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03 - Ferreiros, livros e fontes

            A loja de especiarias de tio Palomir ficava no centro comercial da Cidade das Árvores. Como havia prometido, Aria deixou o almoço para o tio e foi levar suas ferramentas para conserto. A garota parou em frente à ferraria. Embora fosse pequena, havia um arsenal das mais variadas armas penduradas nas paredes, caídas no chão, uma bagunça.

            – Ramón! – gritou. – Sou eu, Aria, vim lhe ver.

            De dentro da ferraria ouviu-se um barulho de algo de metal caindo no chão seguido de um grito. A voz grossa de um homem gritou lá de dentro:

            – Aria! Quanto tempo não a vejo! Já ia falar com seu tio para lhe trazer aqui. Precisava lhe mostrar uma espada que encomendaram. Uma maravilha, mas o dono já veio buscar. Entre, entre.

            Ramón era um ferreiro de meia idade. Tinha a estatura baixa, mas era musculoso, os cabelos já rareavam e os poucos que tinha já estavam grisalhos. Ramón havia trabalhado com o pai de Aria e praticamente a vira crescer. Quando menina, adorava ver o pai e Ramón trabalhando e passava noites em claro vendo-os forjar espadas e outras armas.

            Aria entrou na oficina. O calor ali era intenso, a enorme forja acesa já estava apinhada de projetos de armas para serem moldadas e na parede de frente para a entrada havia um enorme Machado de Prata pendurado. Os aprendizes de Ramón já estavam todos concentrados em seus afazeres, mal se viraram para ver quem entrava na oficina.

            – O que a trouxe aqui? – perguntou Ramón.

            – Trouxe algumas ferramentas para você consertar para mim – disse Aria abrindo seu alforje e mostrando as ferramentas danificadas. – Estou sem tempo para consertá-las e estou sem material também.

            – Deixe-me vê-las – Ramón tomou uma das tenazes nas mãos – Estão bem danificadas, mas posso consertá-las hoje mesmo. Amanhã você poderá vir buscar.

            – Obrigada.

            – Precisa de mais alguma coisa? – perguntou Ramón.

            – Por enquanto apenas isto – disse Aria. – Já vou indo, Ramón. Agradeço novamente. Até amanhã.

            – Até, Aria.

            Quando saiu da oficina surpreendeu-se ao encontrar o cavaleiro viajante de olhos verdes parado do outro lado da rua, encostado na parede de uma casa, olhando sorridente para ela. Ao lado dele estava o homem que ele chamara de Sir Rúmil. Surpreendida, Aria fingiu que não o viu e continuou seguindo seu caminho. O rapaz então foi atrás dela.

            – Ei, senhorita! – ele chamou enquanto a alcançava, Sir Rúmil vindo atrás dele. – Bom dia! Devo agradecê-la novamente por ter me ajudado na floresta.

            – Por nada – disse Aria apertando o passo tentando se afastar dele.

            – Estava andando pela cidade hoje, quando a vi entrando naquela oficina de ferreiro. Desde então fiquei esperando você sair para poder falar com você – o rapaz disse.

            – Por acaso está me seguindo? – Aria parou de repente inconformada com a situação. Não se importou se estava sendo rude com o rapaz. A conduta dele a tirava do sério.

            – Não, não a estou seguindo – ele disse. – Só gostaria de falar um pouco com você. Perdoe-me se minha atitude a magoou.

            Por um momento Aria pode ver uma sombra nos olhos do rapaz, era ele quem mais parecia magoado. Aria já havia visto aquela expressão antes, a conhecia muito bem. A sombra nos olhos dele era de um profundo pesar.

            – Eu que peço perdão pela minha grosseria – disse Aria com um aperto no coração. – Preciso ir agora. Adeus!

            Aria acenou e saiu correndo, deixando o rapaz parado no meio da rua sem entender nada.

            No dia seguinte, Aria voltou à cidade para buscar suas ferramentas. Ao sair da oficina, andava distraidamente pela rua, quando tropeçou e caiu derrubando todas as ferramentas no chão. Enquanto as catava, mais um par de mãos apareceu para ajudá-la.

            – Ah! Muito obrigada! – respondeu Aria levantando a cabeça para ver quem a ajudava. Sobressaltou-se ao ver que era o rapaz do dia anterior.

            “Ele outra vez!”, pensou Aria consigo mesma.

            Após recolher as ferramentas e guardá-las o rapaz estendeu a mão para Aria que ainda estava no chão. A garota recusou a ajuda e o rapaz puxou a mão de volta, embaraçado.

            – Nos encontramos novamente! – disse ele alegremente.

            – É, eu percebi – disse Aria.

            – Ontem vejo você entrando em uma oficina de ferreiro e hoje você está com várias ferramentas em mãos – disse o rapaz. – Perdoe minha intromissão, mas por acaso está levando essas ferramentas para algum familiar que é ferreiro?

            – Não – respondeu Aria. – Essas ferramentas são minhas.

            – Você é assistente em alguma oficina?

            – Não sou.

            – Entendo – ele disse percebendo que estava sendo indiscreto.

            – Se não se importa – ela disse. – Eu preciso voltar...

