Vincenzo D'Angelis
Os dias passaram como semanas. A espera pelo conselho que decidiria o meu destino e o do bambino parecia interminável. Na minha mente, as palavras da babá do meu filho ecoavam. Ela havia insinuado algo, algo que eu não conseguia entender completamente. Do que será que ela estava tentando fugir? Esse mistério rondava meus pensamentos enquanto aguardava, sem escolha, pelo inevitável confronto com o conselho. A notícia não demorou a chegar. Meu primo, Leonardo, entrou no escritório com passos rápidos e expressão tensa, o que já me dava uma pista do que ele trazia consigo. — Buongiorno, primo — começou ele, com a voz carregada de nervosismo. — O Capo pediu para avisar que a reunião do conselho será hoje à tarde. E que você esteja preparado, porque nada de bom sai daqueles abutres. Suspirei profundamente. Preparar-se? Como se alguém pudesse se preparar para algo assim. Eu estava à beira de um julgamento que poderia definir o resto da minha vida. — Cazzo, não tem como se preparar para esse tipo de coisa — resmunguei, sentindo o peso da responsabilidade afundar em meus ombros. Leonardo deu de ombros, com uma expressão de simpatia que fez pouco para aliviar a pressão, e saiu do escritório. Continuei focado no trabalho até a hora de descer para almoçar. Ao descer, fui surpreendido pela visão inesperada da babá do bambino. Ela estava na sala, colocando a mesa enquanto uma música infantil tocava suavemente do celular. Ela cantava junto com a melodia, de uma maneira que trazia uma estranha calmaria ao ambiente. — Buona giornata, senhor Vincenzo — disse ela com um sorriso, interrompendo a música e se voltando para mim. — Tomei a liberdade de preparar a comida aqui mesmo. Se não quiser se juntar a mim, entenderei perfeitamente. Observei-a por um momento, notando como o clima familiar daquela cena contrastava com o turbilhão que eu estava prestes a enfrentar. Decidi que talvez fosse melhor evitar o ambiente tenso na casa dos meus pais por enquanto. — Vou me juntar à senhorita — respondi, sentando-me à mesa. — O clima lá no anexo dos meus pais não está dos melhores. — O julgamento foi marcado? — Ela me olhou com uma expressão compreensiva. Assenti, sentindo o peso de suas palavras. — Sim, esses abutres estão loucos para tomar o poder. Não vai ser nada bonito se isso acontecer. Ela franziu o cenho, parecendo compreender a seriedade da situação. — Meu pai sempre disse que sua família comanda com firmeza, mas se os Vitorinos assumirem... tudo vai desmoronar. Eles não têm as mesmas ideologias. — Acredite, raposa — disse, usando o apelido carinhoso que havia dado a ela —, se os Vitorinos estivessem no poder, você já estaria casada desde os 15 anos. Segundo eles, essa é uma idade aceitável para uma mulher se casar. Ela soltou um suspiro profundo. — Dio nos livre deles — murmurou. — Mas vai dar certo, senhor Vincenzo. Não respondi. Não havia muito o que dizer naquele momento. Terminamos o almoço em um silêncio confortável, com os sons suaves do bambino resmungando enquanto sugava os dedinhos gordinhos. A hora havia chegado. Estava ali, no salão do conselho, diante dos homens mais poderosos da máfia. O Conselho, composto pelos anciãos que comandavam com punhos de ferro, estava completo. Ao lado deles, meu pai, o atual capo, me observava com uma expressão que me corroía por dentro. Meu tio, subchefe, estava ao lado dele, sério e impassível. Leonardo, meu primo, estava ao fundo, observando silenciosamente, com olhos que denunciavam preocupação. Eu, de pé no centro, me sentia esmagado pelos olhares. Era como se eu fosse um menino, um bambino, sendo julgado por uma travessura que eu não conseguia desfazer. O peso da tradição, da honra, de séculos de regras, estava em cada sussurro que ecoava ao meu redor, como facas invisíveis cortando meu espírito. — Vamos começar essa reunião — disse o mais velho dos conselheiros, sua voz carregada de autoridade. — Chegou