Priscila
— Você tá esquisita e muito calada para o meu gosto.
Bia e eu estamos em seu quarto, sentadas no chão, enquanto ela pinta as unhas do pé, eu leio o livro obrigatório do cursinho para o vestibular. Mesmo estando no começo do ano, ainda assim preciso focar cem por cento nos estudos.
— Não tenho nada. Estou somente estudando e aguardando a chegada da mamãe.
Respondi, voltando a atenção ao capítulo que estou lendo.
— Engraçado, que você não parece que está apenas lendo. Ficou caladinha no jantar, mamãe te perguntava as coisas e você respondia numa má vontade. O que tá pegando, contigo? O gatinho da boate te dispensou, foi isso? Você se arrumou demais para estudar naquele seu cursinho chato. Conta a verdade para sua melhor amiga. O carinha com nome diferente, te deu um bolo e você agora está se sentindo péssima porque continua virgem aos dezoito.
Bia, não cansa de tirar sarro de mim, por achar que fui descartado. Para que ela deixasse de encher o meu saco, decidi contar sobre o encontro.
— A gente se encontrou na porta do cursinho. O Ethan me levou na sorveteria, conversamos, ele me trouxe para a casa e não aconteceu nada, além disso.
Omiti os beijos trocados no carro, não sou louca de expor tudo e dessa forma ser feita de chacota por ela.
— Puta que pariu! Não acredito no que está me contando e acho que esse tal Ethan é coisa da sua cabeça. Nunca que você anda sozinha no carro de um desconhecido, do jeito que caga de medo da sua mãe. Priscila, conta outra, porque essa sua mentira eu não acredito.
Beatriz, respondeu, rindo de mim e percebo que minha amiga acha que eu inventaria uma mentira dessas.
— Não estou mentindo — falei na defensiva, vendo Beatriz parar com a pintura nas unhas para dar um tapinha de leve no meu rosto.
— Você ficou doida, foi?
Disse, afastando sua mão do meu rosto.
— Doida aqui é você. Pare de ficar sonhando com o príncipe encantado e comece a viver a realidade que você vive. Agora tomarei um banho, que hoje a noite sairei com o Juninho. Mas bico fechado, que espero os meus pais dormirem para encontrar com ele. Você deveria vir comigo, vai que acaba encontrando algum gatinho lá no baile.
Se levanta do chão, guardando suas coisas na necessaire, enquanto volto para a minha leitura. É melhor assim, Beatriz achando que é mentira minha. Pois se não der certo entre a gente, finjo que nunca o conheci e sigo a minha vida, tranquila como sempre vivi até hoje.
***
— Filha, não gosto de te deixar sozinha, porém vou ficar a semana inteira chegando em casa no mesmo horário.
Mamãe e eu estamos em casa, ela passou na casa da tia Kátia para me buscar e agora conversamos na cozinha de casa, enquanto ela prepara o almoço de amanhã. Mesmo não morando no luxo, temos uma vida estável e mamãe se esforça para que eu tenha o melhor em casa.
— Kátia, sabe que você tem que ficar me esperando na casa dela e passo para te buscar. Como foi a aula hoje? Fiquei tão preocupada lá no consultório. Você sabe como não gosto de te deixar em casa sozinha, mas o doutor Júlio marcou pacientes para depois das dezoito horas a semana inteira, como ele vai me pagar um extra por isso, aceitei, pois estou juntando dinheiro para as despesas, quando você começar a faculdade no próximo ano.
Mamãe comenta comigo. Eu me sinto mal, porque estou mentindo, por sair do curso e ido direto para um encontro com um garoto desconhecido. Se a minha mãe soubesse que deixei um homem me beijar e tocar com carinho o meu rosto e minhas pernas, poderia mandar o pastor me rezar por ter um espírito mundano ao lado.
— A senhora não tem que ficar economizando tanto assim, eu quero tentar mudar o horário do curso para a parte da manhã e conseguir um serviço de meio período para auxiliar nas despesas. Não é justo a senhora arcar com tudo sozinha, quando eu já sou uma mulher adulta.
Respondi. Mamãe diminui o fogo do arroz, vindo sentar na cadeira ao meu lado.
— Meu amor, quero apenas que você se esforce nos estudos para se tornar uma mulher digna e com um diploma. Além de ser a única filha que tenho, não quero que você termine os seus dias, trabalhando para os outros em um emprego como o meu.
Mesmo amando o consultório e o doutor Júlio sendo um bom patrão, mamãe quer um futuro diferente para a sua filha. Tanto que namoro é algo proibido em nossa casa, enquanto eu não terminar a faculdade, que se eu conseguir passar no vestibular, será aos vinte e três anos.
