Vincenzo D'Angelis
O jantar estava à espera quando cheguei à cozinha para buscar Antonella. O cheiro da comida fresca impregnava o ar, e o silêncio que preenchia a mansão era quase ensurdecedor. O pequeno Enrico, deitado tranquilo no carrinho, fazendo seus sons de bebê baixinho enquanto eu guiava a jovem babá em direção ao anexo dos meus pais. — Andiamo — disse, indicando com um gesto. Antonella sorriu, aliviada, talvez porque o carrinho ajudaria a mantê-la de olho no bebê enquanto comíamos. Ao chegar na sala de jantar, todos estavam reunidos. A grande mesa estava elegantemente posta, como sempre. A famiglia, sentada com toda sua postura impiedosa, esperava por nós. O ambiente estava carregado, com olhares que pesavam mais do que palavras. — Ecco qua! — Leonardo, sempre atrevido, foi o primeiro a falar. — O pequeno Enrico mal chegou e já conseguiu uma bela rapariga como babá! — brincou, sua voz carregada de sarcasmo. — Basta! — cortei, minha voz firme ecoando na sala. — Quero respeito com a senhorita Antonella. Ela cuidará do bambino e estará sempre por aqui. — Ah, tudo bem — Leonardo riu, mas não perdeu a oportunidade. — Se ela não tiver namorado, posso cortejá-la. — Per Dio! — Tia Luiza bufou. — O que eu fiz para criar um garoto que não se controla? — Ela se virou para mim. — Não deixe o rapaz envergonhar a moça, Vincenzo. Já temos uma pretendente em vista para ele, e logo será anunciado. Tentei segurar um sorriso diante da expressão de puro horror no rosto de Leonardo. Casamentos arranjados eram uma realidade inevitável em nossa famiglia. Logo, eu também esperava receber uma pretendente, mas esse pensamento ainda me incomodava mais do que eu gostaria de admitir. — Vamos dar à senhorita Antonella um lugar para sentar-se — minha mãe interveio com sua voz calma, mas autoritária. — Todo esse zumzumzum pode acordar o pequeno e atrapalhar o jantar. — Não se preocupem, Signora D'Angelis — Antonella respondeu educadamente. — Eu posso comer na cozinha com os outros empregados. — De forma alguma. Faço questão que se junte a nós nas refeições. — Meu pai, o capo da famiglia, falou com um tom que não admitia contestação. — Você vai morar aqui, e queremos conhecê-la melhor. — Era óbvio que ele estava sondando a garota, querendo avaliar se podíamos confiar nela. Nos sentamos à mesa, todos em seus lugares de sempre. O pequeno Enrico, deitado no carrinho, observava tudo com seus olhinhos curiosos. Antonella estava visivelmente desconcertada, as bochechas rosadas traindo a sua aparente confiança. Ela sabia que estava sendo avaliada, e a tensão no ar era palpável. — Então, cara mia, quantos anos você tem? — Minha mãe perguntou com um sorriso curioso. — Parece tão jovem. — Tenho dezoito, Signori. Acabei de completar a maioridade. — E seus pais já falaram com você sobre casamento? — Tia Luiza interrompeu, com seu típico tom inquisitivo. — Aqui, as mulheres da máfia se casam cedo. — Mio papà ainda não escolheu um pretendente — Antonella explicou com tranquilidade. — Ele prefere que eu escolha alguém por quem me interesse. Ela falava com uma serenidade impressionante, mesmo sabendo que estava sentada à mesa com alguns dos nomes mais influentes do submundo. — E viver sob nossas regras? Imagino que não seja fácil para uma jovem como você — comentou Tio Leonardo, com um tom que era, ao mesmo tempo, paternal e intimidante. — Já pensou em sair da máfia e viver uma vida mundana? Antonella sorriu de canto, desconfortável. — Acho que todas nós já pensamos nisso algum dia — admitiu. — Mas meu pai me deserdaria se eu tomasse essa decisão. E para isso, precisaria de muito dinheiro e coragem para viver longe dos meus pais. — Sabe que uma vez fora da máfia, não há retorno, não é? — Eu intervi, meu tom sério. — Não seria uma decisão inteligente. Ela assentiu, mas algo na forma como respondeu me incomodou. Parecia que suas palavras carregavam uma sombra de dúvida. — Ah, mio figlio, para vocês, homens da máfia, tudo parece fácil — minha mãe suspirou, a voz tingida de frustração. — Muitos de vocês maltratam suas