Eu contava as más notícias à Magister. Ela se sentava no centro de sua mesa em formato de meia-lua. Estávamos em seu escritório, de interior amplo e circular. Eu sempre admirara sua sala: a maneira como a projeção dimensional no piso dava a sensação de que o chão era fofo como areia sob os pés, as janelas amplas que proporcionavam o vislumbre da parte mais bela da cidade.
Nos últimos anos, a Corte vinha travando uma batalha ferrenha contra a mentalidade conservadora, lidávamos com os rebeldes: criaturas asquerosas, sempre tentando "ver além do momento". O Simulador era uma manobra para direcionar sua atenção a algo que não fosse prejudicial ao interesse do Núcleo.
Por conta disso, a ideia de que alguns provincianos haviam conseguido escapar da ilha de Ventura era preocupante. Além disso, havia aquela bronca se esgueirando pela cidade; uma
Para nós, é uma grande realização finalizar esta primeira etapa da série. Não teria sido possível sem todas as palavras amigas, os incentivos calorosos e, acima de tudo, a confiança que recebemos. Gostaríamos de agradecer imensamente àqueles que nos auxiliaram:Natalia Saj, por ter produzido as lindas capas da série e ter sido uma das nossas primeiras leitoras críticas.Hellen Caroline, por sua incomparável dedicação à revisão da obra. Uma pessoa incrível e uma profissional talentosa que tivemos a sorte de encontrar na reta final do processo.Rodolfo Marques, por ter nos concedido uma de suas virtuosas composições para que usássemos na divulgação, bem como por nos ajudar com nossas pesquisas para a obra.Sandro Aragão, por sua disposição e competência ao bater nossas fot
Ele empurrou uma porta cinza e me guiou para o interior do prédio. Entramos por um corredor que nos levou até um elevador circular. O ambiente era opressivo, ou talvez fosse o frio na minha barriga que tornasse tudo tão intimidante. Após um saguão e uma porta, fui deixado sozinho numa sala escura. Havia apenas uma plataforma no centro, onde me posicionei, seguindo as instruções.Durante uns segundos, o local permaneceu em absoluta escuridão. Em seguida, tudo começou a se iluminar em tons de azul. Uma música tocava, e era, mais uma vez, muito diferente de tudo que eu já havia escutado.Eu estava atônito.Imagens começaram a percorrer a sala, saltando por toda parte; cruzavam o ar como projéteis; a princípio, supus que fossem reproduzidas por telas, mas a própria luz parecia sólida. Palavras, símbolos e sinais. Tudo era novidade para mim: at
Quanto realmente dura um pensamento?Esta era a pergunta. Quanto tempo decorre do momento em que se formula um pensamento até o instante em que ele vai embora?Às vezes, quando mais jovem, eu olhava para o céu e me dava conta de que choveria, e então me atinha a isso, à concepção de que a chuva estava por vir, tentando estudá-la por todo o tempo em que ela estivesse comigo. Mas, de uma maneira ou de outra, como quando eu contava os minutos antes de dormir, era impraticável cronometrar a duração de uma ideia.Sempre fui assim: perguntas não me agradavam, a menos que viessem acompanhadas de resposta — ou, minimamente, da possibilidade de existir uma resposta. Mas eu sabia desde criança que ninguém elucidaria essa dúvida pessoal, sobre a duração das coisas que não podemos medir. Ninguém se importava. Talvez nin
Foi apenas à noite que pude retornar ao refúgio dos meus tesouros. Tive que me satisfazer com somente a sensação de ter meu novo livro velho nas mãos, pois àquela hora a floresta já estava escura e eu não podia distinguir as palavras no papel, meus olhos doíam quando eu tentava forçá-los.Por entre as árvores, andando alguns poucos minutos desde o córrego, era possível ver as cercas que contornavam a casa de argamassa fina, toda branqueada com cal. Quando entrei, estremeci de frio; desejei poder despir o casaco, porém o interior estava quase tão gelado quanto as ruas lá fora.— Passou na venda? — perguntou meu pai. Ele estava de costas à porta, em frente à lareira, com os braços cruzados enquanto observava as chamas.Apoiei as sacolas de papel sobre a mesa e exprimi um gemido, sinalizando que sim.A sala t