— Eu entendo, porém, eu quero auxiliar a senhora e já disse que vou dar um jeito de conseguir um trabalho temporário, nem que seja durante as férias do meio do ano.
Encerrei a conversa, levantando-me da cadeira, para preparar a salada, do dia seguinte. Minha mãe sempre preparava o almoço à noite, pois até mesmo o dinheiro da alimentação ela economizava para que eu pudesse lanchar no cursinho e pagar a minha passagem de ônibus ida e volta. Bia é que vivia dizendo que não faria isso por filho, mesmo sendo uma boa filha como eu. Me zoava falando que até os bons cometem falhas e que mamãe só faltava me colocar num altar por achar que eu era uma pessoa sem defeitos. Não decepcionaria nunca a minha mãe e encontrar Ethan outra vez, era melhor deixar claro que entre a gente não teria nada e assim posso seguir meus estudos sem nenhum tipo de distração.
PriscilaSão Paulo amanheceu debaixo de chuva. Mamãe foi para o trabalho de táxi, pago pelo seu chefe, ou não iria conseguir chegar a tempo. A nossa rua não teve alagamento, entretanto a rua do ponto de ônibus se encontra interditada e dessa forma, não tenho como ir para o cursinho. Até pensei em pagar o táxi com as economias que tenho na minha poupança, porém se faço isso é capaz da mamãe engolir meu fígado por eu estar gastando dinheiro com bobagens. Voltando para casa, dou de cara com Beatriz virando a rua que dá para a parte central da comunidade.— Voltou cedo ou tá matando aula?Questionou. Bia, usava um short jeans curtinho, blusinha de alças e uma maquiagem forte no rosto e não eram duas horas da tarde.— A rua do ponto de ônibus está interditada e eu não consegui chegar a tempo, então decidi voltar para casa. Quando a mamãe chegar do trabalho, explico certinho. E aonde vai essa hora toda arrumada?Perguntei, vendo o sorriso no rosto dela.— Me encontrar com o Juninho. Mamãe n
PriscilaOlhava a roupa que escolhi, pela terceira vez, indecisa se realmente estou bem. Beatriz aqui, seria de grande ajuda, porém não posso falar sobre o meu encontro com Ethan e a sua avó. Optei por uma calça jeans, uma camisa três quartos, azul clara e nos pés um sapato de saltinho, que ganhei no último natal. Geralmente uso ele quando vou aos cultos no domingo, entretanto ando um pouco desviada da igreja e nem sei como a mamãe deixou eu sair para me encontrar com os supostos amigos do cursinho. Ethan, achou melhor enviar um SMS, disse ter medo de que eu acabasse me complicando em casa, se fosse ligar então me mandou mensagem logo após o café da manhã. Portanto, limpei a casa, arrumei o meu quarto, tomei um banho demorado, até mesmo escovei os cabelos, coisa que raramente faço. Enfim, estava me sentindo bonita, tanto que deixei os cabelos soltos, caindo em cachos e a cor dele, estava um castanho mais brilhoso. Nos lábios um batom rosinha, maquiagem bem discreta, para não dar na ca
PriscilaEmma, preparou limonada com bolo de milho para o nosso lanche, enquanto tomava o seu chá de camomila. Ethan tentava me tranquilizar com as perguntas que sua avó fazia. Por duas vezes, percebi que ambos trocaram olhares, como se escondesse algo, entretanto deve ser loucura minha.— Sua mãe é secretária em uma clínica popular?Emma questiona, bebendo um gole do chá me observando.— Sim, mamãe trabalha para o doutor Júlio há muito tempo. Moramos em uma comunidade, e eu estudo no cursinho pré-vestibular da prefeitura no período da tarde.Respondi, tentando não parecer nervosa na frente dela.— Ethan me contou que vocês se conheceram em uma festa. Realmente o destino se encarregou de colocar uma boa garota na vida desse garoto.Diz, sorrindo para o neto.— Te contei que fui lá acompanhando o Miguel — Ethan respondeu para a avó.— Que não passa de uma má companhia e você sabe disso. Perdoe-me Priscila, mas às vezes tenho que chamar atenção dessa cabeça dura. Ethan e esses amigos qu
Priscila— Vou esperar mais quinze minutos. Se o seu namorado imaginário não aparecer, ficarei muito irritada, porque você me fez comprar uma roupa nova para te acompanhar ao shopping para no final ser apenas um delírio seu.Beatriz e eu estamos aguardando a chegada do Ethan, na entrada do shopping. Hoje é domingo, consegui convencer minha mãe a deixar eu ir ao cinema com a minha melhor amiga. Ethan sumiu por uns dias, quando me ligou contou que teve alguns problemas que ele precisava resolver, mas que agora estava tudo bem e que ele estava animado para sair comigo e conhecer a minha amiga.— Deve ter acontecido algo, pois ele me garantiu que viria e ainda me avisou que traria um amigo. Teremos um encontro duplo hoje e ao invés de reclamar, me agradeça.Disse entre risos, observando a porta de entrada. Queria me sentir mal, por pedir dinheiro da minha mãe para o cinema, enquanto eu, na verdade, estou aguardando o garoto que pouco a pouco vem adentrando o meu coração, fazendo com que e