esposas, outros têm amantes escondidos, e tudo isso é varrido para debaixo do tapete. Nós, mulheres, somos criadas para ser submissas, para nos mantermos puras para um marido que talvez não amemos e que certamente não nos ama. É difícil. Entendo o que a bambina sente. A sala ficou em silêncio por um momento. — Não concordo — Tio Leonardo disse de forma incisiva. — Fazemos um juramento de lealdade no altar. Se não podemos ser leais às nossas esposas, como seremos leais à famiglia? E se um homem encostar numa mulher de forma desonrada, ele é punido. Nossas esposas devem ser protegidas, sempre. Antonella sorriu, mas parecia forçado. — Nasci aqui, meu destino é ficar aqui — murmurou, mas eu não acreditei em suas palavras. Algo me dizia que, se pudesse, ela escaparia desse mundo sem olhar para trás. — E como está sendo com o pequeno? — Minha irmã, Giulia, perguntou, tentando aliviar a tensão crescente. Antonella iluminou-se ao falar de Enrico. — Ele é um bebê muito calmo, quase não chora. Observa tudo com atenção. — Isso é uma surpresa — Tia Luiza comentou. — Os homens dessa famiglia costumam nascer com temperamentos difíceis, sempre chorando e com raiva. — Talvez ele não seja da famiglia — Tio Leonardo provocou, e o comentário foi recebido com um silêncio pesado. — Amanhã saberemos com certeza — respondi, minha voz firme. — Enquanto estiver sob nosso teto, ele faz parte da famiglia. Antonella olhou para mim com olhos arregalados, como se não pudesse acreditar naquilo. Então, com um olhar afiado, como o de uma raposa, ela perguntou: — E o que farão se ele não for filho do senhor, Signore Vincenzo? — Se ele não tiver família, o destino dele será um orfanato mundano — respondeu meu pai, impassível. — Não podemos manter aqui alguém sem laços com a famiglia. A resposta dele soou fria, mas era a verdade. Na máfia, tudo girava em torno da lealdade e do sangue. Qualquer desvio dessa regra poderia significar o fim da confiança que nos mantinha no poder. — E se ele for seu filho? — Antonella continuou, a curiosidade evidente. — Se for meu, aceitarei minha responsabilidade como pai — respondi, mantendo a compostura. — Me reunirei com o conselho, explicarei a situação e aceitarei a punição ou o veredito que for decidido. — Espero que o conselho seja misericordioso com você, primo — Leonardo comentou, mas sua preocupação era palpável. — Dio queira que sim — murmurei. — Mas as coisas ficarão complicadas quando isso vier à tona. A famiglia vai falar. — Não entendo como um bebê inesperado pode causar tanta confusão — Antonella comentou, os olhos fixos no pequeno Enrico. — Somos a família principal — Tio Léo começou a explicar. — Um filho fora do casamento, mesmo que seja um acidente, questiona nossa capacidade de liderança. Se Vincenzo de fato teve um herdeiro, a mãe do menino deveria ser sua esposa, e isso por si só já causaria problemas. — Sem mencionar que ela era uma prostituta — meu pai interveio. — Isso é uma afronta às nossas regras. O silêncio que se seguiu foi denso. A conversa, carregada de tensão, fazia o som dos talheres batendo nos pratos parecer ensurdecedor. Antonella olhava para o pequeno com uma mistura de dor e tristeza. Ela entendia as regras, sabia o que estava em jogo. Mas havia algo no seu olhar que revelava mais. Talvez ela também desejasse uma saída desse mundo. Após o jantar, voltamos para o meu anexo. Antonella estava calada, claramente exausta após o interrogatório disfarçado de conversa. Quando nos despedimos, ela foi para seu quarto, mas algo me impediu de relaxar. Decidi checar Enrico uma última vez. Ao abrir a porta do quarto, a ouvi sussurrar para o bebê. — Você não vai para um orfanato, piccolo. Nós dois podemos ter uma vida mundana. Eu tenho dinheiro guardado, nós sobreviveremos. Fechei a porta silenciosamente, sem que ela percebesse. Ela era corajosa o suficiente para planejar fugir, e, de alguma forma, isso me incomodava. Mas por quê? Tradução das palavras em italiano Andiamo - Vamos Ecco qua - Aqui está Basta - Chega Per Dio - Pelo amor de Deus Signora - Senhora