Priscila
São Paulo amanheceu debaixo de chuva. Mamãe foi para o trabalho de táxi, pago pelo seu chefe, ou não iria conseguir chegar a tempo. A nossa rua não teve alagamento, entretanto a rua do ponto de ônibus se encontra interditada e dessa forma, não tenho como ir para o cursinho. Até pensei em pagar o táxi com as economias que tenho na minha poupança, porém se faço isso é capaz da mamãe engolir meu fígado por eu estar gastando dinheiro com bobagens. Voltando para casa, dou de cara com Beatriz virando a rua que dá para a parte central da comunidade.
— Voltou cedo ou tá matando aula?
Questionou. Bia, usava um short jeans curtinho, blusinha de alças e uma maquiagem forte no rosto e não eram duas horas da tarde.
— A rua do ponto de ônibus está interditada e eu não consegui chegar a tempo, então decidi voltar para casa. Quando a mamãe chegar do trabalho, explico certinho. E aonde vai essa hora toda arrumada?
Perguntei, vendo o sorriso no rosto dela.
— Me encontrar com o Juninho. Mamãe não está em casa, então aproveitei para ir até a casa dele.
Diz, sem um pingo de medo na voz.
— Amiga, não acha que você anda brincando com o perigo? O Juninho, não vive uma vida muito correta e você fica se encontrando com esse tipo de garoto. Não pensa na tia Kátia e na decepção, que será quando ela descobrir?
Digo, tentando colocar um pouco de juízo na cabeça oca da minha amiga.
— Que decepção? Ao menos não sou uma frígida como você, que nem mesmo deixa os garotos encostarem em você. Sou nova, bonita e gosto de viver a vida, se você quer ser uma freira ou a irmã da igreja é problema seu e não meu.
Respondeu rudemente para mim, dando um esbarrão em meu braço, caminhando em direção às casas no final da rua. Dou de ombros e de verdade não baterei cabeça com Beatriz e sua teimosia. Aproveito que estou em casa e finalizo algumas atividades, dessa forma eu adiando as tarefas do cursinho e posso aproveitar melhor o final de semana.
***
Um dia sem aula, acabou se transformando na semana inteira e só voltei para o cursinho na sexta-feira, mamãe também passou a semana toda, indo e vindo de táxi pago pelo doutor Júlio, que garantiu que não iria descontar um centavo do pagamento dela. Durante a aula, descobri que quase todos os alunos faltaram, devido aos estragos da chuva de terça-feira. A sorte nossa na comunidade é que não tem enchente e as casas ficam na parte alta e nem desabamento tem perigo de acontecer. O professor passou uma atividade valendo nota e que teríamos um simulado, parecido ao vestibular da federal do Estado. Eu teria que me desdobrar nos estudos e com certeza Bia ficaria chateada, por estragar o nosso passeio de sábado. Pois minha mãe iria para um retiro amanhã cedo e volta no domingo a noite, então eu havia combinado de dormir na casa da minha amiga. Mas eu precisava estudar. O professor encerrou a aula, guardei minhas coisas na mochila e saí apressada, para não perder o ônibus das cinco e trinta. Ao sair do prédio, sou pega de surpresa ao dar de cara com Ethan me esperando encostado em uma moto Harley Davidson? É isso mesmo? Ele apareceu aqui de moto, com sua roupa preta, coturno e cordões de prata envolta do pescoço. Será que Ethan é algum ladrão de bancos? Para andar por aí em uma moto dessas.
Atravessei a rua correndo, me aproximando dele, que deu um sorriso ao me ver chegando.
— O que você faz aqui?
É a primeira coisa que perguntei dele.
— Você já me perguntou, antes de me dar um beijinho ou perguntar como estou?
Rebateu a pergunta, puxando-me pela cintura, beijando a minha boca sem importar o local que estamos. Me afastei dele, olhando nervosa para os lados, dando um suspiro tranquilo por ter pouco movimento.
— O que aconteceu que você sumiu a semana inteira? Pensei que estivesse fugindo de mim.
Ethan diz. Eu então conto o motivo das minhas faltas.
— Deveria ter me ligado. Eu iria te buscar com maior prazer. Até queria te ligar, mas fiquei pensando se você não estava no clima para falar comigo, então resolvi aparecer hoje aqui. Se não conseguisse falar contigo, iria desistir de insistir em continuar saindo com a garota mais linda que eu conheço.
Respondeu com um sorriso, me deixando numa felicidade que eu não pensei que poderia existir.
— É melhor você ir agora. Preciso ir para a parada de ônibus ou acabarei chegando tarde em casa.
Disse, arrumando a mochila em meu ombro.
— Vamos! Eu apareci preparado, com dois capacetes e assim você não tem desculpa para não aceitar a minha carona.
— Essa moto é de quem? Desculpa, mas ela é muito chique para um cara como você pilotar e não posso ter problemas com a policial ou a minha mãe vai me matar se souber que eu andei em uma moto roubada.
Respondi, com medo de ter ofendido ele com as palavras. Mas sou obrigada a ser direta. Então vejo quando ele começa a rir do que eu falei.
— O que é engraçado?
