Vincenzo D'Angelis
Hoje era domingo, um dia sagrado para la famiglia. Mama Camille fazia questão de reunir todos à mesa. Para ela, o domingo era mais do que uma simples tradição; era um ritual que reforçava os laços da família. Quem ousasse faltar pagaria caro, não com dinheiro ou punições físicas, mas com os intermináveis sermões e olhares de desaprovação que só a matriarca sabia dar. O respeito por ela era absoluto, e até mesmo papa Alessandro, o capo da família D'Angelis, seguia suas ordens. Por mais que ele comandasse negócios, acordos e até exércitos, dentro de casa, era a voz de Camille que prevalecia. Estávamos todos reunidos, saboreando o final da sobremesa — torta di mele, como sempre no domingo. O ambiente era leve, as conversas fluíam, e por um momento, o peso da vida que levávamos fora dessas paredes parecia distante. Entretanto, a calma foi interrompida pela entrada discreta de dona Germana, nossa governanta de confiança, que se aproximou da mesa com um olhar preocupado. — Desculpem interromper, senhores — começou ela, escolhendo bem as palavras, como sempre fazia. — Mas chegou uma encomenda um tanto inusitada. Já passou por todos os procedimentos de segurança; não há sinais de escutas, câmeras ou algo suspeito. Mas acho que o senhor Vincenzo gostaria de verificar pessoalmente. Foi endereçada diretamente a ele. Todos na mesa pararam. As conversas cessaram, e de repente, o clima ameno deu lugar a uma tensão silenciosa. Papa largou lentamente o garfo sobre o prato, franzindo a testa, enquanto minha irmã Giulia me olhava com curiosidade. Tio Leonardo, o subchefe da família, sempre desconfiado, foi o primeiro a perguntar: — Quem deixou essa encomenda? — Sua voz grave ecoou pela sala. — Segundo os seguranças da portaria, foi uma mulher de cabelos curtos e pretos. Ela disse que era apenas uma mensageira, que não sabia de nada e que não queria nada. Apenas entregou o pacote e saiu — explicou Germana, seu tom calmo e controlado. Senti um leve desconforto crescer no estômago. Uma entrega direta, sem nome, sem explicações... Isso raramente significava algo bom. Porém, não havia tempo para hesitações. — Seja o que for, traga para nós, Germana — ordenei. Ela assentiu e saiu rapidamente. Um silêncio desconfortável pairava na sala, com olhares sendo trocados discretamente, todos tentando entender o que estava por vir. A porta se abriu novamente, e dona Germana retornou carregando algo que me fez congelar no lugar: um bebê conforto. Dentro dele, um pequeno bebê, de pele rosada e bochechas redondas, dormia tranquilamente, alheio ao turbilhão que estava prestes a provocar. — Dio Santo! Isso é um bebê? — exclamou Giulia, sua voz carregada de surpresa e incredulidade. Todos na sala estavam em choque. Levantei-me e caminhei até o bebê conforto, tentando processar a cena diante de mim. No assento, além do bebê, havia uma carta, endereçada diretamente a mim. Peguei-a com mãos firmes, sentindo a tensão nos olhares ao meu redor. Rasguei o envelope e comecei a ler. "Querido Senhor Vincenzo, Se está lendo esta carta, é porque já fui ao encontro de Dio. Eu nunca quis te contar sobre o bebê, mas agora não tenho escolha. Na nossa última noite juntos, algo deu errado, e a camisinha furou. Um mês depois, descobri que estava grávida, mas mantive em segredo. Minha gravidez foi de alto risco, e não sobrevivi ao parto. Deixo nosso filho aos seus cuidados. Faça o DNA, se precisar, mas sei que é seu. Só peço que não conte a ele que sua mãe era uma prostituta. Ele não merece carregar essa vergonha. Ele ainda não tem nome, nem enxoval. Apenas cuide dele, por favor. É apenas uma criança. Não o culpe pelo nosso erro. Com carinho, Milene." Soltei um suspiro profundo, sentindo o peso das palavras da carta me atingirem como um soco no estômago. Milene. Fazia mais de um ano que não ouvia seu nome, desde a última vez que estivemos juntos. Nunca imaginei que aquela noite traria consequências, muito menos que uma vida seria criada a partir dela. Olhei para o bebê à minha frente — um menino, meu filho, segundo ela. A realidade da situação começou a se assentar, e o silêncio na sala foi quebrado por mama. — Figlio, o que diz aí? — Sua voz era firme, mas cheia de