O sino tilintava amarrado ao cinto de Tumen. Logo à frente, um sino semelhante ao dele também retinia preso ao alforje de Aria. Naquela tarde a garota os levava por um caminho diferente. Cavalgavam por uma parte da floresta que era bem próxima à Cidade das Árvores.
– Hoje vou levá-lo a um lugar bastante conhecido – comentou Aria. – Podemos ter a sorte de o lugar estar vazio, pois caso encontremos alguém, teremos que voltar.
– Por quê? – perguntou Tumen, curioso.
– O lugar tem dono – foi tudo o que Aria disse. – Já estamos chegando.
Eles entraram num local que parecia ser uma fazenda. Árvores frutíferas diversas haviam sido plantadas dentro de um padrão. Embora pertencesse a alguém, não era uma área cercada. Aria vasculhou o ambiente com olhos atentos, ao verificar que não havia pessoas abriu um sorriso e desmontou de Ganis. Tumen a seguiu.
– Onde estamos? – perguntou Tumen. – A quem pertence essa terra?
Aria se aproximou de Tumen, pôs uma mão sobre a boca e sussurrou no ouvido do rapaz.
– Bem-vindo ao pomar real.
Tumen arregalou os olhos, fitando Aria sem acreditar.
– Este pomar pertence ao rei! – exclamou Tumen. – Por que me trouxe aqui? Vamos ser repreendidos se nos encontrarem.
– Shhhh! – Aria colocou um dedo sobre os lábios de Tumen. – Fale baixo. Vamos só colher algumas frutas e vamos para Thoronbar. Há muitas frutas aqui, ninguém vai dar falta de três ou quatro. Venha comigo.
Aria seguiu por entre os corredores de árvores até chegar a um conjunto de pés de tangerina. A garota procurou por tangerinas maduras e colheu algumas, colocando-as em seu alforje. Seguiu por outro corredor até encontrar nespereiras, e colheu mais frutos maduros, entregando-os nas mãos de Tumen, que os guardou em sua bolsa. O rapaz a seguia sempre vigiando por cima dos ombros, parecendo bastante incomodado. Pararam novamente perto de morangueiros e Aria colheu alguns.
Ela andava por entre os corredores do pomar como se o conhecesse como a palma de sua mão. Depois de encher seu alforje até não caber mais frutas, Aria, exultante, foi retornando até onde deixara Ganis. Na metade do caminho alguém gritou.
– Ei, vocês dois! O que pensam que estão fazendo? Este pomar pertence ao rei.
– Corra! – gritou Aria que parecia estar se divertindo.
Os dois correram até os cavalos e dispararam floresta adentro. O agricultor ainda ralhava atrás deles. A risada de Aria ecoava por entre as árvores enquanto fugiam. Tumen relaxou ao ouvir a garota achar graça da situação e acabou caindo na gargalhada também. Só desaceleraram os cavalos quando chegaram a Thoronbar.
– Você é louca, Aria? – perguntou Tumen, ofegante.
– Vai me dizer que não se divertiu também – ela continuou rindo. – Queria lhe fazer experimentar um pouco de aventura em Armendor. Fugir da rotina.
– Mas era o pomar real! – disse Tumen. – E se alguém nos pegasse?
– Ninguém nunca me pegou.
Tumen não conseguia acreditar no que ouvira. Era loucura demais. Ele simplesmente não conseguia deixar de rir da situação.
– Não acredito que furtei frutas em Armendor – ele balançou a cabeça.
– Seu coração ainda está acelerado? – perguntou Aria.
– Sim – Tumen colocou a mão sobre o peito.
– Venha! – Aria o chamou. – Sente-se aqui para se acalmar. Vamos comer as frutas que pegamos.
Aria abriu um lenço no chão e espalhou as frutas sobre ele. Ela escolheu a maior das nêsperas e a ofereceu à Tumen.
– Coma! Prove esta.
Tumen fez como ela disse, dando uma grande mordida da fruta. À medida que mastigava sua expressão foi mudando. Ele olhou para Aria impressionado.
– É tão doce! – ele exclamou.