ao nosso conhecimento que nosso futuro capo, prestes a assumir seu cargo, quebrou uma das nossas regras mais sagradas. Teve um filho sem estar casado. Agora daremos a palavra a ele, para que conte sua versão dos fatos. Depois, deliberaremos qual será sua punição. Engoli em seco. O silêncio era sufocante. Senti todos os olhares fixos em mim. Eu sabia que esse momento definiria minha vida e o futuro da famiglia. — Cerca de um ano atrás — comecei, minha voz firme apesar do nervosismo que revirava meu estômago —, chegou uma nova prostituta a um dos bordéis do meu pai. Ela era virgem, loira, muito bonita. Pedi exclusividade. Tivemos nossos momentos e, em um deles, a camisinha estava furada, sem que percebêssemos. Depois disso, nos separamos. Não soube de mais nada até que, um dia, um bambino aparecera na minha porta. Junto com ele, uma carta da mãe, explicando toda a situação. Fiz o teste de DNA, e ele é realmente meu figlio. A mãe dele já não está entre nós, mas eu quero ficar com o bambino e assumir minha responsabilidade como pai. O ar estava pesado. Eu podia sentir o julgamento, as críticas não ditas, as dúvidas. Quando terminei, os murmúrios começaram a crescer. E então, a primeira voz se ergueu, cortando o silêncio. — Isso é inaceitável! — exclamou um dos conselheiros mais influentes. — Um filho fora do casamento, com uma prostituta? Isso afeta diretamente a reputação da nossa famiglia! Inimigos irão usar essa fraqueza. A D'Angelis tem uma imagem imaculada, e isso pode ser explorado para minar sua liderança. Eu sabia que essa reação viria, mesmo assim, as palavras eram como punhaladas. — Da mesma forma que confiaram em mio papà, o atual capo, devem confiar em mim — respondi, mantendo a calma. — Ele me ensinou os valores, as regras e como liderar. Sempre fui leal à nossa máfia, e meus deveres sempre vieram em primeiro lugar. O Debate Acirrado Começa As vozes começaram a se erguer. Havia uma clara divisão. Alguns conselheiros pediam punição severa, outros, mais compreensivos, sugeriam algo simbólico. Um dos conselheiros mais conservadores sugeriu que eu me casasse com uma mulher da máfia para compensar o erro. Outro propôs que eu ficasse afastado por uma semana, enquanto o Conselho decidisse meu destino. — Vincenzo — disse um dos anciãos, sua voz firme —, sua lealdade nunca esteve em dúvida, mas este erro... não podemos ignorar o impacto disso. Você ficará afastado de todas as atividades por uma semana. Use esse tempo para refletir sobre suas responsabilidades. Enquanto isso, decidiremos qual será sua punição final. Aquela frase ecoou na minha cabeça. Uma semana afastado. Parecia uma eternidade. Saí de lá derrotado, frustrado e com uma sensação de vazio. A decepção nos olhos do meu pai e do meu tio era o que me destruía mais. Quando cheguei em casa, vi a babá deitada no sofá, com mio figlio dormindo em seu peito, coberto por uma mantinha amarela. Ela segurava um livro com um homem sem camisa na capa e me olhou, meio sem jeito. — Desculpe a cena, senhor Vincenzo. O bambino estava com cólica e deitá-lo no peito foi a única coisa que o acalmou. — Não tem problema — respondi, suspirando. — Você fez o que era necessário. Ela assentiu e, hesitante, perguntou: — Como foi a reunião? Suspirei, passando as mãos pelos cabelos. — Estarei afastado por uma semana, até que decidam meu destino final. Cazzo, aqueles abutres... Ela sorriu levemente. — Talvez isso seja bom. Uma oportunidade para se aproximar do seu bambino. — Eu não sei cuidar de um bambino, e é por isso que você está aqui. Ela me olhou nos olhos, com uma calma surpreendente. — Bom, agora o senhor tem tempo. E eu posso ensinar, se for da sua vontade. Não digo nada, não sei o que dizer. Tradução das palavras: Buona giornata: boa tarde. Capo: chefe. Cazzo: maldição (gíria italiana).Vincenzo D'AngelisAcordei com o som suave de um choro abafado. Durante os primeiros segundos, demorei a entender o que estava