Priscila— Amiga, juro que estou processando a notícia da tia desencalhando. Se ajoelhou no meio do quintal e agradeceu aos céus por esse feito? Sua mãe, com um namorado, vai deixar de ser chata, amarga e quem sabe você pode apresentar o seu gatinho para ela.Beatriz e eu estamos em meu quarto, enquanto escolho a roupa que vou usar no jantar de hoje a noite. Mamãe e a tia Kátia se encontram na cozinha, terminando de preparar a comida. A mãe da minha amiga, não pensou duas vezes antes de ajudar mamãe na preparação de tudo.— Eu continuo pensando sobre esse namoro. Poucas vezes eu me encontrei com o doutor Júlio. Ele sempre foi educado comigo e não se importava com mamãe levando a filha para o trabalho.Comentei ao me decidir por um vestido florido de manga curta, um pouco abaixo do joelho.— Contou para o Ethan que sua mãe tá namorando?Bia perguntou, enquanto separava alguns cordões e brincos para eu escolher mais tarde.— Não falei nada ainda. Amanhã, vamos passar a tarde na casa da
PriscilaEthan e eu estamos em seu quarto. Meu namorado pelo jeito pensou em tudo, para que nós dois tivéssemos uma tarde romântica. As guloseimas que amo, suco de laranja, tudo organizado em uma bandeja. Decidimos assistir um filme romântico, sobre um casal que se conheceu em uma noite, se apaixonaram, se separaram por interferência de terceiros e a protagonista ficou grávida, sendo obrigada a entregar a criança para adoção.Sentada entre as pernas dele, prestava atenção a cena em que o protagonista canta a canção que escreveu para o seu amor. Não pude deixar de chorar ao ouvir a canção romântica, mas, ao mesmo tempo, melancólica.— Só você mesmo, para me fazer assistir aos filmes melosos.Diz, cheirando meu cabelo.— O filme é lindo e você não pode falar o contrário.Respondi, fazendo um carinho em sua perna.— Linda é você e agora que o filme terminou, será que podemos namorar um pouco? Não é sempre que eu tenho a sorte da Emma deixar eu usar a casa dela, para um encontro amoroso c
PriscilaEstamos na cozinha da casa da Emma. Sentados um do lado do outro com a avó dele, a nossa frente nos olhando como aquelas diretoras prestes a passar um belo sermão aos alunos. Me sinto tão envergonhada ao ser pega num momento tão íntimo com Ethan que penso que nunca mais vou colocar os pés aqui. Enquanto estou envergonhada, Ethan age como se o que fizemos fosse algo normal.— Não quero parecer a avó chata e careta, algo que meu neto sabe que eu não sou. Porém, não posso deixar passar o que quase aconteceu debaixo do meu teto.Emma diz, sinto meu rosto arder de tanta vergonha e humilhação e queria sumir da frente dela num piscar de olhos.— Parece até que os jovens não transam hoje em dia.Ethan respondeu com ironia recebendo um olhar de advertência da sua avó.— Nada de brincadeiras sem graça, garoto. Você sabe muito bem do que eu quero falar. Você nem mesmo conheceu a mãe da Priscila, como quer dormir com a garota, quando nem mesmo fez o papel de homem como se deve fazer.Emm
Priscila— Como assim, você está namorando?Mamãe se levantou do sofá, encarando-me com olhos raivosos. Abaixei a cabeça para que ela não notasse o medo em meu rosto.— Me explique, como a minha única filha tem um namorado, quando ela vive de casa para o cursinho? Que brincadeira sem graça é essa, garota?Com a voz alterada, mamãe me questiona, como sou uma boba por achar que minha mãe iria aceitar tudo numa boa.— Deixe eu explicar direitinho, por favor mamãe. O Ethan e eu estamos juntos há alguns meses, ele é um garoto legal e a senhora vai gostar dele.Digo, tentando fazer com que ela não fique com mais raiva do que já está.— Ele é alguém da igreja? Ou aqui da comunidade? Não costumo te ver conversando com os garotos daqui.Questionou, permaneço de cabeça baixa, ouvindo suas perguntas e nego ser alguém da igreja daqui.— Era só o que me faltava. Minha filha, envolvida com algum marginal que a seduziu e agora você me envergonha perante as pessoas.Ela sentou novamente no sofá, pass