Vincenzo D'Angelis
O dia amanheceu com o céu pesado, como se até mesmo o tempo soubesse da tensão que esse dia traria. A escuridão das nuvens refletia o peso que pressionava meu peito. Não é fácil lidar com os problemas que giram em torno da máfia, e as palavras da raposa — Antonella, a ruiva que agora cuida de mio figlio — não saíam da minha cabeça. Ela falara com uma convicção que me perturbava. Por que ela acredita que uma vida fora da máfia seria melhor? Por que ela quer tanto proteger Enrico, um bebê que não é dela? Há algo nela que me intriga e preocupa. Ela é leal ou uma ameaça? Preciso entender. Com esse pensamento, chamei um dos meus homens de confiança, Enzo, para investigar cada detalhe da vida de Antonella. Suas ideias sobre fuga e proteção podem ser perigosas, e qualquer fraqueza na nossa casa poderia ser usada pelos inimigos. Depois de me preparar para o dia, saí do quarto e segui até a cozinha. A mesa estava posta com um modesto café da manhã. A raposa, como tenho chamado Antonella em minha mente, alimentava o bebê com delicadeza, como se o pequeno Enrico fosse a coisa mais preciosa do mundo. Seus olhos, sempre atentos, observaram cada movimento ao seu redor. — Buongiorno, raposa — saí sem querer, percebendo que o apelido já havia escapado de meus lábios. Ela ergueu uma sobrancelha, seu olhar afiado e curioso. — Raposa? — Você está sempre alerta, com esses olhos espertos. Sempre na defensiva, como uma raposa... além de ser ruiva — expliquei, me corrigindo rapidamente. — Desculpe-me. — Tutto bene, Signore Vincenzo — ela respondeu, com uma neutralidade que deixava transparecer um leve desconforto, mas sem dar sinais de ofensa. Sentei-me para tomar o café, tentando afastar o nervosismo. Não demorou muito até que Germana, uma mulher leal à nossa família há anos, entrasse na cozinha, trazendo notícias. — Bom dia, Signore Vincenzo. O resultado do teste de paternidade está com o senhor Alessandro. Ele pediu que o senhor se reúna com a famiglia para discutir o resultado. Assenti em silêncio, um nó se formando em minha garganta. Eu sabia que esse momento chegaria, mas agora que estava prestes a acontecer, sentia o peso das responsabilidades se acumularem. Cada decisão que tomarmos a partir de agora terá consequências duras. As palavras de Antonella cortaram o ar novamente, murmuradas para o pequeno Enrico em seus braços. — Hoje saberemos se você faz parte dessa famiglia, piccolo. Havia algo irônico e até triste na maneira como ela falava com ele. Um bebê tão pequeno, envolvido em um mundo de segredos e poder que ele nem sequer pode entender. Mas para nós, mafiosos, sangue e lealdade são tudo. Esse resultado pode mudar tudo. A sala de reuniões do anexo dos meus pais era grandiosa, como toda a herança da famiglia D'Angelis, mas hoje parecia sufocante. O ar era denso, pesado com a expectativa. A presença dos membros da família mais velha, sentados em volta da mesa, fazia o ambiente vibrar com a história e a gravidade da situação. Cada pessoa presente ali sabia o que estava em jogo: o futuro de Enrico, e o meu. Papa estava no centro, segurando o envelope que continha a resposta para a questão que nos perturbava há semanas. Seus olhos varreram a sala antes de abrir o documento, uma última olhada em todos os rostos conhecidos, um gesto de liderança. Ele começou a ler com a voz firme, apesar da tensão. Mas eu mal podia ouvir. Meus pensamentos estavam concentrados em uma única frase que eu sabia que ouviria: "9,99999% de certeza que Vincenzo D'Angelis é o pai biológico de Enrico." Assim que essas palavras foram ditas, uma onda de silêncio tomou conta da sala. Minha respiração pesava, mas por fora, eu permanecia impassível. Por dentro, sentia um misto de alívio e pavor. O pequeno Enrico era meu filho, e agora eu teria que lidar com as consequências dessa verdade. Uma verdade que poderia abalar as fundações da nostra famiglia. — Não sei se fico feliz por o piccolo ser de nossa famiglia ou preocupada com o nosso destino — comentou Giulia, sua voz tensa, os olhos preocupados voltados para mim. Meu pai, com sua habitual seriedade, se levantou. — Figlio, convocarei o Conselho imediatamente. Quando a reunião for marcada, você será informado. Haverá muito a discutir. Assenti em silêncio, sentindo o peso da responsabilidade se intensificar. Minha família veio até mim, um por um, me parabenizando com palavras rápidas e gestos de apoio. Mas tudo parecia distante, como se o mundo ao meu redor estivesse coberto por uma neblina pesada. Eu estava no automático, minha mente longe, já tentando imaginar como seria a reunião com o Conselho — e como eu enfrentaria o julgamento. Quando finalmente todos saíram da sala, voltei ao meu anexo, sentindo o esgotamento mental. Antonella estava