acontecendo. Meu instinto imediato foi me preparar para o pior, para uma emergência, para algo que precisava ser resolvido. Mas então lembrei: eu estava de licença. Não era um som de ameaça ou de perigo. Era o choro... do meu filho.Levantei-me lentamente, ainda me acostumando com a ideia de estar em casa. Uma semana fora, e agora estava aqui, sem reuniões ou telefonemas urgentes para atender. Esse tipo de silêncio — exceto pelo choro do bebê, claro — parecia mais desconcertante do que qualquer coisa.Desci as escadas devagar, com passos que pareciam mais pesados do que o normal. A verdade é que me sentia fora de lugar. A sala estava banhada pela luz suave da manhã, e lá estava Antonella, segurando Enrico em seus braços. Ela balançava gentilmente, falando com ele com uma voz doce e tranquilizadora. Era um contraste gritante com as conversas severas e carregada
Antonella FontanaO som suave de Enrico mexendo-se no berço foi o primeiro sinal de que a manhã já começava a despertar. Eu estava ali, sentada no sofá da sala, observando a luz fraca do sol filtrando pelas cortinas, com uma xícara de café nas mãos. Desde que Vincenzo foi afastado, nossos dias ganharam uma nova rotina. Uma rotina estranha, porém, mais tranquila, sem a pressão constante da máfia, mas eu sabia que isso era temporário. Vincenzo era parte desse mundo, e, por mais que eu quisesse acreditar que ele estava gostando desse tempo com Enrico, havia algo que o mantinha distante.O som de passos no corredor logo quebrou o silêncio, e eu já sabia que era ele. Vincenzo surgiu com os cabelos bagunçados e o rosto sério, aquele ar que ele sempre carregava, como se estivesse a quilômetros de distância, mesmo estando ali na sala comigo e o filho dele. No entanto, o semblante dele suavizou assim que avistou Enrico.— Buongiorno, Raposa — disse ele com aquele sorriso discreto, chamando-me
Vincenzo D'AngelisO silêncio da noite era mais profundo do que o habitual, o tipo de quietude que só se encontra nas horas mais tardias, quando o mundo parece ter parado. Estava na sala, uma luz suave iluminando apenas o suficiente para que eu visse o rosto sereno de Enrico, adormecido em meus braços. Era sexta-feira, o final de uma semana que, para minha surpresa, foi diferente de qualquer outra.Eu nunca fui o tipo de homem que fica em casa. Não tinha tempo para isso. Estar aqui, cuidando do meu filho, era uma novidade que, admito, no início não me agradava muito. Meu lugar sempre foi na linha de frente, no controle das operações, com decisões pesadas sobre meus ombros. Mas algo mudou. Algo que eu não havia previsto.Olhei para o pequeno Enrico, o corpo quente e frágil aninhado no meu peito. Ele não fazia ideia do mundo que o esperava, do caos que poderia engoli-lo se eu não estivesse à altura da tarefa de protegê-lo. Eu não sabia o que estava fazendo como pai — quem no meu lugar s
Antonella FontanaAcordei no sábado, pensativa. Eu e Vincenzo acabamos criando uma amizade onde temos mais liberdade para nos abrir e brincar, aliviando todo o peso da decisão que está próxima. Isso me deixa um pouco ansiosa, pois percebo que estou me apegando mais a Vincenzo e a Enrico, como se ele realmente fosse meu filho. E isso não é bom.Levantei-me, seguindo meu ritual matinal, e segui para o quarto do pequeno, onde uma cena aqueceu meu coração mais do que todas que presenciei essa semana. Vincenzo estava trocando a fralda de Enrico. Até aí, normal. Mas a forma como ele conversava com o bambino, prometendo ser um bom pai, prometendo protegê-lo e fazer dele um homem forte, um líder nato, era de partir o coração. Sua voz saía com tanto carinho e afeição que não pude evitar um sorriso, talvez me rendendo um pouco mais a esse homem.— Vince, tudo bem por aí? — me critiquei mentalmente por ter usado apelidos, mas ao ver o leve sorriso de Vincenzo, esse arrependimento desapareceu.—
