Cheguei em casa cerca de uma da manhã, quase não consegui me despedir dos irmãos, a cena lamentável, machista, homofóbica, traumatizou a todos. Deixá-los remoendo o acontecimento quebrou o meu coração em mil pedaços. Quando Raica mencionou a não aceitação dos pais, jamais calculei a gravidade da negação, até presenciar o episódio. O homem em seu porte troncudo lembrou Renan, e visivelmente o olhar de revolta também se compartilhou entre pai e filho.
Num país racista, muitas vezes ou quase sempre impiedoso diante de escolhas que ferem o padrão imposto pela sociedade, é frequente assistir notícias desumanas, como mais um homossexual espancado, por si só já gera uma revolta. Imensurável, em todas as suas proporções, é testemunhar algo do tipo. Se colocar no lugar do agredido e sem tempo de recuperação, erguer a cabeça, consciente que irá encarar cedo ou tarde outra covardia como aquela.
Evitando qualquer ruído, pisei de mansinho indo em linha reta para o meu quarto, assim
— As coisas não são bem assim, Aurora — ele sussurrou, e o pedido cálido que veio a seguir explodiu em faísca no meu corpo e, principalmente, no meio das minhas pernas. — Acha mesmo que foi só mais uma para mim? Garota, você realmente não compreende, seu gosto ainda alimenta o meu paladar, provar sua carne, definitivamente me tornou exigente. Eu quero você, preciso deliciar-me com calma do seu corpo e, quem sabe, talvez, consiga me liberar desse tesão.Oh, Deus!Esfreguei as coxas e umedeci os lábios, impossível controlar a devoção e a devassidão quebrando minha resistência, o ar vulcânico ultrapassando as linhas existentes da ligação.— Está no seu quarto agora? — Timbre rouco, exigente.— Por quê?— Só me responde em qual cômodo está?Arfei, onde
Domingo, dia de dormir até não querer mais, até parece, avisem a maldita insônia que não permitiu que eu pregasse os olhos me mantendo acordada até às seis da manhã, portanto, sem me prolongar na cama, levantei decidida a correr. Mamãe quase vomitou o café da manhã de tanto que riu quando me viu de calça legging e top. Precisava urgentemente liberar a adrenalina e uma atividade física faria o papel de esgotar o meu corpo, visto que minha mente tripudiava, me instigando a querer vocês sabem quem.Resumindo o rolê, eu estava a ponto de explodir.Nem cronometrei os quilômetros que percorri, parei assim que a exaustão fraquejou as pernas, apoiei a palma da mão em uma árvore, uma das poucas do meu bairro pobre em paisagismo e rico em poluição, deixando a cabeça pesar à frente do corpo. Tomei fôlego como se o ar me faltasse no peito. Em seguida, decidi caminhar tranquilamente de volta ao meu prédio. Isso se o universo não gostasse de gozar com a minha cara. Veja bem, a estrutura esgotada, s
Caminhamos lado a lado até a padaria do seu Zé, durante o percurso procurei me concentrar em qualquer coisa que não fosse aquele perfume que, num sopro de ar invadiu as minhas narinas. Num certo momento, à medida que alcançávamos o lugar, ele, atrevido, tocou levemente o dorso da minha mão e eu logo abracei o corpo evitando o contato. O safado riu, pois percebeu como arrepiou cada pelo do meu braço. Iludida, talvez, mas o pensamento me acompanhou. O que o trazia em pleno domingo para frente do meu prédio, quando um mundo de glamour o esperava de braços abertos? Mulheres, boates, festas... lugares que muito provavelmente ansiavam por sua estada. No entanto, lá estava ele caminhando ao meu lado, como se guardasse o tempo na palma da mão, dilatando o momento no qual esquecemos quem somos, esquecemos a WUC. De soslaio, marquei o tempo de um sorriso faceiro, o sol alvorecendo em sua pele, em seus traços, nos castanhos dos seus olhos, tornando-o ainda mais lindo, como se fosse possív