preocupação. — Aparentemente, o bambino é mio. A mãe faleceu, e agora ele só tem a nós. O choque foi evidente no rosto de todos. Mama balançou a cabeça, desaprovando, enquanto Giulia olhava para o bebê com uma mistura de ternura e surpresa. — Não me diga que engravidou uma mulher da rua — começou mama, sua voz baixa, mas cortante como uma lâmina. — Você sabe das regras da famiglia. Isso não pode acontecer. — Dos males, o menor. Ela era uma prostituta da nossa própria rede — respondi, mantendo o tom controlado. Sabia que a situação era delicada, e a última coisa que eu precisava era perder a cabeça. — Figlio mio... — Mama suspirou profundamente. — Não importa quem era a mãe. O bambino é inocente. Vamos fazer o exame de DNA com o médico da família. Se for seu, tomaremos as providências necessárias. Não podemos permitir que um erro, por mais grave que seja, prejudique o futuro da famiglia. Concordei em silêncio. Sabia que, na máfia, um simples deslize poderia colocar tudo a perder, e um bebê, embora parecesse inofensivo, podia representar um risco para o equilíbrio que tínhamos. Precisávamos ser cautelosos. — Precisamos dar um nome a ele — sugeriu Giulia, sempre a mais emocional da família. — Posso escolher? — Mesmo que o exame dê negativo, ele merece um nome — concordei, tentando trazer um pouco de normalidade à situação. — Que tal Enrico? — propôs ela. — Significa "aquele que governa o lar". Combina com o futuro chefe. — Perfetto — concordou mama, esboçando um leve sorriso. — Enrico será seu nome. O bebê começou a chorar, e Giulia rapidamente o pegou no colo, tentando acalmá-lo com mãos delicadas. — Acho que uma babá é a prioridade agora — sugeriu tia Luiza, sempre prática e focada em resolver os problemas da maneira mais eficiente. — Vincenzo, você tem muitos compromissos. Um recém-nascido demanda muito tempo, e você precisa de alguém com experiência. — Conheço alguém — interveio Germana. — Antonella, minha filha, ela trabalha como babá para famílias durante eventos. É confiável e tem boas referências. Posso chamá-la. — Faça isso — disse papa, cortando o assunto com a firmeza habitual. — Vincenzo vai entrevistá-la, e resolveremos isso hoje. A questão parecia encerrada, mas eu sabia que o verdadeiro desafio estava apenas começando. Um bebê dentro de uma família como a nossa não era algo simples. Não podíamos confiar em qualquer um, nem mesmo na nossa própria sombra. Precisávamos de cautela, planejamento e, acima de tudo, controle. ... Algumas horas depois, eu estava no escritório, analisando os documentos sobre uma nova carga que chegaríamos na semana seguinte. A mente, porém, não estava completamente focada. O que aconteceria agora com Enrico? Que implicações essa criança traria para a minha vida e, mais importante, para a nossa famiglia? Estava absorto nesses pensamentos quando ouvi uma leve batida na porta. — Entre. Uma jovem entrou na sala. Antonella, imagino. Ela parecia nervosa, mas mantinha uma postura firme. Era baixa, de pele clara, bochechas rosadas e uma cabeleira ruiva que caía em ondas sobre os ombros. — Senhor Vincenzo, me chamo Antonella. Estou aqui para a vaga de babá — disse, sentando-se de frente à minha mesa. Eu a observei por um momento, medindo suas reações, antes de começar a falar. — Vou ser direto. Tenho um recém-nascido. Preciso que você faça uma lista de todos os itens necessários para ele. Vou enviar meus homens para comprar o que for preciso. Além disso, quero que more conosco até que ele complete um ano. Cuidará dele em tempo integral, e eu quero ser informado de todas as decisões. Antonella assentiu, mas percebi uma leve hesitação. Claro, não era uma proposta comum. — Entendido — respondeu ela, o nervosismo aparente. — Imagino que meus pais não questionarão uma ordem vinda do senhor. — Não é uma ordem — retruquei, tentando manter o tom firme, mas justo. — É um trabalho. Se não aceitar os termos, pode recusar. O salário será mais do que justo, mas eu exijo lealdade e discrição. Não posso aceitar falhas. — Eu aceito — disse ela, com um tom decidido. — Preciso do dinheiro. Assenti e me levantei. — Ótimo. Começa agora. Conduzi a Antonella pelacasa, mostrando o quarto que preparei para Enrico e explicando as rotinas