Antonella Fontana
Assim que o senhor Vincenzo sai, aproveito o momento de paz para ir até o quarto onde o pequeno Enrico está. A cena é até cômica: uma pequena bolinha de bebê, bem embrulhada, deitada no meio de uma cama enorme. Sinto um misto de ternura e incredulidade ao vê-lo ali, tão indefeso e alheio ao peso que o nome D'Angelis carrega. Ele mal sabe o que o espera. Olho ao redor e faço uma análise rápida do que será necessário para transformar aquele ambiente impessoal em um quarto de bebê adequado. Anoto mentalmente: uma cômoda com trocador, uma poltrona confortável para amamentação, um berço decente, uma babá eletrônica e, claro, uma banheira. Também vou precisar de um carrinho. No quesito de móveis, isso deve bastar por enquanto. Fecho a porta com cuidado e sigo em direção ao meu novo quarto. Ele é grande, frio, sem personalidade. Embora a cama seja macia e confortável, o ambiente está longe de ser acolhedor. Não faço questão de pedir mudanças, sei que isso é temporário. No entanto, já faço outra lista, desta vez de roupas, calçados, meias, mamadeiras, chupetas, pratos e todo o restante das coisas que um bebê precisa. Aproveito e luxo um pouco, confesso, já que tenho um carinho especial por bebês. Por fim, começo uma terceira lista, agora de fórmulas infantis, e verifico onde poderia encontrar leite materno em um banco de leite local. Não há dúvida de que um recém-nascido precisa ser bem alimentado desde o início. Também acrescento itens de higiene básicos, como fraldas, lenços umedecidos, pomadas e tudo o mais que será necessário nos primeiros dias. Suspiro e me jogo na cama, deixando os pensamentos vagarem. Apesar de não querer passar um ano inteiro nessa casa, sei que esse trabalho é crucial para minha sobrevivência futura. Não tenho qualquer interesse em permanecer no mundo da máfia. Fazer esse serviço vai me permitir juntar dinheiro suficiente para sair e construir minha própria vida. Se eu ficasse aqui, seria forçada a um casamento arranjado, com alguém que provavelmente me veria como mero acessório de poder. O dinheiro será a minha liberdade. Levanto-me rapidamente ao ouvir um pequeno resmungo vindo do quarto ao lado. Caminho em passos rápidos até lá e encontro Enrico mexendo os bracinhos de forma descoordenada, ainda embrulhado em seu cobertor. Ele é tão pequeno. Pego-o com cuidado, mas logo noto que a fralda está pesada. Com o bebê nos braços, decido descer e procurar o escritório de Vincenzo. Bato na porta e, ao ouvir a permissão para entrar, empurro-a suavemente. — Senhor Vincenzo — começo, mantendo o tom formal que ele parece preferir —, fiz algumas listas com tudo o que será necessário. Precisamos dar prioridade aos itens de farmácia, porque essa é a necessidade mais urgente no momento. Ele concorda com a cabeça, sem levantar os olhos dos papéis à sua frente. — Pode enviar a lista ao meu pai. Ele passará para os rapazes que farão as compras — responde com a voz calma, mas autoritária. — Certo — digo, hesitando por um momento. — Na verdade, tirando os móveis do quarto, consigo me virar sem eles por enquanto. Mas os outros itens precisam de urgência. Quando a fome bater, por Deus, vai ser um choro sem fim — brinco, tentando aliviar o clima. Vincenzo levanta os olhos e me encara sério, sem captar o tom leve da minha fala. — Dê a ele alguma fruta. Bebês comem coisas amassadas — diz, quase como uma ordem. Sorrio levemente, mas balanço a cabeça em negação. — Recém-nascidos só tomam leite, senhor. No caso dele, será fórmula. A introdução de alimentos sólidos só acontece por volta dos seis meses. Ele suspira, claramente exasperado com essa nova realidade. — Tudo bem. Apenas faça o que for necessário. Tenho outros assuntos a resolver. Confio em você para cuidar dele. Se precisar de algo, vá até meus pais e se alimente. Agora, com licença. Saio fechando a porta com cuidado. Sussurro