Ao voltar para casa, as luzes estavam todas acesas, iluminando cada canto. Lúcia subiu as escadas com sua bolsa na mão. O chão brilhava como se tivesse acabado de ser encerado, sem nenhum traço de poeira. As plantas mortas que antes ocupavam os cantos da sala haviam sido substituídas por vasos de suculentas. Ela não fazia ideia de quem tinha feito aquilo.Do lado de fora, no terraço, ouviu um barulho leve, como o som de passos ou algo sendo arrastado. Lúcia colocou a bolsa no sofá e se dirigiu até a varanda. Lá, avistou uma figura familiar, vestindo um avental, de costas para ela. Ele segurava um regador e, com cuidado, molhava as flores.A luz das estrelas caía sobre Sílvio, dando-lhe uma aura mais humana, mais simples. O Sílvio de antes jamais gastaria seu precioso tempo com algo tão trivial.Lúcia nunca tinha trocado a senha da casa desde que se separaram. Por isso, ele ainda conseguia entrar e sair como quisesse. Ela se lembrou de que, minutos atrás, Basílio a havia acompanhado até
Lúcia sentiu um frio na espinha.“Droga. Ontem à noite eu estraguei tudo por causa da bebida.”— O café da manhã está pronto. Fiz tudo do jeito que você gosta. — Disse Sílvio, com um sorriso servil no rosto.Lúcia lançou um olhar frio para ele:— Já acordou? Então pode ir embora.— Lúcia, você vai mesmo fingir que nada aconteceu? — O sorriso dele desapareceu no mesmo instante. Com o olhar perdido, ele mordeu os lábios, tentando disfarçar a decepção.Na mente de Lúcia, a resposta era clara:“Não tenha pena de homem. Isso nunca acaba bem.”Ela saiu da cama, pegou a camisola que estava jogada no chão e a vestiu de qualquer jeito:— Somos dois adultos, Sílvio. Uma noite juntos não deveria ser algo surpreendente, certo?— Ontem foi só uma noite qualquer para você? — Ele piscou, tentando conter as lágrimas que já começavam a se formar. Ele achava que aquilo significava que ela o tinha perdoado.Lúcia soltou uma risada seca:— E o que mais seria?Na hora de sair, Sílvio, em um tom quase humil
O vinho descia queimando, mas não apagava a dor. Pelo contrário, fazia tudo parecer ainda mais pesado. O vento forte fazia as janelas de vidro tremerem, como se quisessem ceder a qualquer momento.Lá fora, em meio à chuva que caía sem piedade, a voz de Sílvio ecoava na noite:— Lúcia, abre a porta! Vamos conversar, por favor!— Eu não vou deixar você se casar com outro homem! Você não pode fazer isso comigo!— Lúcia, a pessoa que você ama sou eu! Sempre fui eu! No passado, agora e no futuro vai ser a mesma coisa! Abre os olhos!— Lúcia, eu sei que você está aí dentro. Sei que consegue me ouvir. Você pode me odiar, me culpar, me ignorar… mas se casar com outro homem? Isso, não!Lúcia estava encostada na janela, observando a figura desolada dele lá em baixo. Ela ergueu a cabeça e, sem pensar muito, virou o resto do vinho que estava em sua taça. O líquido desceu queimando sua garganta, deixando-a ainda mais amarga. Seus olhos se encheram de lágrimas e, antes que pudesse contê-las, elas es
Lúcia pensou consigo mesma:“Depois que me casar, serei uma boa esposa. Vou me esforçar para amá-lo, o mais rápido possível.”O dia amanheceu.Ela levantou, preparou o café da manhã e chamou Basílio para comer com ela.Após o café, Lúcia fez uma maquiagem leve, vestiu um discreto vestido rosa-claro e prendeu o cabelo de forma simples, usando um pequeno clipe para segurar as mechas atrás das orelhas. Colocou um par de brincos delicados e calçou sapatos baixos. Pegou a bolsa, revisou os documentos necessários e saiu da casa ao lado de Basílio.No jardim da mansão, Sílvio ainda estava lá. A chuva havia cessado, e o sol começava a brilhar. No entanto, sua roupa preta ainda gotejava água, como se a noite inteira tivesse grudado nele.Lúcia não esperava que ele tivesse ficado ali por tanto tempo. Parece que ele realmente não tem nada de mais importante para fazer, pensou, acelerando os passos e fingindo que não o viu.— Lúcia, não se case com ele. — Implorou Sílvio, bloqueando seu caminho. A