– É uma delícia, não é? Desculpe-me por ter lhe forçado a fazer algo assim, mas queria que provasse as frutas. Todas as frutas daquele pomar vão para o palácio, não encontramos algo com essa qualidade para comprar no mercado. Mas não me entenda mal. Eu não faço isso com frequência. Só quando quero sentir um pouco de emoção.
– Você é diferente das outras mulheres que conheço – o comentário escapou da boca de Tumen.
– Conhece muitas mulheres? – perguntou Aria, zombando.
– Quis dizer que você é diferente das outras mulheres com quem já conversei – corrigiu Tumen.
– Por que sou diferente? – pergunta Aria interessada, pegando uma fruta para ela.
– Você não esconde o que pensa. Você não tem medo de demonstrar seus sentimentos. É uma menina sem medo, que gosta de enfrentar o perigo – disse Tumen. – Admiro isso em você.
– Não gosto de ser a dama educada, que se porta na presença dos outros. Sou apenas eu mesma e não me importo com o que os outros pensam – disse Aria. – Mas obrigada por achar isso de mim.
– Conte-me mais sobre você - disse Tumen, olhando nos olhos de Aria.
– Você já sabe muito sobre mim – disse Aria. – Acho que não tenho mais o que contar. Conte-me você. Sua vida parece mais cheia de aventuras que a minha. Afinal, você é um guerreiro.
– O que quer saber, então? – pergunta Tumen.
– Você disse que veio atrás de conselhos – lembrou Aria. – Estava à procura de alguém específico?
– Sim, realmente – disse Tumen. – Vim em busca de conselhos. Vim à procura de meu tio.
– Humm! Ele mora na Cidade das Árvores? O que ele faz?
– Ahh! Ele mora um pouco afastado da cidade. E digamos que ele administra os negócios da família – disse Tumen, que pareceu constrangido com a pergunta.
– Fiquei me perguntando aquele dia que nos encontramos pela primeira vez – continuou Aria. – Você usava um manto igual ao que os soldados de alta patente em Armendor usam. Não sei como funciona a hierarquia do exército de onde você veio, mas você não é muito novo para já ser um soldado de elite?
– Você é bem curiosa, não é? – Tumen riu.
– Sinto muito – Aria corou –, mas não consigo resistir.
– Tudo bem – disse Tumen. – Pode-se dizer que eu seja um soldado de elite, depende do modo como você vê. Mas devido a minha idade isso talvez soe estranho. Eu tenho dezesseis anos, estou perto de completar a maioridade, mas admito que mesmo em idade tenra, exerço certa influência no exército, mas tudo isso por causa de meu pai.
– Seu pai era algum comandante? – perguntou Aria.
– Pode-se dizer que ele comandava tudo – respondeu Tumen.
– Como um general?
– É-é – Tumen parecia hesitante.
– Então quer dizer que você se tornou um general também?! – espantou-se Aria. – Com tão pouca idade!
– Não, não sou um general – disse Tumen apressadamente. – Apenas exerço influência nos soldados. Nada mais que isso.
– Já é algo a se levar em conta, não é? – Aria riu.
– Tem razão – Tumen deu um sorriso nervoso.
– Você também não me disse de onde veio – disse Aria.
– Eu vim de um reino chamado Andunëar – respondeu Tumen. – É conhecido como Andunëar, o mar do Leste. Moro na Cidade das Torres, a capital de Andunëar.
– Você já viu o mar! – exclamou Aria, fechando os olhos e imaginando. – Deve ser maravilhoso. Eu sempre tive vontade de ver o mar. Eu lia nos livros e ficava imaginando a água batendo em meus pés, as ondas quebrando nas rochas, a brisa tocando meu rosto.
– É realmente maravilhoso – disse Tumen. – Uma imensidão azul que parece não ter fim.
– Se por acaso um dia eu visitar Andunëar você vai ser meu guia e me mostrar o mar, assim como eu tenho feito com você? – perguntou Aria, os olhos brilhando.
– É claro que farei isso! Eu ficaria muito feliz se visitasse Andunëar.
