corpos suados se movimentam ao som da batida. Beatriz mal chegou e já encontrou conhecidos, enquanto eu ficava sozinha perto do bar, apenas observando as pessoas bebendo, dançando e se divertindo.
Discretamente, eu tiro meu celular da bolsinha para olhar a hora. Já passava da meia-noite, e eu estava com sono. Se tivesse dinheiro, daria um jeito de voltar sozinha. Pena que o táxi é caro demais, e eu economizo até no lanche do cursinho. Distraída, continuo observando a pista de dança, quando sinto um cheiro amadeirado misturado com fumaça. Ao ouvir uma voz grossa desejando boa noite, congelei de medo de ser algum maníaco tentando me levar.
Deus, cadê você, Beatriz? Pergunto em pensamento, procurando minha amiga por todos os lados, sem virar a cabeça com medo de deparar-me com algum psicopata.
— Queria ir embora, mas dei sorte quando decidi molhar a garganta bebendo algo bem gelado.
A voz grossa sussurra bem perto do meu ouvido, e os pelos da minha nuca se arrepiaram. Será que olho, será que não olho? Até que criei coragem e, com um sorriso falso, virei, encontrando o rosto mais lindo que já vi. Mesmo com a luz fraca, no momento em que nossos olhares se encontraram, a luz focou diretamente nele. O cabelo um pouco longo, cacheado e claro, os olhos esverdeados e um sorriso que me deixou corada.
— Me vê uma água com gás e para a senhorita aqui um refrigerante.
O estranho pede para o garçom as bebidas, colocando-se ao meu lado. Eu sigo em silêncio sem saber o que responder. Notei que ele tinha um sotaque carregado. Será que não era de São Paulo? Pensei ao ouvir sua voz.
— Boa noite! Eu me chamo Ethan e você?
O estranho, agora com um nome, estende a mão direita na minha direção. Sem nem pensar duas vezes, estendo a minha, e trocamos um aperto de mão que faz com que meu corpo sofra um choque.
— Eu sou a Priscila — respondi, com um sorriso idiota no rosto.
— Meu amigo sumiu e me deixou aqui perdido. Confesso que estava a ponto de ir embora quando vi você parada aqui sozinha.
Pude analisar melhor Ethan e percebi que ele se vestia de maneira bem diferente dos garotos daqui. Calça preta, camiseta preta, cordão de prata e anéis de prata nos dedos. Parecia um roqueiro perdido em uma boate do subúrbio.
— Eu também vim com uma amiga, mas ela sumiu da mesma forma que o seu amigo.
Respondo, voltando minha atenção para a pista de dança, tentando encontrar Beatriz perdida em algum canto desse lugar.
— Pois estamos na mesma situação. Que tal fazermos companhia um ao outro, enquanto nossos amigos perdidos decidem nos encontrar?
Ethan me pergunta. Antes que eu pudesse responder, o garçom voltou com as bebidas. Pego o copo com o suco de laranja, bebendo tudo de uma vez. Eu nunca me interessei por garotos. Minha vida era estudar, ficar em casa, estudar e hoje foi um milagre eu ter aceitado fugir com Beatriz apenas para nos divertirmos na boate perto da nossa comunidade. Por que não aproveitar a companhia de um rapaz como ele?
Sem responder nada, aceito sair com ele de mãos dadas da boate, sem pensar nas consequências ou no perigo que corro saindo daqui com um estranho. Do lado de fora, peço que ele espere um segundo, enquanto envio um SMS para Bia, avisando que não estava mais dentro da boate e sim do lado de fora.
— Vamos conversar aqui perto do mirante?
Ethan aponta para o morro que fica pertinho dali. O mirante a que ele se refere é chamado de "Balada do Amor", local onde muitos jovens vão para namorar e, por ser próximo da boate, recebeu esse nome.
Concordo, seguindo com ele até uma caminhonete estacionada ao lado da boate.
— Você tem permissão para dirigir um desses?
Eu perguntei sem esconder a curiosidade.
— Pode não parecer, mas eu te garanto que tenho idade mais do que suficiente para dirigir um carro assim.
Ele responde, tirando a chave do bolso, destrancando o carro e abrindo a porta do passageiro para que eu entre. Quando aceitei sair com ele da boate, não me dei conta de que Beatriz não tinha noção de onde eu estava indo e com quem. No momento em que Ethan entra no carro e se senta no banco do motorista, pensei por um segundo, pedindo desculpas por ser impulsiva ao abrir a porta para sair.