Signori - Senhores (plural de "senhor" ou "senhora") Cara mia - Querida Mio papà - Meu pai Mio figlio - Meu filho Bambina - Menina, garotaVincenzo D'AngelisO dia amanheceu com o céu pesado, como se até mesmo o tempo soubesse da tensão que esse dia traria. A escuridão das nuvens refletia o peso que pressionava meu peito. Não é fácil lidar com os problemas que giram em torno da máfia, e as palavras da raposa — Antonella, a ruiva que agora cuida de mio figlio — não saíam da minha cabeça. Ela falara com uma convicção que me perturbava. Por que ela acredita que uma vida fora da máfia seria melhor? Por que ela quer tanto proteger Enrico, um bebê que não é dela?Há algo nela que me intriga e preocupa. Ela é leal ou uma ameaça? Preciso entender. Com esse pensamento, chamei um dos meus homens de confiança, Enzo, para investigar cada detalhe da vida de Antonella. Suas ideias sobre fuga e proteção podem ser perigosas, e qualquer fraqueza na nossa casa poderia ser usada pelos inimigos.Depois de me preparar para o dia, saí do quarto e segui até a cozinha. A mesa estava posta com um modesto café da manhã. A raposa, como tenho cham
Vincenzo D'Angelis Os dias passaram como semanas. A espera pelo conselho que decidiria o meu destino e o do bambino parecia interminável. Na minha mente, as palavras da babá do meu filho ecoavam. Ela havia insinuado algo, algo que eu não conseguia entender completamente. Do que será que ela estava tentando fugir? Esse mistério rondava meus pensamentos enquanto aguardava, sem escolha, pelo inevitável confronto com o conselho. A notícia não demorou a chegar. Meu primo, Leonardo, entrou no escritório com passos rápidos e expressão tensa, o que já me dava uma pista do que ele trazia consigo. — Buongiorno, primo — começou ele, com a voz carregada de nervosismo. — O Capo pediu para avisar que a reunião do conselho será hoje à tarde. E que você esteja preparado, porque nada de bom sai daqueles abutres. Suspirei profundamente. Preparar-se? Como se alguém pudesse se preparar para algo assim. Eu estava à beira de um julgamento que poderia definir o resto da minha vida. — Cazzo, não tem co
Vincenzo D'AngelisAcordei com o som suave de um choro abafado. Durante os primeiros segundos, demorei a entender o que estava acontecendo. Meu instinto imediato foi me preparar para o pior, para uma emergência, para algo que precisava ser resolvido. Mas então lembrei: eu estava de licença. Não era um som de ameaça ou de perigo. Era o choro... do meu filho.Levantei-me lentamente, ainda me acostumando com a ideia de estar em casa. Uma semana fora, e agora estava aqui, sem reuniões ou telefonemas urgentes para atender. Esse tipo de silêncio — exceto pelo choro do bebê, claro — parecia mais desconcertante do que qualquer coisa.Desci as escadas devagar, com passos que pareciam mais pesados do que o normal. A verdade é que me sentia fora de lugar. A sala estava banhada pela luz suave da manhã, e lá estava Antonella, segurando Enrico em seus braços. Ela balançava gentilmente, falando com ele com uma voz doce e tranquilizadora. Era um contraste gritante com as conversas severas e carregada
Antonella FontanaO som suave de Enrico mexendo-se no berço foi o primeiro sinal de que a manhã já começava a despertar. Eu estava ali, sentada no sofá da sala, observando a luz fraca do sol filtrando pelas cortinas, com uma xícara de café nas mãos. Desde que Vincenzo foi afastado, nossos dias ganharam uma nova rotina. Uma rotina estranha, porém, mais tranquila, sem a pressão constante da máfia, mas eu sabia que isso era temporário. Vincenzo era parte desse mundo, e, por mais que eu quisesse acreditar que ele estava gostando desse tempo com Enrico, havia algo que o mantinha distante.O som de passos no corredor logo quebrou o silêncio, e eu já sabia que era ele. Vincenzo surgiu com os cabelos bagunçados e o rosto sério, aquele ar que ele sempre carregava, como se estivesse a quilômetros de distância, mesmo estando ali na sala comigo e o filho dele. No entanto, o semblante dele suavizou assim que avistou Enrico.— Buongiorno, Raposa — disse ele com aquele sorriso discreto, chamando-me