Tumen de fato parecia feliz só por ter imaginado. Aria olhou para Tumen. Ele era um bom rapaz, misterioso, mas um bom amigo. Mas talvez ela estivesse indo longe demais. Aquilo já era mais que um passeio pelas redondezas. Ambos estavam fazendo promessas que talvez nunca cumprissem, estavam criando laços profundos. Se alguém soubesse que ela estava andando sozinha com um homem, por mais honesto que Tumen fosse, Aria ficaria mal falada e seus tios ficariam decepcionados. Mas ele não fizera nenhum mal a ela até então, porque ela iria se preocupar?
– Coma mais, Tumen – disse Aria, tentando não pensar no assunto.
Já era fim de tarde quando deixaram Thoronbar. Aria entregou as frutas restantes para Tumen, dizendo que seus tios não iriam gostar de saber que ela havia furtado do pomar do rei. Na metade do caminho de volta, Aria olhou para o corcel de pelo negro de Tumen.
– Rohalak é rápido? – ela perguntou. – Ele corre bem?
– Ele é bem rápido – respondeu Tumen. – Por quê?
– Então que tal apostar uma corrida? Quem perder traz algo para comermos em nosso próximo encontro – disse Aria.
– Está bem! Então pode se preparar, pois eu ganharei – desafiou Tumen.
Aria instigou Ganis que disparou na frente sem fazer nenhum esforço, estava acostumado a correr por Taurdin. Rohalak alcançou Ganis algumas vezes, mas logo era deixado para trás. Aria olhava para Tumen com um sorriso de vitória no rosto e Tumen já sentindo o sabor da derrota. Nunca havia sido derrotado em nenhuma corrida, mas ele não sabia que Ganis era mais rápido que Rohalak. Eram raros os cavalos mais rápidos que ele.
Aria chegou à orla da floresta primeiro e Tumen poucos segundos depois.
– Realmente seu cavalo é bem rápido – disse Tumen. – Aceito minha derrota e como você ganhou em nosso próximo encontro eu levarei a comida.
– Certo – respondeu Aria, triunfante.
– Nos vemos amanhã? – ansiou Tumen.
– Sim – concordou Aria.
– Então tenha uma boa noite, Aria.
– Boa noite para você também, Tumen.
Os dois acenaram e se despediram.
Quando chegou em casa Aria encontrou Anne e seus tios sentados na cozinha. Ela os cumprimentou e estava a caminho de seu quarto, quando tio Palomir a chamou.
– Aria, sente-se. Precisamos conversar.
Aria se sentou, apreensiva com o que seu tio tinha para lhe falar. Anne que preparava o jantar tentava não olhar nos olhos de Aria. Tia Célia estava com o rosto preocupado, mas tio Palomir tinha a expressão séria. “Será que ele descobriu que estou passando minhas tardes com um homem desconhecido? Ou será que contaram a ele que furtei o pomar real?” – Tio... – começou Aria, mas foi interrompida. – Aria, quero lhe dizer algo – disse tio Palomir. – Tio Palomir, eu juro que eu não farei de novo – tentou explicar Aria. Tio Palomir riu. “Como ele pode estar rindo se o assunto parece ser tão sério”, pensou Aria. &n
Aria acordou cedo. Vestiu-se, tomou seu desjejum e foi procurar tia Célia. Ela estava no celeiro olhando para um grande porco que não estava ali na noite passada. – Tia, onde conseguiu esse porco? – perguntou Aria. – E o que vai fazer com ele? – É para a festa do casamento de Anne – respondeu tia Célia. – Seu tio o comprou no mercado. Era o maior que havia lá. – A festa vai ser aqui? – perguntou Aria. – Não. Na casa de Julian – disse tia Célia. – Lá é maior, vamos levar tudo para lá hoje. Vou esperar seu tio chegar para matar o porco e depois nós vamos prepará-lo. &nb