— Você acha que eu sou um bandido porque estou pilotando essa moto. Linda, confia em mim, eu te disse. Eu não sou bandido nem ofereço perigo para a sociedade. Quero dizer, a Emma diz que sou um rebelde com causa, mas isso é um assunto para depois. Já que você acha que eu sou um estranho, aceitar sair comigo amanhã à tarde? Eu te levo para conhecer a minha coroa e você vai poder continuar se encontrando comigo, sem neuras ou desconfianças.
Pondero um pouco em aceitar, até porque eu preciso estudar e também não costumo sair de casa. Mas e se eu pedir da minha mãe? Atividade extra do cursinho, ela não iria brigar. Posso adiantar tudo a noite, mas digo que vou me encontrar com o pessoal em algum lugar e assim eu sei que ela vai deixar.
— Vou pensar e amanhã você me telefona na parte da manhã, tudo bem?
Respondi, recebendo um sorriso dele.
— Te garanto que você vai amar conhecer a Emma e a casa dela. Agora anda, sobe na minha garupa que eu te deixo uma rua antes da principal e ninguém vai ver que eu te trouxe em casa e amanhã eu te busco com o meu carro e assim você não vai ter problemas com a sua mãe em casa.
Ethan me entregou o capacete. Penso por alguns segundos, até que concordo com a carona. Com uma certa timidez, subi na garupa sem saber como segurar a cintura dele sem parecer avançada demais. Ele percebeu minha vergonha e pegou minhas mãos, colocando em sua cintura.
— Se segura bem firme que em menos de vinte minutos estamos em casa.
Eu assenti, fechando os olhos com medo mas ao mesmo tempo ansiosa por essa aventura ao seu lado.
PriscilaOlhava a roupa que escolhi, pela terceira vez, indecisa se realmente estou bem. Beatriz aqui, seria de grande ajuda, porém não posso falar sobre o meu encontro com Ethan e a sua avó. Optei por uma calça jeans, uma camisa três quartos, azul clara e nos pés um sapato de saltinho, que ganhei no último natal. Geralmente uso ele quando vou aos cultos no domingo, entretanto ando um pouco desviada da igreja e nem sei como a mamãe deixou eu sair para me encontrar com os supostos amigos do cursinho. Ethan, achou melhor enviar um SMS, disse ter medo de que eu acabasse me complicando em casa, se fosse ligar então me mandou mensagem logo após o café da manhã. Portanto, limpei a casa, arrumei o meu quarto, tomei um banho demorado, até mesmo escovei os cabelos, coisa que raramente faço. Enfim, estava me sentindo bonita, tanto que deixei os cabelos soltos, caindo em cachos e a cor dele, estava um castanho mais brilhoso. Nos lábios um batom rosinha, maquiagem bem discreta, para não dar na ca
PriscilaEmma, preparou limonada com bolo de milho para o nosso lanche, enquanto tomava o seu chá de camomila. Ethan tentava me tranquilizar com as perguntas que sua avó fazia. Por duas vezes, percebi que ambos trocaram olhares, como se escondesse algo, entretanto deve ser loucura minha.— Sua mãe é secretária em uma clínica popular?Emma questiona, bebendo um gole do chá me observando.— Sim, mamãe trabalha para o doutor Júlio há muito tempo. Moramos em uma comunidade, e eu estudo no cursinho pré-vestibular da prefeitura no período da tarde.Respondi, tentando não parecer nervosa na frente dela.— Ethan me contou que vocês se conheceram em uma festa. Realmente o destino se encarregou de colocar uma boa garota na vida desse garoto.Diz, sorrindo para o neto.— Te contei que fui lá acompanhando o Miguel — Ethan respondeu para a avó.— Que não passa de uma má companhia e você sabe disso. Perdoe-me Priscila, mas às vezes tenho que chamar atenção dessa cabeça dura. Ethan e esses amigos qu
Priscila— Vou esperar mais quinze minutos. Se o seu namorado imaginário não aparecer, ficarei muito irritada, porque você me fez comprar uma roupa nova para te acompanhar ao shopping para no final ser apenas um delírio seu.Beatriz e eu estamos aguardando a chegada do Ethan, na entrada do shopping. Hoje é domingo, consegui convencer minha mãe a deixar eu ir ao cinema com a minha melhor amiga. Ethan sumiu por uns dias, quando me ligou contou que teve alguns problemas que ele precisava resolver, mas que agora estava tudo bem e que ele estava animado para sair comigo e conhecer a minha amiga.— Deve ter acontecido algo, pois ele me garantiu que viria e ainda me avisou que traria um amigo. Teremos um encontro duplo hoje e ao invés de reclamar, me agradeça.Disse entre risos, observando a porta de entrada. Queria me sentir mal, por pedir dinheiro da minha mãe para o cinema, enquanto eu, na verdade, estou aguardando o garoto que pouco a pouco vem adentrando o meu coração, fazendo com que e