Vincenzo D'AngelisO silêncio da noite era mais profundo do que o habitual, o tipo de quietude que só se encontra nas horas mais tardias, quando o mundo parece ter parado. Estava na sala, uma luz suave iluminando apenas o suficiente para que eu visse o rosto sereno de Enrico, adormecido em meus braços. Era sexta-feira, o final de uma semana que, para minha surpresa, foi diferente de qualquer outra.Eu nunca fui o tipo de homem que fica em casa. Não tinha tempo para isso. Estar aqui, cuidando do meu filho, era uma novidade que, admito, no início não me agradava muito. Meu lugar sempre foi na linha de frente, no controle das operações, com decisões pesadas sobre meus ombros. Mas algo mudou. Algo que eu não havia previsto.Olhei para o pequeno Enrico, o corpo quente e frágil aninhado no meu peito. Ele não fazia ideia do mundo que o esperava, do caos que poderia engoli-lo se eu não estivesse à altura da tarefa de protegê-lo. Eu não sabia o que estava fazendo como pai — quem no meu lugar s
Antonella FontanaAcordei no sábado, pensativa. Eu e Vincenzo acabamos criando uma amizade onde temos mais liberdade para nos abrir e brincar, aliviando todo o peso da decisão que está próxima. Isso me deixa um pouco ansiosa, pois percebo que estou me apegando mais a Vincenzo e a Enrico, como se ele realmente fosse meu filho. E isso não é bom.Levantei-me, seguindo meu ritual matinal, e segui para o quarto do pequeno, onde uma cena aqueceu meu coração mais do que todas que presenciei essa semana. Vincenzo estava trocando a fralda de Enrico. Até aí, normal. Mas a forma como ele conversava com o bambino, prometendo ser um bom pai, prometendo protegê-lo e fazer dele um homem forte, um líder nato, era de partir o coração. Sua voz saía com tanto carinho e afeição que não pude evitar um sorriso, talvez me rendendo um pouco mais a esse homem.— Vince, tudo bem por aí? — me critiquei mentalmente por ter usado apelidos, mas ao ver o leve sorriso de Vincenzo, esse arrependimento desapareceu.—
Vincenzo D'AngelisAcordei no sofá, a luz da manhã filtrando-se através das cortinas. A sensação de ter Antonella ao meu lado durante a noite ainda estava fresca em minha mente. Não conseguia deixar de lembrar do jantar, da forma como nossos olhares se cruzaram e do calor que crescia entre nós enquanto cozinhávamos e assistíamos ao filme. A proximidade dela me deixou com um nó no estômago, uma mistura de alegria e apreensão. Nunca pensei que me sentiria tão confortável, tão relaxado, mesmo em meio ao caos da minha vida.Levantei-me devagar, tentando não fazer barulho para não a acordar. A noite foi tranquila, mas a imagem dela adormecida ao meu lado fez meu coração acelerar. Enquanto caminhava até a cozinha, fui tomado por um sentimento de gratidão. A Raposa havia se tornado uma parte importante da minha vida, e cuidar de Enrico não seria a mesma coisa sem ela.Decidi preparar um café para nós dois. O aroma do café fresco começou a preencher o ar, e a sensação de estar em casa, cercad
Vincenzo D'AngelisA segunda-feira chegou, trazendo consigo uma pesada atmosfera de expectativa. Acordei cedo, o sol ainda tímido, refletindo minha própria hesitação. Após o almoço em família ontem, um misto de alegria e alívio ainda pulsava em mim, mas hoje era diferente. A sensação de normalidade que havia experimentado com Antonella e minha família agora era apenas um eco distante, sufocada pelo peso das responsabilidades que estavam por vir.As horas pareciam arrastar-se, e minha mente estava a mil. Pensei no conselho, em como a reunião seria tensa, e como, mais uma vez, minha vida estaria nas mãos deles. O jantar com minha família me deixara contente, mas o retorno à realidade que a máfia exigia de mim era implacável. Eu sabia que estava prestes a enfrentar uma decisão que mudaria não apenas minha vida, mas também a vida de Antonella e Enrico.A casa do conselho tinha um ar imponente, com paredes decoradas com fotos de antigos chefes da máfia, cada um com seu olhar decidido e imp