— Lúcia, desejo que você seja muito feliz em seu casamento. Que tenha muitos filhos. Prometo que, a partir de hoje, não vou mais aparecer na sua frente.A voz embargada de Sílvio soou atrás dela, carregada de dor e despedida.Os olhos de Lúcia arderam instantaneamente. As lágrimas ameaçaram escorrer, mas ela, com toda a força que tinha, as conteve. Não podia chorar. Não podia olhar para trás. Virar-se naquele momento seria jogar fora todo o esforço que havia feito para seguir em frente. Se tinha decidido cortar Sílvio de vez, não podia permitir que a dúvida ou a nostalgia a enfraquecessem.Lúcia, você fez sua escolha. Não pode vacilar agora. Basílio será um bom marido. Ele te ama tanto… você precisa se esforçar para amá-lo também. Precisa arrancar Sílvio do seu coração, raiz por raiz, folha por folha. Não pode ser injusta com Basílio. Ele merece todo o seu amor, todo o seu coração.Durante o caminho até o cartório, Basílio dirigiu em silêncio. Não perguntou nada sobre o que havia sido
Lúcia assentiu com a cabeça:— Certo.Ela pegou a caneta para preencher os formulários. Basílio estava sentado à sua frente, concentrado, preenchendo seus próprios dados. Lúcia apertou um pouco mais a caneta em sua mão, sentindo o peso do momento. Olhou para o papel e começou a copiar as informações de seu documento de identidade.“Lúcia, estamos prestes a nos casar. Você está feliz?”“Claro que estou feliz. Parabéns, Sílvio, você conseguiu conquistar a mulher dos seus sonhos.”As palavras ecoaram em sua mente, lembranças de uma conversa antiga com Sílvio.Enquanto preenchia o formulário, os pensamentos sobre Sílvio se tornaram incontroláveis. Frases e memórias surgiam como um turbilhão:“Fique longe de outros homens, ouviu? Caso contrário, vou te deixar dois meses sem conseguir sair da cama.”Ela se lembrou da cena de poucos dias atrás, quando, após beber demais, Sílvio a segurou com cuidado, colocando-a gentilmente na cama. Suas mãos se entrelaçaram, as roupas caíram no chão, e a pro
As portas do elevador deslizaram para os lados. Lúcia correu em direção à entrada da sala de cirurgia. Sílvio estava deitado na maca, coberto de sangue. O vermelho intenso já havia desfigurado seu rosto, tornando-o irreconhecível, um retrato de desamparo e miséria.Ao ver a silhueta de Lúcia, ele curvou os lábios num sorriso fraco. Poder vê-la pela última vez era o suficiente; ele já podia morrer em paz. Mas, ao notar Basílio logo atrás dela, uma sombra de decepção passou por seus olhos. O sorriso que antes carregava se desfez.— Vocês já se casaram? — Perguntou Sílvio com a voz rouca.Ele sabia que não deveria fazer aquela pergunta. Sabia que a resposta o machucaria ainda mais. Mas não conseguiu se conter; precisava saber.O rosto de Basílio endureceu visivelmente.Lúcia lançou um olhar rápido para as pessoas ao redor e fixou os olhos em Bruno, que usava um jaleco branco.— Levem-no para a cirurgia. — Ordenou Lúcia.Sílvio foi levado para dentro da sala de operações sem resistir desta
Lúcia havia ido embora.Basílio chegou logo em seguida, trazendo o jantar que havia comprado. Sem perguntar nada, apenas abriu a porta do carro para ela entrar. O silêncio reinava enquanto ele dirigia, levando-a de volta à mansão da família Baptista.— A cirurgia do Sílvio foi um sucesso, mas ele não tem vontade de viver. Se não acordar nos próximos dias, não vai mais acordar. O Dr. Bruno pediu que eu ficasse ao lado dele, esperando que ele desperte. Disse que eu sou a pessoa mais importante para ele, que sou a esperança dele. Mas eu recusei.Lúcia encarava as luzes da rua, que iam se acendendo uma a uma, lançando um brilho amarelado e melancólico. Após um breve silêncio, continuou:— Minha cabeça está uma bagunça. Não sei o que fazer. No fundo, eu não quero que ele morra, mas também não quero que ele tenha paz. Por que eu deveria? Por que, sempre que ele precisa de mim, eu tenho que estar lá, perdoá-lo, cuidar dele? E quando eu precisei dele... ele nunca esteve lá. Sempre foi o Sr. Ba