Priscila— Amiga, juro que estou processando a notícia da tia desencalhando. Se ajoelhou no meio do quintal e agradeceu aos céus por esse feito? Sua mãe, com um namorado, vai deixar de ser chata, amarga e quem sabe você pode apresentar o seu gatinho para ela.Beatriz e eu estamos em meu quarto, enquanto escolho a roupa que vou usar no jantar de hoje a noite. Mamãe e a tia Kátia se encontram na cozinha, terminando de preparar a comida. A mãe da minha amiga, não pensou duas vezes antes de ajudar mamãe na preparação de tudo.— Eu continuo pensando sobre esse namoro. Poucas vezes eu me encontrei com o doutor Júlio. Ele sempre foi educado comigo e não se importava com mamãe levando a filha para o trabalho.Comentei ao me decidir por um vestido florido de manga curta, um pouco abaixo do joelho.— Contou para o Ethan que sua mãe tá namorando?Bia perguntou, enquanto separava alguns cordões e brincos para eu escolher mais tarde.— Não falei nada ainda. Amanhã, vamos passar a tarde na casa da
PriscilaEthan e eu estamos em seu quarto. Meu namorado pelo jeito pensou em tudo, para que nós dois tivéssemos uma tarde romântica. As guloseimas que amo, suco de laranja, tudo organizado em uma bandeja. Decidimos assistir um filme romântico, sobre um casal que se conheceu em uma noite, se apaixonaram, se separaram por interferência de terceiros e a protagonista ficou grávida, sendo obrigada a entregar a criança para adoção.Sentada entre as pernas dele, prestava atenção a cena em que o protagonista canta a canção que escreveu para o seu amor. Não pude deixar de chorar ao ouvir a canção romântica, mas, ao mesmo tempo, melancólica.— Só você mesmo, para me fazer assistir aos filmes melosos.Diz, cheirando meu cabelo.— O filme é lindo e você não pode falar o contrário.Respondi, fazendo um carinho em sua perna.— Linda é você e agora que o filme terminou, será que podemos namorar um pouco? Não é sempre que eu tenho a sorte da Emma deixar eu usar a casa dela, para um encontro amoroso c
PriscilaEstamos na cozinha da casa da Emma. Sentados um do lado do outro com a avó dele, a nossa frente nos olhando como aquelas diretoras prestes a passar um belo sermão aos alunos. Me sinto tão envergonhada ao ser pega num momento tão íntimo com Ethan que penso que nunca mais vou colocar os pés aqui. Enquanto estou envergonhada, Ethan age como se o que fizemos fosse algo normal.— Não quero parecer a avó chata e careta, algo que meu neto sabe que eu não sou. Porém, não posso deixar passar o que quase aconteceu debaixo do meu teto.Emma diz, sinto meu rosto arder de tanta vergonha e humilhação e queria sumir da frente dela num piscar de olhos.— Parece até que os jovens não transam hoje em dia.Ethan respondeu com ironia recebendo um olhar de advertência da sua avó.— Nada de brincadeiras sem graça, garoto. Você sabe muito bem do que eu quero falar. Você nem mesmo conheceu a mãe da Priscila, como quer dormir com a garota, quando nem mesmo fez o papel de homem como se deve fazer.Emm
Priscila— Como assim, você está namorando?Mamãe se levantou do sofá, encarando-me com olhos raivosos. Abaixei a cabeça para que ela não notasse o medo em meu rosto.— Me explique, como a minha única filha tem um namorado, quando ela vive de casa para o cursinho? Que brincadeira sem graça é essa, garota?Com a voz alterada, mamãe me questiona, como sou uma boba por achar que minha mãe iria aceitar tudo numa boa.— Deixe eu explicar direitinho, por favor mamãe. O Ethan e eu estamos juntos há alguns meses, ele é um garoto legal e a senhora vai gostar dele.Digo, tentando fazer com que ela não fique com mais raiva do que já está.— Ele é alguém da igreja? Ou aqui da comunidade? Não costumo te ver conversando com os garotos daqui.Questionou, permaneço de cabeça baixa, ouvindo suas perguntas e nego ser alguém da igreja daqui.— Era só o que me faltava. Minha filha, envolvida com algum marginal que a seduziu e agora você me envergonha perante as pessoas.Ela sentou novamente no sofá, pass
PriscilaSentada na cadeira aqui da varanda de casa, aguardo a chegada do Ethan e da Emma. Júlio estava na cozinha com a minha mãe e o dia aqui foi num clima alegre e mamãe não demonstrou insatisfação enquanto eu auxiliava na preparação da comida. Optei em usar um vestido florido, cabelos soltos e nos pés uma sapatilha, quis ficar bem bonita para a primeira vez do meu namorado aqui em casa. Comentei que o prato favorito do Ethan é estrogonofe de carne com cogumelos e purê de batata e arroz branco. Ela então foi até o supermercado, comprou filé para preparar o jantar e disse que cozinharia com carinho a nossa comida. Com sorte eu consegui preparar mousse de chocolate para a sobremesa e Júlio escolheu um vinho suave para acompanhar. Mamãe perguntou se Ethan tinha carteira de motorista e eu respondi que sim, mas escondi a caminhonete que ele costuma dirigir. Observo as pessoas caminhando na rua de casa, até que notei um carro virando a esquina e logo estacionando na porta da minha casa.