No caminho de volta, o automóvel sacolejava mais do que na ida, agora que não carregávamos troncos na traseira. Pude ver o Núcleo mais uma vez enquanto o panorama diminuía gradativamente no retrovisor. O vento sacudia a copa das árvores no acostamento. O ar parecia rarefeito aqui do alto, fazendo-me sentir mais relaxado.Plinio me ofereceu um adiantamento para que eu pudesse comprar uma roupa bacana para a festa. Apesar de aceitar o dinheiro, eu não prometeria comparecer amanhã.— Se eu fosse mais jovem, vestiria algo muito bacana — dizia Plinio. — Todos me notariam. Todos olhariam para mim.Franzi o cenho.— Você tem quase a minha idade.Plinio estava nos vinte e poucos, apesar de parecer um tanto mais velho e ter a saúde muito fraca para alguém tão jovem. Ele ficou ligeiramente sem jeito.— É. Bem... é verdade &mda
A noite era impenetrável. Embora eu me sentisse exausto, era como se nenhuma parte de mim estivesse disposta a descansar. A cama rangia a cada movimento inquieto, o que já parecia estar durando horas. Eu sabia que a manhã chegaria e eu precisaria estar de pé, mas por mais que tentasse desligar a consciência, um pedaço dela continuava funcionando a todo vapor.Meus olhos se adaptaram muito rapidamente à pouca luz, que entrava no quarto através da janela e que vinha de um dos postes na calçada. Eu conseguia discernir o contorno da mancha que havia no teto, bem na direção do meu olhar, e a encarava por uma eternidade.Quando mais novo, eu costumava ter pesadelos, razão pela qual, por tantas vezes, recusara-me a me deitar. Com os anos, eles foram se tornando menos frequentes. Agora minha maior dificuldade não era me manter na cama, mas essencialmente dormir. Em pensamento, os aconteci
A celebração prosseguiu. Os mesmos feirantes realizavam seus rodízios; os jovens dançavam, agindo como se nada tivesse acontecido.Eu havia perdido Lena de vista. Mergulhei no tumulto e abri caminho. Gritei seu nome e consegui encontrá-la cerca de cinco minutos depois, perto da urna de madeira.— Eu disse para não se distanciar!Ela tinha um semblante culpado.— Desculpe, a multidão me arrastou.Lancei à garota um olhar complacente. Era mesmo muito fácil se perder naquela selva de pessoas.Retornamos a um ponto menos movimentado, e eu já me preparava para comprar algo para comermos quando Lena puxou meu braço com força.— O papai está aqui!Olhei na direção em que ela apontava e pude ver o homem de jaqueta vermelha chamativa, enroscado como uma serpente numa negra alta. Semicerrei os olhos, imaginando que a
Quando eu era criança, minha mãe me levava em passeios casuais pela floresta. Eu ficava fascinado com as aves, a vegetação densa e o córrego do rio, mas o que mais chamava minha atenção era uma planta de flor púrpura que crescia livremente por algumas partes da cidade. A beladona, como a mãe a chamava, era uma erva daninha; eu não entendia como podíamos considerar ruim algo tão insuspeito. Em seu caule brotavam pequenos frutos redondos de um negro profundo, que se assemelhavam a jabuticaba, e eu tinha vontade de botá-los na boca. Minha mãe sempre me fazia prometer que jamais experimentaria a fruta: embora as bagas fossem doces e saborosas, eram muito tóxicas, um punhado delas continha substância alucinógena forte o suficiente para me matar. Por isso eu sempre admirava as beladonas de longe, receoso de me aproximar delas, ainda que fossem tão bonitas que me fiz