para o pequeno em meus braços: — Sorte sua que tem a mim, pequeno. Senão estaria perdido com um pai que não sabe nada sobre bebês. Caminho de volta para o quarto de Enrico, sentindo um leve peso no peito. Já sei que a parte mais difícil de cuidar dele por tanto tempo será me apegar. É inevitável. Como não se apegar a um bebê tão pequeno, tão frágil, especialmente vivendo na mesma casa? Suspiro novamente, sabendo que, quando chegar a hora de partir, meu coração vai se partir também. Deito-me na cama, com Enrico descansando sobre o meu peito, passando a mão suavemente nas suas costas, tentando acalmá-lo. Espero que o processo de adaptação seja rápido, para que ele possa tomar banho e se alimentar em breve. ... Acordo sobressaltada ao ouvir barulho de sacolas sendo colocadas no chão. Vincenzo está no quarto, descarregando o que parece ser a primeira leva de itens que pedi. O pequeno Enrico ainda está quietinho no meu peito, acordado, mas tranquilo. — Não queria acordar vocês — sussurra Vincenzo, olhando para o bebê com um certo desconcerto. — Tudo bem — digo, sorrindo. — Ele precisa mesmo de um banho e de uma mamadeira. Não sei como ainda não chorou. — Ele sabe que homens fortes não choram à toa — responde ele, com um tom levemente zombeteiro, mas também carregado de uma verdade que só quem viveu no mundo da máfia entende. Sorrio de volta, mas há uma verdade triste nas palavras dele. — Ser o futuro chefe da máfia D'Angelis não é para os fracos, de fato. Já vi muita coisa em meus 18 anos. — Imagina eu — diz ele, com uma ironia cansada. — Enfim, está tudo aqui. Faça o que precisa ser feito. Estarei no meu quarto. Logo a chamo para irmos ao anexo dos meus pais para o jantar. Assinto e começo a organizar as coisas. Banho, roupinhas, mamadeira... todo o processo é uma pequena batalha com um bebê tão pequeno. Ele chora, claro, mas aos poucos, tudo vai se ajeitando. Enquanto o alimento, olho para o rosto dele e percebo como esse pequeno ser vai crescer em um mundo tão cruel e impiedoso. Quando término, estou na cozinha, preparando a mamadeira, quando uma voz feminina me surpreende. — Está tudo certo com o pequeno? Viro-me e vejo uma jovem com longos cabelos pretos e olhos azuis, claramente uma D'Angelis. — Sim, senhorita. Enrico é um bebê muito calmo. Acho que ele sente que é apenas um grãozinho nesse mundo e que precisa sobreviver — digo, tentando não parecer muito formal. — Ele não chegou sob circunstâncias convencionais, de fato — ela sorri, passando a mão de leve na cabeça do bebê. — Sou Giulia D'Angelis. Sorrio de volta. — Prazer, senhorita. Sou Antonella Fontana, acho que já sabe. — Deixe o "senhorita" apenas para meu irmão. Não precisamos dessas formalidades. Temos a mesma idade, provavelmente. — Prefiro manter o respeito. Afinal, você é da família mais poderosa da máfia — respondo, mantendo minha postura profissional. Ela dá de ombros — Você quem sabe. Eu não ligo para isso, mas entendo. Espero que se sinta à vontade por aqui. Vai precisar de forças para cuidar desse pequeno. Ele vai precisar de você mais do que qualquer um imagina. Saímos da cozinha, e, à medida que volto a pensar no futuro de Enrico, não posso deixar de sentir um certo pressentimento. Um bebê dentro de uma família mafiosa como a dos D'Angelis carrega muito mais do que um nome. Carrega expectativas, poder e, acima de tudo, um destino que não pode ser evitado. E aqui estou eu, em meio a tudo isso, sabendo que o meu tempo com ele será temporário, mas o impacto... esse será para sempre. Tradução das palavras • Piccolo — Pequeno • Dio — Deus • Signor(e) — Senhor • Genitori — Pais • Signora — SenhoraVincenzo D'Angelis O jantar estava à espera quando cheguei à cozinha para buscar Antonella. O cheiro da comida fresca impregnava o ar, e o silêncio que preenchia a mansão era quase ensurdecedor. O pequeno Enrico, deitado tranquilo no carrinho, fazendo seus sons de bebê baixinho enquanto eu guiava a jovem babá em direção ao anexo dos meus pais.