            – Espere – ele a interrompeu. – Percebi que você conhece bem as redondezas. Como sou novo aqui estou um pouco perdido, mas gostaria de conhecer a cidade já que não terei muito o que fazer por alguns dias. Você poderia ser minha guia durante esse tempo? Se quiser, é claro.

            Aria não esperava por aquilo. O que será que o rapaz queria com ela? A atitude dele era estranha.

            – Mas e o seu guarda? – perguntou Aria lembrando-se do homem que estava com ele no outro dia. – Ele não vai se importar? Por que ele não está com você hoje?

            – Meu guarda? – perguntou o rapaz confuso.

            – Sim, aquele que você chamou de Sir – ela disse.

            – Ele não é meu guarda! – o rapaz riu.

            – O que ele é, então?

            – Sir Rúmil também estava lutando na guerra, somos companheiros – ele respondeu. – Por mais que pareça que ele estava tomando conta de mim, ontem nós só estávamos dando uma volta pela cidade.

            Ele continuou rindo e Aria respirou fundo. Considerou o pedido do rapaz. Ele era novo na cidade e mesmo que não houvesse tantos lugares interessantes para visitar na Cidade das Árvores, nos arredores de Taurdin havia locais muito bonitos para se conhecer. Como Aria bem sabia, ficar à toa em casa era maçante. Ainda hesitante em relação a ele, Aria decidiu aceitar.

            – Tudo bem – ela disse. – Venha. Vou ser sua guia.

            – Ah! Obrigado por aceitar – exclamou ele.

            Aria pegou seu alforje e já ia prendê-lo às costas quando o rapaz interviu.

            – Eu poderia levá-lo para você – ele disse querendo ser educado. – Parece estar pesado.

            – Não é necessário – respondeu Aria. – Já carreguei coisas muito mais pesadas que isso. Agora, me siga.

            Aria saiu andando e ele correu para alcançá-la.

            – Está vendo aquela loja? Se estiver precisando de roupas novas ali é o lugar certo. Ali na frente é a biblioteca – apontou Aria para um grande prédio rústico. – Há livros muito bons.

            – Você gosta de ler? – perguntou o rapaz.

            – Gosto muito, meu pai sempre me incentivou.  Já li boa parte dos livros da biblioteca, mas não há muitos livros de histórias, há mais documentos e registros antigos. Prefiro os contos.

            – Ler é uma arte para poucos, o que não concordo. Os livros são nossas almas vistas por fora, e todos deveriam apreciar essa arte. É simplesmente fascinante – disse ele.

            – Sim é fascinante. Meu pai me dizia que saber ler e escrever seria importante para o meu futuro – disse Aria.

            – Concordo. O conhecimento é uma dádiva.

            Aria olhou para o rapaz. “Por que ele é tão diferente das outras pessoas?” pensou Aria. Tudo nele era diferente. Seu jeito de falar era estranho. Seu modo de andar e de agir. Ele pensava diferente. “Quem é ele?”.

            Logo eles chegaram ao centro da cidade. Lá, no meio de uma praça, havia uma fonte. O rapaz seguiu até a fonte e parou em frente a ela, observando como se já tivesse visto uma igual àquela.

            – É muito bonita, não é? – disse Aria se aproximando.

            Ele se virou e abriu um sorriso.

            – É sim, a fonte é muito bonita.

            – É uma homenagem ao rei daqui. É chamada de Fonte da Promessa – disse Aria. – Existem duas, ouvi dizer, uma em Armendor e a outra está em outro reino. Parece que elas fazem um par.

            O rapaz olhou para ela, atento.

            – Está vendo a inscrição?  Embaixo do nome do rei. “É uma promessa. Se você cair, serei o primeiro a lhe estender a mão” – Aria leu. – Na outra fonte está a promessa feita por outro rei, mas não sei o que é.

             Os olhos do rapaz brilharam ao fitar a fonte. Novamente sua expressão demonstrava pesar.

            – Você conhece bem as coisas por aqui, não é? Parece que escolhi bem minha guia – sua expressão se recuperou ao falar.

            Aria assentiu.

            – Você disse outro dia que seu nome é Tumen, não é? – ela perguntou.

            – Fico feliz que tenha lembrado – ele sorriu.

            – Como eu prometi, vou ser sua guia por um período – disse Aria –, há lugares muito bonitos em Armendor, se você souber aonde ir. Também não tenho muito o que fazer durante o dia e passo boa parte do meu tempo nesses lugares. Podemos fazer companhia um para o outro, não tenho amigos da minha idade e às vezes é bom conversar com pessoas diferentes.

            Um sorriso ainda maior abriu no rosto dele.

            – Agradeço novamente por aceitar meu pedido – disse Tumen. – Então, aonde iremos amanhã?

            – Amanhã me encontre aqui na fonte a uma da tarde – disse ela. – Traga seu cavalo e venha armado. O lugar aonde vamos pode ser um pouco perigoso, mas ainda assim é um ótimo lugar. Valerá a pena. Agora preciso ir embora, então até amanhã, Tumen.

            – Até amanhã.

            Aria foi até onde havia amarrado Ganis e montou no cavalo.

            – Ei! – chamou Tumen. – Espere. Ainda não sei seu nome.

            – Meu nome é Aria.

            – Aria! – repetiu Tumen. – É um belo nome.

            Ele sorriu e involuntariamente Aria também sorriu. Tumen acenou e Aria foi embora.

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