dacasa. Ela ouvia com atenção, e logo vi que, apesar do nervosismo inicial, erauma mulher competente e, mais importante, discreta. Isso era tudo o que eu precisavano momento tradução: La famiglia — A família Torta di mele — Torta de maçã Dio Santo! — Meu Deus! Bambino — Criança, menino Papa — Pai (no contexto, é uma maneira informal de se referir ao chefe da família) Figlio — Filho Capo — Chefe Perfetto — Perfeito Figlio mio — Meu filho Famiglia — FamíliaAntonella FontanaAssim que o senhor Vincenzo sai, aproveito o momento de paz para ir até o quarto onde o pequeno Enrico está. A cena é até cômica: uma pequena bolinha de bebê, bem embrulhada, deitada no meio de uma cama enorme. Sinto um misto de ternura e incredulidade ao vê-lo ali, tão indefeso e alheio ao peso que o nome D'Angelis carrega. Ele mal sabe o que o espera.Olho ao redor e faço uma análise rápida do que será necessário para transformar aquele ambiente impessoal em um quarto de bebê adequado. Anoto mentalmente: uma cômoda com trocador, uma poltrona confortável para amamentação, um berço decente, uma babá eletrônica e, claro, uma banheira. Também vou precisar de um carrinho. No quesito de móveis, isso deve bastar por enquanto.Fecho a porta com cuidado e sigo em direção ao meu novo quarto. Ele é grande, frio, sem personalidade. Embora a cama seja macia e confortável, o ambiente está longe de ser acolhedor. Não faço questão de pedir mudanças, sei que isso é temporário. No e
Vincenzo D'Angelis O jantar estava à espera quando cheguei à cozinha para buscar Antonella. O cheiro da comida fresca impregnava o ar, e o silêncio que preenchia a mansão era quase ensurdecedor. O pequeno Enrico, deitado tranquilo no carrinho, fazendo seus sons de bebê baixinho enquanto eu guiava a jovem babá em direção ao anexo dos meus pais.— Andiamo — disse, indicando com um gesto. Antonella sorriu, aliviada, talvez porque o carrinho ajudaria a mantê-la de olho no bebê enquanto comíamos.Ao chegar na sala de jantar, todos estavam reunidos. A grande mesa estava elegantemente posta, como sempre. A famiglia, sentada com toda sua postura impiedosa, esperava por nós. O ambiente estava carregado, com olhares que pesavam mais do que palavras.— Ecco qua! — Leonardo, sempre atrevido, foi o primeiro a falar. — O pequeno Enrico mal chegou e já conseguiu uma bela rapariga como babá! — brincou, sua voz carregada de sarcasmo.— Basta! — cortei, minha voz firme ecoando na sala. — Quero respeit
Vincenzo D'AngelisO dia amanheceu com o céu pesado, como se até mesmo o tempo soubesse da tensão que esse dia traria. A escuridão das nuvens refletia o peso que pressionava meu peito. Não é fácil lidar com os problemas que giram em torno da máfia, e as palavras da raposa — Antonella, a ruiva que agora cuida de mio figlio — não saíam da minha cabeça. Ela falara com uma convicção que me perturbava. Por que ela acredita que uma vida fora da máfia seria melhor? Por que ela quer tanto proteger Enrico, um bebê que não é dela?Há algo nela que me intriga e preocupa. Ela é leal ou uma ameaça? Preciso entender. Com esse pensamento, chamei um dos meus homens de confiança, Enzo, para investigar cada detalhe da vida de Antonella. Suas ideias sobre fuga e proteção podem ser perigosas, e qualquer fraqueza na nossa casa poderia ser usada pelos inimigos.Depois de me preparar para o dia, saí do quarto e segui até a cozinha. A mesa estava posta com um modesto café da manhã. A raposa, como tenho cham
Vincenzo D'Angelis Os dias passaram como semanas. A espera pelo conselho que decidiria o meu destino e o do bambino parecia interminável. Na minha mente, as palavras da babá do meu filho ecoavam. Ela havia insinuado algo, algo que eu não conseguia entender completamente. Do que será que ela estava tentando fugir? Esse mistério rondava meus pensamentos enquanto aguardava, sem escolha, pelo inevitável confronto com o conselho. A notícia não demorou a chegar. Meu primo, Leonardo, entrou no escritório com passos rápidos e expressão tensa, o que já me dava uma pista do que ele trazia consigo. — Buongiorno, primo — começou ele, com a voz carregada de nervosismo. — O Capo pediu para avisar que a reunião do conselho será hoje à tarde. E que você esteja preparado, porque nada de bom sai daqueles abutres. Suspirei profundamente. Preparar-se? Como se alguém pudesse se preparar para algo assim. Eu estava à beira de um julgamento que poderia definir o resto da minha vida. — Cazzo, não tem co