— Andiamo — disse, indicando com um gesto. Antonella sorriu, aliviada, talvez porque o carrinho ajudaria a mantê-la de olho no bebê enquanto comíamos.Ao chegar na sala de jantar, todos estavam reunidos. A grande mesa estava elegantemente posta, como sempre. A famiglia, sentada com toda sua postura impiedosa, esperava por nós. O ambiente estava carregado, com olhares que pesavam mais do que palavras.— Ecco qua! — Leonardo, sempre atrevido, foi o primeiro a falar. — O pequeno Enrico mal chegou e já conseguiu uma bela rapariga como babá! — brincou, sua voz carregada de sarcasmo.— Basta! — cortei, minha voz firme ecoando na sala. — Quero respeit
Vincenzo D'AngelisO dia amanheceu com o céu pesado, como se até mesmo o tempo soubesse da tensão que esse dia traria. A escuridão das nuvens refletia o peso que pressionava meu peito. Não é fácil lidar com os problemas que giram em torno da máfia, e as palavras da raposa — Antonella, a ruiva que agora cuida de mio figlio — não saíam da minha cabeça. Ela falara com uma convicção que me perturbava. Por que ela acredita que uma vida fora da máfia seria melhor? Por que ela quer tanto proteger Enrico, um bebê que não é dela?Há algo nela que me intriga e preocupa. Ela é leal ou uma ameaça? Preciso entender. Com esse pensamento, chamei um dos meus homens de confiança, Enzo, para investigar cada detalhe da vida de Antonella. Suas ideias sobre fuga e proteção podem ser perigosas, e qualquer fraqueza na nossa casa poderia ser usada pelos inimigos.Depois de me preparar para o dia, saí do quarto e segui até a cozinha. A mesa estava posta com um modesto café da manhã. A raposa, como tenho cham
Vincenzo D'Angelis Os dias passaram como semanas. A espera pelo conselho que decidiria o meu destino e o do bambino parecia interminável. Na minha mente, as palavras da babá do meu filho ecoavam. Ela havia insinuado algo, algo que eu não conseguia entender completamente. Do que será que ela estava tentando fugir? Esse mistério rondava meus pensamentos enquanto aguardava, sem escolha, pelo inevitável confronto com o conselho. A notícia não demorou a chegar. Meu primo, Leonardo, entrou no escritório com passos rápidos e expressão tensa, o que já me dava uma pista do que ele trazia consigo. — Buongiorno, primo — começou ele, com a voz carregada de nervosismo. — O Capo pediu para avisar que a reunião do conselho será hoje à tarde. E que você esteja preparado, porque nada de bom sai daqueles abutres. Suspirei profundamente. Preparar-se? Como se alguém pudesse se preparar para algo assim. Eu estava à beira de um julgamento que poderia definir o resto da minha vida. — Cazzo, não tem co
Vincenzo D'AngelisAcordei com o som suave de um choro abafado. Durante os primeiros segundos, demorei a entender o que estava acontecendo. Meu instinto imediato foi me preparar para o pior, para uma emergência, para algo que precisava ser resolvido. Mas então lembrei: eu estava de licença. Não era um som de ameaça ou de perigo. Era o choro... do meu filho.Levantei-me lentamente, ainda me acostumando com a ideia de estar em casa. Uma semana fora, e agora estava aqui, sem reuniões ou telefonemas urgentes para atender. Esse tipo de silêncio — exceto pelo choro do bebê, claro — parecia mais desconcertante do que qualquer coisa.Desci as escadas devagar, com passos que pareciam mais pesados do que o normal. A verdade é que me sentia fora de lugar. A sala estava banhada pela luz suave da manhã, e lá estava Antonella, segurando Enrico em seus braços. Ela balançava gentilmente, falando com ele com uma voz doce e tranquilizadora. Era um contraste gritante com as conversas severas e carregada