lá, claro, esperando por notícias. Ela me observava com seu olhar penetrante, sempre atenta, sempre alerta. — Sei que não é da minha conta, mas... qual foi o resultado? — ela perguntou, sua voz calma, mas seus olhos traiam a curiosidade. Respirei fundo, tentando manter a compostura. — Ele é meu filho. No fundo, eu já sabia. Um sorriso aliviado se espalhou em seu rosto, um raro momento de vulnerabilidade. — Tutto bene, então. Os móveis chegaram e já foram colocados no quarto do piccolo. O pessoal arrumou tudo. — Certo, continue o bom trabalho. Estarei no escritório — respondi, com um aceno de cabeça. Ela assentiu e voltou sua atenção ao bebê, mas uma pequena sombra de preocupação passou pelo seu rosto. Ela sabia, assim como eu, que esse era apenas o começo. O verdadeiro desafio estava por vir: convencer o Conselho e a nossa famiglia de que o nascimento de Enrico não seria uma fraqueza a ser explorada por nossos inimigos. E, talvez mais importante, garantir que Antonella não fizesse algo precipitado, algo que colocaria em risco tudo o que eu e minha família construímos. Ao caminhar para o escritório, a frase que ela sussurrou na noite anterior voltava à minha mente: "Você não vai para um orfanato, piccolo. Podemos ter uma vida mundana." Eu não podia permitir isso. Fugir não era uma opção, não enquanto eu tivesse o poder e a responsabilidade de proteger o que era meu. traduções das palavras e expressões em italiano • "mio figlio" – meu filho • "Buongiorno" – Bom dia • "Tutto bene" – Tudo bem • "nostra famiglia" – nossa famíliaVincenzo D'Angelis Os dias passaram como semanas. A espera pelo conselho que decidiria o meu destino e o do bambino parecia interminável. Na minha mente, as palavras da babá do meu filho ecoavam. Ela havia insinuado algo, algo que eu não conseguia entender completamente. Do que será que ela estava tentando fugir? Esse mistério rondava meus pensamentos enquanto aguardava, sem escolha, pelo inevitável confronto com o conselho. A notícia não demorou a chegar. Meu primo, Leonardo, entrou no escritório com passos rápidos e expressão tensa, o que já me dava uma pista do que ele trazia consigo. — Buongiorno, primo — começou ele, com a voz carregada de nervosismo. — O Capo pediu para avisar que a reunião do conselho será hoje à tarde. E que você esteja preparado, porque nada de bom sai daqueles abutres. Suspirei profundamente. Preparar-se? Como se alguém pudesse se preparar para algo assim. Eu estava à beira de um julgamento que poderia definir o resto da minha vida. — Cazzo, não tem co
Vincenzo D'AngelisAcordei com o som suave de um choro abafado. Durante os primeiros segundos, demorei a entender o que estava acontecendo. Meu instinto imediato foi me preparar para o pior, para uma emergência, para algo que precisava ser resolvido. Mas então lembrei: eu estava de licença. Não era um som de ameaça ou de perigo. Era o choro... do meu filho.Levantei-me lentamente, ainda me acostumando com a ideia de estar em casa. Uma semana fora, e agora estava aqui, sem reuniões ou telefonemas urgentes para atender. Esse tipo de silêncio — exceto pelo choro do bebê, claro — parecia mais desconcertante do que qualquer coisa.Desci as escadas devagar, com passos que pareciam mais pesados do que o normal. A verdade é que me sentia fora de lugar. A sala estava banhada pela luz suave da manhã, e lá estava Antonella, segurando Enrico em seus braços. Ela balançava gentilmente, falando com ele com uma voz doce e tranquilizadora. Era um contraste gritante com as conversas severas e carregada
Antonella FontanaO som suave de Enrico mexendo-se no berço foi o primeiro sinal de que a manhã já começava a despertar. Eu estava ali, sentada no sofá da sala, observando a luz fraca do sol filtrando pelas cortinas, com uma xícara de café nas mãos. Desde que Vincenzo foi afastado, nossos dias ganharam uma nova rotina. Uma rotina estranha, porém, mais tranquila, sem a pressão constante da máfia, mas eu sabia que isso era temporário. Vincenzo era parte desse mundo, e, por mais que eu quisesse acreditar que ele estava gostando desse tempo com Enrico, havia algo que o mantinha distante.O som de passos no corredor logo quebrou o silêncio, e eu já sabia que era ele. Vincenzo surgiu com os cabelos bagunçados e o rosto sério, aquele ar que ele sempre carregava, como se estivesse a quilômetros de distância, mesmo estando ali na sala comigo e o filho dele. No entanto, o semblante dele suavizou assim que avistou Enrico.— Buongiorno, Raposa — disse ele com aquele sorriso discreto, chamando-me