Vincenzo D'AngelisAcordei com o som suave de um choro abafado. Durante os primeiros segundos, demorei a entender o que estava acontecendo. Meu instinto imediato foi me preparar para o pior, para uma emergência, para algo que precisava ser resolvido. Mas então lembrei: eu estava de licença. Não era um som de ameaça ou de perigo. Era o choro... do meu filho.Levantei-me lentamente, ainda me acostumando com a ideia de estar em casa. Uma semana fora, e agora estava aqui, sem reuniões ou telefonemas urgentes para atender. Esse tipo de silêncio — exceto pelo choro do bebê, claro — parecia mais desconcertante do que qualquer coisa.Desci as escadas devagar, com passos que pareciam mais pesados do que o normal. A verdade é que me sentia fora de lugar. A sala estava banhada pela luz suave da manhã, e lá estava Antonella, segurando Enrico em seus braços. Ela balançava gentilmente, falando com ele com uma voz doce e tranquilizadora. Era um contraste gritante com as conversas severas e carregada
Antonella FontanaO som suave de Enrico mexendo-se no berço foi o primeiro sinal de que a manhã já começava a despertar. Eu estava ali, sentada no sofá da sala, observando a luz fraca do sol filtrando pelas cortinas, com uma xícara de café nas mãos. Desde que Vincenzo foi afastado, nossos dias ganharam uma nova rotina. Uma rotina estranha, porém, mais tranquila, sem a pressão constante da máfia, mas eu sabia que isso era temporário. Vincenzo era parte desse mundo, e, por mais que eu quisesse acreditar que ele estava gostando desse tempo com Enrico, havia algo que o mantinha distante.O som de passos no corredor logo quebrou o silêncio, e eu já sabia que era ele. Vincenzo surgiu com os cabelos bagunçados e o rosto sério, aquele ar que ele sempre carregava, como se estivesse a quilômetros de distância, mesmo estando ali na sala comigo e o filho dele. No entanto, o semblante dele suavizou assim que avistou Enrico.— Buongiorno, Raposa — disse ele com aquele sorriso discreto, chamando-me
Vincenzo D'AngelisO silêncio da noite era mais profundo do que o habitual, o tipo de quietude que só se encontra nas horas mais tardias, quando o mundo parece ter parado. Estava na sala, uma luz suave iluminando apenas o suficiente para que eu visse o rosto sereno de Enrico, adormecido em meus braços. Era sexta-feira, o final de uma semana que, para minha surpresa, foi diferente de qualquer outra.Eu nunca fui o tipo de homem que fica em casa. Não tinha tempo para isso. Estar aqui, cuidando do meu filho, era uma novidade que, admito, no início não me agradava muito. Meu lugar sempre foi na linha de frente, no controle das operações, com decisões pesadas sobre meus ombros. Mas algo mudou. Algo que eu não havia previsto.Olhei para o pequeno Enrico, o corpo quente e frágil aninhado no meu peito. Ele não fazia ideia do mundo que o esperava, do caos que poderia engoli-lo se eu não estivesse à altura da tarefa de protegê-lo. Eu não sabia o que estava fazendo como pai — quem no meu lugar s
Antonella FontanaAcordei no sábado, pensativa. Eu e Vincenzo acabamos criando uma amizade onde temos mais liberdade para nos abrir e brincar, aliviando todo o peso da decisão que está próxima. Isso me deixa um pouco ansiosa, pois percebo que estou me apegando mais a Vincenzo e a Enrico, como se ele realmente fosse meu filho. E isso não é bom.Levantei-me, seguindo meu ritual matinal, e segui para o quarto do pequeno, onde uma cena aqueceu meu coração mais do que todas que presenciei essa semana. Vincenzo estava trocando a fralda de Enrico. Até aí, normal. Mas a forma como ele conversava com o bambino, prometendo ser um bom pai, prometendo protegê-lo e fazer dele um homem forte, um líder nato, era de partir o coração. Sua voz saía com tanto carinho e afeição que não pude evitar um sorriso, talvez me rendendo um pouco mais a esse homem.— Vince, tudo bem por aí? — me critiquei mentalmente por ter usado apelidos, mas ao ver o leve sorriso de Vincenzo, esse arrependimento desapareceu.—