Antonella FontanaO som suave de Enrico mexendo-se no berço foi o primeiro sinal de que a manhã já começava a despertar. Eu estava ali, sentada no sofá da sala, observando a luz fraca do sol filtrando pelas cortinas, com uma xícara de café nas mãos. Desde que Vincenzo foi afastado, nossos dias ganharam uma nova rotina. Uma rotina estranha, porém, mais tranquila, sem a pressão constante da máfia, mas eu sabia que isso era temporário. Vincenzo era parte desse mundo, e, por mais que eu quisesse acreditar que ele estava gostando desse tempo com Enrico, havia algo que o mantinha distante.O som de passos no corredor logo quebrou o silêncio, e eu já sabia que era ele. Vincenzo surgiu com os cabelos bagunçados e o rosto sério, aquele ar que ele sempre carregava, como se estivesse a quilômetros de distância, mesmo estando ali na sala comigo e o filho dele. No entanto, o semblante dele suavizou assim que avistou Enrico.— Buongiorno, Raposa — disse ele com aquele sorriso discreto, chamando-me
Vincenzo D'AngelisO silêncio da noite era mais profundo do que o habitual, o tipo de quietude que só se encontra nas horas mais tardias, quando o mundo parece ter parado. Estava na sala, uma luz suave iluminando apenas o suficiente para que eu visse o rosto sereno de Enrico, adormecido em meus braços. Era sexta-feira, o final de uma semana que, para minha surpresa, foi diferente de qualquer outra.Eu nunca fui o tipo de homem que fica em casa. Não tinha tempo para isso. Estar aqui, cuidando do meu filho, era uma novidade que, admito, no início não me agradava muito. Meu lugar sempre foi na linha de frente, no controle das operações, com decisões pesadas sobre meus ombros. Mas algo mudou. Algo que eu não havia previsto.Olhei para o pequeno Enrico, o corpo quente e frágil aninhado no meu peito. Ele não fazia ideia do mundo que o esperava, do caos que poderia engoli-lo se eu não estivesse à altura da tarefa de protegê-lo. Eu não sabia o que estava fazendo como pai — quem no meu lugar s
Antonella FontanaAcordei no sábado, pensativa. Eu e Vincenzo acabamos criando uma amizade onde temos mais liberdade para nos abrir e brincar, aliviando todo o peso da decisão que está próxima. Isso me deixa um pouco ansiosa, pois percebo que estou me apegando mais a Vincenzo e a Enrico, como se ele realmente fosse meu filho. E isso não é bom.Levantei-me, seguindo meu ritual matinal, e segui para o quarto do pequeno, onde uma cena aqueceu meu coração mais do que todas que presenciei essa semana. Vincenzo estava trocando a fralda de Enrico. Até aí, normal. Mas a forma como ele conversava com o bambino, prometendo ser um bom pai, prometendo protegê-lo e fazer dele um homem forte, um líder nato, era de partir o coração. Sua voz saía com tanto carinho e afeição que não pude evitar um sorriso, talvez me rendendo um pouco mais a esse homem.— Vince, tudo bem por aí? — me critiquei mentalmente por ter usado apelidos, mas ao ver o leve sorriso de Vincenzo, esse arrependimento desapareceu.—
Vincenzo D'AngelisAcordei no sofá, a luz da manhã filtrando-se através das cortinas. A sensação de ter Antonella ao meu lado durante a noite ainda estava fresca em minha mente. Não conseguia deixar de lembrar do jantar, da forma como nossos olhares se cruzaram e do calor que crescia entre nós enquanto cozinhávamos e assistíamos ao filme. A proximidade dela me deixou com um nó no estômago, uma mistura de alegria e apreensão. Nunca pensei que me sentiria tão confortável, tão relaxado, mesmo em meio ao caos da minha vida.Levantei-me devagar, tentando não fazer barulho para não a acordar. A noite foi tranquila, mas a imagem dela adormecida ao meu lado fez meu coração acelerar. Enquanto caminhava até a cozinha, fui tomado por um sentimento de gratidão. A Raposa havia se tornado uma parte importante da minha vida, e cuidar de Enrico não seria a mesma coisa sem ela.Decidi preparar um café para nós dois. O aroma do café fresco começou a preencher o ar, e a sensação de estar em casa, cercad