Vincenzo D'AngelisO silêncio da noite era mais profundo do que o habitual, o tipo de quietude que só se encontra nas horas mais tardias, quando o mundo parece ter parado. Estava na sala, uma luz suave iluminando apenas o suficiente para que eu visse o rosto sereno de Enrico, adormecido em meus braços. Era sexta-feira, o final de uma semana que, para minha surpresa, foi diferente de qualquer outra.Eu nunca fui o tipo de homem que fica em casa. Não tinha tempo para isso. Estar aqui, cuidando do meu filho, era uma novidade que, admito, no início não me agradava muito. Meu lugar sempre foi na linha de frente, no controle das operações, com decisões pesadas sobre meus ombros. Mas algo mudou. Algo que eu não havia previsto.Olhei para o pequeno Enrico, o corpo quente e frágil aninhado no meu peito. Ele não fazia ideia do mundo que o esperava, do caos que poderia engoli-lo se eu não estivesse à altura da tarefa de protegê-lo. Eu não sabia o que estava fazendo como pai — quem no meu lugar s
Antonella FontanaAcordei no sábado, pensativa. Eu e Vincenzo acabamos criando uma amizade onde temos mais liberdade para nos abrir e brincar, aliviando todo o peso da decisão que está próxima. Isso me deixa um pouco ansiosa, pois percebo que estou me apegando mais a Vincenzo e a Enrico, como se ele realmente fosse meu filho. E isso não é bom.Levantei-me, seguindo meu ritual matinal, e segui para o quarto do pequeno, onde uma cena aqueceu meu coração mais do que todas que presenciei essa semana. Vincenzo estava trocando a fralda de Enrico. Até aí, normal. Mas a forma como ele conversava com o bambino, prometendo ser um bom pai, prometendo protegê-lo e fazer dele um homem forte, um líder nato, era de partir o coração. Sua voz saía com tanto carinho e afeição que não pude evitar um sorriso, talvez me rendendo um pouco mais a esse homem.— Vince, tudo bem por aí? — me critiquei mentalmente por ter usado apelidos, mas ao ver o leve sorriso de Vincenzo, esse arrependimento desapareceu.—
Vincenzo D'AngelisAcordei no sofá, a luz da manhã filtrando-se através das cortinas. A sensação de ter Antonella ao meu lado durante a noite ainda estava fresca em minha mente. Não conseguia deixar de lembrar do jantar, da forma como nossos olhares se cruzaram e do calor que crescia entre nós enquanto cozinhávamos e assistíamos ao filme. A proximidade dela me deixou com um nó no estômago, uma mistura de alegria e apreensão. Nunca pensei que me sentiria tão confortável, tão relaxado, mesmo em meio ao caos da minha vida.Levantei-me devagar, tentando não fazer barulho para não a acordar. A noite foi tranquila, mas a imagem dela adormecida ao meu lado fez meu coração acelerar. Enquanto caminhava até a cozinha, fui tomado por um sentimento de gratidão. A Raposa havia se tornado uma parte importante da minha vida, e cuidar de Enrico não seria a mesma coisa sem ela.Decidi preparar um café para nós dois. O aroma do café fresco começou a preencher o ar, e a sensação de estar em casa, cercad
Vincenzo D'AngelisA segunda-feira chegou, trazendo consigo uma pesada atmosfera de expectativa. Acordei cedo, o sol ainda tímido, refletindo minha própria hesitação. Após o almoço em família ontem, um misto de alegria e alívio ainda pulsava em mim, mas hoje era diferente. A sensação de normalidade que havia experimentado com Antonella e minha família agora era apenas um eco distante, sufocada pelo peso das responsabilidades que estavam por vir.As horas pareciam arrastar-se, e minha mente estava a mil. Pensei no conselho, em como a reunião seria tensa, e como, mais uma vez, minha vida estaria nas mãos deles. O jantar com minha família me deixara contente, mas o retorno à realidade que a máfia exigia de mim era implacável. Eu sabia que estava prestes a enfrentar uma decisão que mudaria não apenas minha vida, mas também a vida de Antonella e Enrico.A casa do conselho tinha um ar imponente, com paredes decoradas com fotos de antigos chefes da máfia, cada um com seu olhar decidido e imp
Vincenzo D'AngelisChego do anexo dos meus pais e a cena diante de mim é familiar, quase reconfortante. A raposa está na cozinha, fazendo algo que se tornou parte do nosso cotidiano, enquanto Enrico está quietinho em seu carrinho, observando com curiosidade. Antonella canta suavemente uma canção infantil, seu sorriso iluminando o ambiente. O aroma do molho de tomate e manjericão é irresistível, e meu estômago ronca alto, quebrando a serenidade do momento.Ela para de cantar e me encara, seus olhos escuros cheios de preocupação.— Vince, por Dio! Estava preocupada. Como foi lá? O que decidiram? — Ela desliga a panela, seu olhar intenso me faz sentir como se estivesse sendo examinado.Suspiro, sabendo que a conversa que precisamos ter não será fácil.— Eles deram a decisão deles. Preciso me casar dentro de dois meses, mas tenho apenas uma semana para apresentar a noiva e Enrico formalmente para o conselho. A moça precisa ser virgem e ter vínculo com a máfia.O impacto das minhas palavra