Como havia prometido em seu último encontro, Aria foi para Thoronbar. A garota brincava com Águia quando ouviu um relincho perto da entrada da campina. Ao se virar deparou com Tumen que acenava sorridente para ela. Aria correu em direção a ele. Sentiu uma imensa vontade de abraçá-lo, mas achou que seria inadequada essa atitude, então apenas o tocou de leve no ombro. – Que bom vê-lo! – disse Aria, sorrindo. – Bom ver você também – disse Tumen. – Conte-me o que fez durante esses três dias – disse Aria, indo se sentar na grama. – Não fiz muita coisa – Tumen sentou-se ao lado dela. – Ajudei meu tio a resolver alguns problemas
Tumen já aguardava Aria na cachoeira, no horário de sempre. Quando ela chegou, o rapaz deu um abraço tão forte em Aria que os pés dela saíram do chão. Ele a beijou ternamente e a puxou até uma área sombreada sob as árvores. – Como está o corte? – perguntou Aria, passando a mão onde ela havia cortado – Está melhor? – Logo vai cicatrizar – disse Tumen. – Além de ter uma boa pontaria, também é boa na esgrima. Aria riu. – Luto bem – disse Aria. – Mas prometo que não vou lhe cortar nunca mais. – Não quer mais duelar comigo? – perguntou Tumen. &nb
Aria acordou animada e com disposição. Caçou coelhos na floresta e os levou para casa. À tarde, preparou tudo rapidamente e foi para a oficina. Só então se lembrou que não falara a Tumen onde estaria. Mas ele saberia onde encontrá-la. Estava guardando as ferramentas quando escutou alguém chegando a cavalo. Saiu para ver quem era e já abriu um enorme sorriso de felicidade e alívio. Tumen desmontou e correu para abraçá-la. Enquanto se abraçavam Aria sentiu que o aperto em seu coração havia desaparecido. Tumen estava bem, sem nenhum arranhão, Aria havia se preocupado à toa. – Que bom vê-lo! – sussurrou Aria no ouvido de Tumen. – Senti sua falta! – sussurrou Tumen de volta.
Aria não dormira bem, estava cansada, seu corpo todo doía. Ela trocou de roupa e foi tomar o desjejum. Tia Célia já estava acordada e tio Palomir já fora para o trabalho. – Você está bem, Aria? – perguntou tia Célia quando a garota entrou na cozinha. – Não – respondeu Aria, puxando uma cadeira para se sentar. – Não dormi muito bem. – Sim, dá para ver – disse tia Célia. Ela colocou um pedaço de pão e um copo de leite na frente da garota. Aria estava com fome, não almoçara nem jantara no dia anterior, rapidamente devorou o pão e já estava querendo mais. Estava nervosa também. Não queria ver Tumen, mas precisava vê-lo. <
– Aria! – exclamou tia Célia. – Que bom que chegou. Temos notícias de Anne, ela já está voltando das núpcias. Aria já estava em casa e nem percebera, levou Ganis ao celeiro e nem se dera conta disso. – Que boa notícia, tia Célia! – disse Aria, fazendo esforço para não chorar de novo. – Preciso falar com ela. A senhora sabe quando ela vem aqui? – Não sei! – disse tia Célia. – Mas pode ter certeza que eu lhe aviso. – Tudo bem! – disse Aria. – Agora eu vou para o quarto deitar, estou com dor de cabeça. Aquilo não era verdade, só queria ficar sozinha, e
Já havia se passado uma semana desde que Aria brigara com Tumen, mas ele ainda não tinha se conformado. Depois da briga, Tumen saiu de Thoronbar e foi a todos os lugares onde Aria o havia levado, esperando encontrá-la. Foi até a cachoeira, mas não havia ninguém, foi até a oficina, ninguém, voltou para o centro da cidade, mas Aria também não estava lá. Voltou ao palácio não por querer, mas por precisar. Caso contrário voltaria a Andunëar, não queria mais permanecer em Armendor. Mas ele não podia decepcionar seu tio, por isso voltou. Durante toda aquela semana ficou vagando pelos corredores do palácio. Queria ficar sozinho, pensando. Acabou deixando de lado suas obrigações. Rei George olhava seu sobrinho e ficava cada dia mais preocupado, sem entender porque ele agia assim. &nbs