— Sou apaixonada por musicais, acho que poderíamos fazer algo grandioso, como um flash mob[4] com uma música original, talvez o funk, que abordasse sonhos e os influenciadores, ou tik tokers, fazendo parte disso, incentivando seus seguidores a estudarem se quiserem chegar na posição que hoje eles estão. O que acha?O executivo franziu os lábios e permaneceu calado, o que fez com que eu me achasse ridícula.— Funk?— Ahaaa!— Gostei.Isso, garota!!!— Jura?— Sim, vou falar com o Orion.— Eeeeeee. — Bati várias palminhas animadas, porra, ter algo aprovado pelo David era sensacional. — Eu ia comentar com ele amanhã, mas já que você perguntou.— Quem leva a Aurora para casa, a venda ou a criação?Não entendi como investida, meneei a cabeça, pensando na resposta:— O marketing ou a publicidade? — Ele assentiu. — Os dois casam, no entanto, a publicidade ganha.— Sim, consigo ver nos seus olhos e nas
Cobri o rosto, enquanto minha mãe acenava para o safado que fez questão de ligar o carro numa lerdeza, adorando a atenção gratuita. Antes de seu carro cruzar a esquina, corri para dentro, pois o rosto da senhora assanhada mudou, não estava tão simpático.— Aurora, espere! — ela gritou, mas o elevador fechou. E a última visão que tive foi que nada ia me livrar de várias explicações.Entrei no apartamento e apelei para o café, um gole, nada além disso, e então a porta fechou, a testa enrugou e comecei a rezar.— O que o David Queen fazia aqui?— Já falei, mãe. — Contornei a bancada e me sentei no sofá. — Toda assanhada com o homem, ele é muito jovem para a senhora, não pretendo ter um padrasto com essa idade.— Um ponto que eu concordo, também não pretendo ter um genro com essa idade.— Assunto resolvido. — Levantei-me no ímpeto e me sentei no outro lado.— Sem gracinha, fica aí garota. — Ela cruzou os braços. — Eu quis ser simpática. A
— Como vai, David?— Tudo ótimo, Enrico. — Estendi a mão para um cumprimento e ele retribuiu. Virei-me para sua esposa. — Olive, que bom revê-la.— O prazer é meu, David. Estive com sua mãe há mais ou menos um mês, que palácio vocês têm na Califórnia! — elogiou a senhora elegante ao lado do marido, meu futuro investidor. — Que jardim impecável.— Eu realmente amo aquela casa, só não tenho tempo hábil para desfrutar do lar que meu pai construiu. — queixei-me.Eram raros os momentos que sentia saudade de casa, isso devido à mudança constante que meu cargo exigia, com o corpo em movimento o cérebro seguia o mesmo curso e o coração… esse não dava ouvidos há um tempo. Procurei construir pequenos lares que pudessem me acolher durante as viagens, espaços que recheava com fotos e recordações da família amorosa que Sara sempre zelou, mas que desmoronou na colisão desleal entre Nick e eu.— Todo sucesso tem um preço — comentou Enrico me arrancando do torpor.
— Sabe como as coisas funcionam com Enrico, primeiro ele revira sua vida com perguntas para só então assinar o contrato.— O velhaco não perde sua astúcia, mas como sempre você fechou uma excelente negociação — felicitou-me falando com seu português arrastado.Mamãe tentou ao longo desses anos, casada com o meu pai, ensiná- lo a falar português, e conseguiu desenrolar 50% da língua do turrão. Embora minha primeira língua seja o inglês, tenho fluência no português, uma vez que Sara, apaixonada pela sua nação, sempre fez questão de que Nick e eu tivéssemos contato não só com o solo brasileiro, mas também com suas origens latinas.— Tudo saiu conforme o planejado — finalizei o uísque descartando o copo na mesa de centro.— Não esperava menos de voc&e
“Um sopro, Ana”— Qual o significado dessa frase, mãe? — perguntei, tentando capturar o olhar de mamãe. — Mãe, fale comigo.Ela soltou o buquê que se espalhou no chão, olhei para os botões de rosas vermelhas descartados aos meus pés e senti medo, muito medo. Mas não podia expor aquilo a ela. Voltei para a mulher que iniciou uma procissão árdua até o sofá, sentou-se e cobriu o rosto com as mãos. Ali a fortaleza Ana se desfez, um choro doído e agudo explodiu na sala.Meu coração partiu em mil pedaços.As rosas eram o aviso excruciante dado sempre que o diabo estava prestes a ser solto. Só que daquela vez tínhamos muita coisa em jogo, tudo que conquistamos nos anos anteriores não podia ser colocado dentro de uma caixa e transportado por um caminhão para outra