Vincenzo D'AngelisAcordei no sofá, a luz da manhã filtrando-se através das cortinas. A sensação de ter Antonella ao meu lado durante a noite ainda estava fresca em minha mente. Não conseguia deixar de lembrar do jantar, da forma como nossos olhares se cruzaram e do calor que crescia entre nós enquanto cozinhávamos e assistíamos ao filme. A proximidade dela me deixou com um nó no estômago, uma mistura de alegria e apreensão. Nunca pensei que me sentiria tão confortável, tão relaxado, mesmo em meio ao caos da minha vida.Levantei-me devagar, tentando não fazer barulho para não a acordar. A noite foi tranquila, mas a imagem dela adormecida ao meu lado fez meu coração acelerar. Enquanto caminhava até a cozinha, fui tomado por um sentimento de gratidão. A Raposa havia se tornado uma parte importante da minha vida, e cuidar de Enrico não seria a mesma coisa sem ela.Decidi preparar um café para nós dois. O aroma do café fresco começou a preencher o ar, e a sensação de estar em casa, cercad
Vincenzo D'AngelisA segunda-feira chegou, trazendo consigo uma pesada atmosfera de expectativa. Acordei cedo, o sol ainda tímido, refletindo minha própria hesitação. Após o almoço em família ontem, um misto de alegria e alívio ainda pulsava em mim, mas hoje era diferente. A sensação de normalidade que havia experimentado com Antonella e minha família agora era apenas um eco distante, sufocada pelo peso das responsabilidades que estavam por vir.As horas pareciam arrastar-se, e minha mente estava a mil. Pensei no conselho, em como a reunião seria tensa, e como, mais uma vez, minha vida estaria nas mãos deles. O jantar com minha família me deixara contente, mas o retorno à realidade que a máfia exigia de mim era implacável. Eu sabia que estava prestes a enfrentar uma decisão que mudaria não apenas minha vida, mas também a vida de Antonella e Enrico.A casa do conselho tinha um ar imponente, com paredes decoradas com fotos de antigos chefes da máfia, cada um com seu olhar decidido e imp
Vincenzo D'AngelisChego do anexo dos meus pais e a cena diante de mim é familiar, quase reconfortante. A raposa está na cozinha, fazendo algo que se tornou parte do nosso cotidiano, enquanto Enrico está quietinho em seu carrinho, observando com curiosidade. Antonella canta suavemente uma canção infantil, seu sorriso iluminando o ambiente. O aroma do molho de tomate e manjericão é irresistível, e meu estômago ronca alto, quebrando a serenidade do momento.Ela para de cantar e me encara, seus olhos escuros cheios de preocupação.— Vince, por Dio! Estava preocupada. Como foi lá? O que decidiram? — Ela desliga a panela, seu olhar intenso me faz sentir como se estivesse sendo examinado.Suspiro, sabendo que a conversa que precisamos ter não será fácil.— Eles deram a decisão deles. Preciso me casar dentro de dois meses, mas tenho apenas uma semana para apresentar a noiva e Enrico formalmente para o conselho. A moça precisa ser virgem e ter vínculo com a máfia.O impacto das minhas palavra
Antonela FontanaOs dias passaram, e Vincenzo voltou à sua correria habitual. Nossas refeições com sua família eram frequentes, mas nossas interações se tornaram breves, quase mecânicas. À noite, depois que o piccolo dormia, assistíamos a algo na televisão, trocávamos algumas palavras, mas uma névoa de tensão pairava sobre nós. Era inevitável que tudo estivesse diferente. A distância crescia, mesmo que nossos olhares ainda se encontrassem com a mesma intensidade. Contudo, esses olhares agora estavam carregados de incertezas, de dúvidas não ditas... e de uma despedida silenciosa.Hoje era quarta-feira, e Vince parecia mais tenso que o normal. Voltávamos de um almoço na casa de seus pais, e o silêncio entre nós era mais pesado do que o habitual.— Vince, tutto bene? — sussurrei, tentando não quebrar o frágil equilíbrio entre nós.— Está sim, Raposa — ele me ofereceu um meio sorriso, mas seus olhos estavam longe. — Queria te dizer que hoje à tarde uma moça vai vir aqui, uma das escolhas