— Desculpa, acho que é melhor eu voltar lá para dentro — digo, colocando a mão na maçaneta, sendo impedida por ele.
— Calma, pode ficar despreocupada. Sou um cara confiável, e prometo que não vou atacar você.
Ele diz, sorrindo para mim, mostrando um sorriso apaixonante que me convence sem precisar de muito esforço. Decido aceitar, rezando para não estar cometendo a maior loucura da minha vida e não aparecendo nas páginas policiais no dia seguinte.
te.
PriscilaEthan deu partida no carro, e em menos de cinco minutos estávamos no mirante. Essa é a parte mais alta da comunidade, e a construção da boate nesse local foi feita de forma estratégica. Ele liga o som do carro, e uma balada romântica de algum lugar que não reconheço começa a tocar.— Prefere que eu abaixe os vidros do carro ou está tudo bem com o ar-condicionado ligado? — pergunta Ethan. Inicialmente, penso em dizer que não teria problema manter os vidros abertos, mas lembro que, mesmo com a diminuição dos crimes, ainda estamos em uma área considerada perigosa.— Se não for incômodo para você, prefiro que deixe os vidros fechados — respondo, mantendo minha bolsinha junto ao peito. Meu celular vibra, e tiro-o da bolsa para conferir a mensagem de Bia."Miga, divirta-se com seu novo amigo e fique tranquila. Só vou embora quando você voltar. A festa está animada demais! Aproveite e tire as teias de aranha da sua boca."Claro que ela tinha que terminar a mensagem zombando da minha
Priscila— Que dor de cabeça desgraçada — ouço Beatriz, reclamando deitada ao meu lado na cama, enquanto minha mente se encontra longe. Na verdade, meus pensamentos estão focados em uma pessoa específica. Será que ele vai ligar? Ou apenas fingiu anotar meu número porque eu deixei que me beijasse na noite passada? Como percebeu que eu não transaria de cara, fez toda cena de carinha legal para depois me dispensar? Priscila, como você é idiota e só pensa besteira.— Tá ouvindo o que estou falando? — Beatriz pergunta, batendo no meu ombro, tirando-me do mundo dos sonhos em que estou neste momento.— Que foi?— Alguém te comeu ontem à noite para ficar com essa cara de idiota?— Meu Deus, como você só abre a boca para ficar falando bobagens — retruquei, levantando da cama para pegar minhas coisas e voltar para minha casa. Conseguimos voltar cedo, bem, quero dizer que cedo é no sentido de entrar pela janela em casa antes das quatro da manhã.— Se ofendeu porque fiz uma pergunta normal. Tá es
PriscilaConfiro meu reflexo no espelho do banheiro do cursinho. Hoje, tenho sorte, pois minha mãe vai chegar bem mais tarde do trabalho. Ela é secretária em uma clínica médica popular na Zona Norte há mais de quinze anos, sendo o braço direito do dono e responsável pela parte administrativa do prédio onde ficam os outros consultórios. Terei tempo mais do que suficiente para encontrar com ele, sair para um passeio e depois pegar o ônibus das seis e meia, chegando em casa antes das oito.Passei o domingo ajudando na faxina de casa, ouvindo minha mãe reclamando. No finalzinho da tarde, Beatriz apareceu lá em casa, me convidando para comer um pastel. Na verdade, era uma desculpa esfarrapada; ela queria mesmo era saber com quem eu havia me encontrado. Perguntou tanto que acabei contando a verdade. Ela duvidou de mim, questionou o modelo do carro e a aparência de Ethan, até mesmo o nome dela achou falso, dizendo que não era comum no Brasil. Confesso que às vezes me sinto constrangida com a
PriscilaA sorveteria se encontra lotada de jovens, conversando. Fiquei indecisa em entrar, mas Ethan me tranquilizou ao dizer que tinha dinheiro suficiente para pagar a conta e que se eu estava com medo disso, era para ficar “de boa” como ele falou. Mais relaxada, acabei pedindo um banana split com bastante calda de morango, enquanto Ethan pediu somente um milkshake de morango e notei como ele olhava tudo ao redor com bastante atenção.— Então, linda, como foi o seu final de semana? Pensei em te ligar, mas não sabia se você estava ocupada em casa ou com alguém.Ethan diz. Ainda nervosa, com tudo que vem acontecendo, eu dei um sorriso sem graça para ele.— Fiquei auxiliando a minha mãe a limpar a nossa casa, depois passei a tarde na pastelaria com a minha melhor amiga.Contei, vendo um sorriso se formando em seus lábios. Ele me olhou com carinho e isso foi motivo para me deixar com vergonha.— Linda, você sempre fica vermelha igual um pimentão quando eu te encaro. Pode ficar despreocu
Priscila— Você tá esquisita e muito calada para o meu gosto.Bia e eu estamos em seu quarto, sentadas no chão, enquanto ela pinta as unhas do pé, eu leio o livro obrigatório do cursinho para o vestibular. Mesmo estando no começo do ano, ainda assim preciso focar cem por cento nos estudos.— Não tenho nada. Estou somente estudando e aguardando a chegada da mamãe.Respondi, voltando a atenção ao capítulo que estou lendo.— Engraçado, que você não parece que está apenas lendo. Ficou caladinha no jantar, mamãe te perguntava as coisas e você respondia numa má vontade. O que tá pegando, contigo? O gatinho da boate te dispensou, foi isso? Você se arrumou demais para estudar naquele seu cursinho chato. Conta a verdade para sua melhor amiga. O carinha com nome diferente, te deu um bolo e você agora está se sentindo péssima porque continua virgem aos dezoito.Bia, não cansa de tirar sarro de mim, por achar que fui descartado. Para que ela deixasse de encher o meu saco, decidi contar sobre o en
PriscilaSão Paulo amanheceu debaixo de chuva. Mamãe foi para o trabalho de táxi, pago pelo seu chefe, ou não iria conseguir chegar a tempo. A nossa rua não teve alagamento, entretanto a rua do ponto de ônibus se encontra interditada e dessa forma, não tenho como ir para o cursinho. Até pensei em pagar o táxi com as economias que tenho na minha poupança, porém se faço isso é capaz da mamãe engolir meu fígado por eu estar gastando dinheiro com bobagens. Voltando para casa, dou de cara com Beatriz virando a rua que dá para a parte central da comunidade.— Voltou cedo ou tá matando aula?Questionou. Bia, usava um short jeans curtinho, blusinha de alças e uma maquiagem forte no rosto e não eram duas horas da tarde.— A rua do ponto de ônibus está interditada e eu não consegui chegar a tempo, então decidi voltar para casa. Quando a mamãe chegar do trabalho, explico certinho. E aonde vai essa hora toda arrumada?Perguntei, vendo o sorriso no rosto dela.— Me encontrar com o Juninho. Mamãe n
PriscilaOlhava a roupa que escolhi, pela terceira vez, indecisa se realmente estou bem. Beatriz aqui, seria de grande ajuda, porém não posso falar sobre o meu encontro com Ethan e a sua avó. Optei por uma calça jeans, uma camisa três quartos, azul clara e nos pés um sapato de saltinho, que ganhei no último natal. Geralmente uso ele quando vou aos cultos no domingo, entretanto ando um pouco desviada da igreja e nem sei como a mamãe deixou eu sair para me encontrar com os supostos amigos do cursinho. Ethan, achou melhor enviar um SMS, disse ter medo de que eu acabasse me complicando em casa, se fosse ligar então me mandou mensagem logo após o café da manhã. Portanto, limpei a casa, arrumei o meu quarto, tomei um banho demorado, até mesmo escovei os cabelos, coisa que raramente faço. Enfim, estava me sentindo bonita, tanto que deixei os cabelos soltos, caindo em cachos e a cor dele, estava um castanho mais brilhoso. Nos lábios um batom rosinha, maquiagem bem discreta, para não dar na ca
PriscilaEmma, preparou limonada com bolo de milho para o nosso lanche, enquanto tomava o seu chá de camomila. Ethan tentava me tranquilizar com as perguntas que sua avó fazia. Por duas vezes, percebi que ambos trocaram olhares, como se escondesse algo, entretanto deve ser loucura minha.— Sua mãe é secretária em uma clínica popular?Emma questiona, bebendo um gole do chá me observando.— Sim, mamãe trabalha para o doutor Júlio há muito tempo. Moramos em uma comunidade, e eu estudo no cursinho pré-vestibular da prefeitura no período da tarde.Respondi, tentando não parecer nervosa na frente dela.— Ethan me contou que vocês se conheceram em uma festa. Realmente o destino se encarregou de colocar uma boa garota na vida desse garoto.Diz, sorrindo para o neto.— Te contei que fui lá acompanhando o Miguel — Ethan respondeu para a avó.— Que não passa de uma má companhia e você sabe disso. Perdoe-me Priscila, mas às vezes tenho que chamar atenção dessa cabeça dura. Ethan e esses amigos qu