Aquelas palavras soaram tanto para Lúcia quanto para ele mesmo. Talvez fossem para ambos.O antigo Sílvio nunca teria permitido que alguém enxergasse sua carência. Ele escondia sua fome de afeto atrás de uma máscara de ódio e vingança, convencido de que sua vida tinha apenas um propósito: retribuir a dor que sofreu. Felicidade era algo que ele acreditava estar fora de seu alcance, algo que jamais combinaria com sua existência.Mas agora ele via as coisas de outra forma. Pela primeira vez, Sílvio desejava abrir sua alma, mostrar suas feridas e deixar Lúcia enxergar tudo.— Sílvio, sua infância deve ter sido muito difícil, não é? — Lúcia perguntou de repente, sua voz suave, mas cheia de empatia.Sílvio ficou em silêncio por alguns segundos, sua expressão congelada. Suas sobrancelhas bem desenhadas se franziram levemente. Difícil? Aquela palavra nem começava a descrever. Ao olhar para trás, ele percebia que nunca havia experimentado felicidade genuína em seus trinta anos de vida. A única
Sílvio costumava sonhar com o dia em que seria elogiado pelos pais. Mas esse dia nunca chegou. Ele não teve infância. Enquanto os outros meninos da sua idade brincavam no parque, tiravam fotos ou se divertiam em passeios, ele passava os dias limpando mesas, servindo pratos e recolhendo louça. Suas mãos, que deveriam ser macias e delicadas como as de qualquer criança, cedo ganharam calos finos, cicatrizes de um trabalho que nunca combinou com sua pouca idade.Os clientes do pequeno restaurante sempre diziam que o pai de Sílvio era um homem exemplar. Mas o pai dele só era assim com os outros. Com ele, o tratamento era diferente, marcado pela disciplina rígida e uma educação severa.— O seu pai é um excelente cozinheiro! — Diziam os fregueses.Mas Sílvio nunca teve o privilégio de provar os pratos que o pai preparava. Toda vez que desejava algo, via aquilo ser vendido para um cliente. Quando criança, ele adorava queijo, mas o queijo nunca era suficiente: sempre acabava na mesa de alguém.
Lúcia olhou para o próprio ombro e, com um sorriso gentil, disse:— Você pode chorar no meu ombro, se quiser.— Não precisa. — Respondeu Sílvio, entre lágrimas e um sorriso.Mas Lúcia não aceitou a recusa. Com delicadeza, pressionou a cabeça dele contra seu ombro:— Somos marido e mulher. Não precisa ter vergonha de mim.— Lúcia, aquilo que você disse mais cedo... eu levei a sério.— O que eu disse? — Lúcia perguntou, confusa.Ele respirou fundo, tentando se recompor. Seus olhos ainda estavam vermelhos quando ele a encarou.— Que você nunca vai me deixar. Eu não estou brincando. Se você me abandonar, Lúcia, eu vou enlouquecer de verdade.— Eu nunca vou te deixar, Sílvio.— E se um dia você descobrir que fiz algo errado?— Então eu vou ouvir sua explicação. Eu sei que você sempre teve boas intenções.Sílvio não respondeu. Em vez disso, ergueu o corpo e a puxou para um abraço ainda mais apertado. Ele a segurou com tanta força que parecia querer protegê-la de todo o mal do mundo. Com aque
Sílvio segurava o cigarro entre os lábios. A fumaça escapava devagar, formando espirais no ar frio da noite. Por trás das lentes de seus óculos, seus olhos, cansados e sombrios, refletiam o peso de vinte anos de memórias.“Pai... mãe... vocês estão bem aí em cima? Já se passaram vinte anos. Como será que estão no paraíso? Eu cresci... e vinguei vocês. Mas, sabem, não estou feliz. Estou tão cansado... tão exausto. Passei esses anos todos vivendo para a vingança. Fiz de tudo para não ter pesadelos à noite, para não ouvir vocês me acusando de ser ingrato. Mas, no processo, quase perdi o que há de mais importante na minha vida. Abelardo e a esposa dele morreram. Vocês os encontraram aí em cima? Pai, mãe... quero viver como uma pessoa normal. Quero envelhecer ao lado da mulher que amo, ter um filho, formar minha própria família. Rezem por mim, por favor. Rezem pela Lúcia, para que ela viva com saúde, em paz, sem preocupações. E, se puderem, rezem por mim também. Não deixem que ela recupere
— Estava preocupada comigo? — Perguntou Sílvio, olhando para ela por cima do ombro.— Tive um pesadelo. Sonhei que você me abandonava. Quando acordei, você não estava lá. — Respondeu Lúcia, segurando com força o tecido do roupão dele, como se ele fosse desaparecer. Ela encostou o rosto em seu peito, e lágrimas começaram a descer por suas bochechas.Sílvio notou que ela estava cada vez mais dependente dele. Para Lúcia, ele era tudo. E, surpreendentemente, ele não se sentia incomodado com isso. Pelo contrário, ele gostava.Com delicadeza, enxugou suas lágrimas e a pegou no colo, carregando-a de volta para a cama. Seu rosto estava sério, como se estivesse tomando uma decisão importante. Ele sabia que precisava proteger essa felicidade a qualquer custo.— Lúcia, em alguns dias o médico virá para te dar uma injeção.— Sílvio, se eu tomar essa injeção, você vai ficar feliz? — Perguntou Lúcia, já deitada, olhando para ele com olhos brilhantes.Ela não gostava de agulhas, elas doíam. Não gosta
Basílio fechou a pasta com um movimento brusco e a jogou sobre a mesa. — Não está satisfeito? Podemos negociar de novo. — Disse Sílvio, sem rodeios. Basílio lançou-lhe um olhar frio e retrucou:— Sílvio, você acha que todo mundo só pensa em dinheiro como você? Sílvio balançou a cabeça, claramente desconfortável:— Não foi isso que eu quis dizer. Eu realmente quero ser seu amigo. Era quase trágico. Aos trinta anos, Sílvio não tinha um único amigo verdadeiro. Ele queria a amizade de Basílio porque enxergava nele um certo caráter que admirava. Muitos já haviam tentado se aproximar de Sílvio, mas ele nunca dera importância. Sempre achou que não precisava de amigos, que amizades só atrapalhavam. Mas a cirurgia de Lúcia havia mudado algo dentro dele. Basílio soltou uma risada cínica:— Amizade com seu rival? Você tá louco? Sílvio sustentou o olhar:— Eu confio no seu caráter.— Poupe seus elogios, Sílvio. Não quero ser seu amigo. Estou te ajudando só por causa da Lúcia. Isso não
Basílio curvou os lábios em um leve sorriso:— Foi o Sílvio que mandou você me dar isso? — O Sr. Sílvio e a Sra. Lúcia estão prestes a se casar. Estas são as lembrancinhas de casamento, distribuídas a todos os funcionários do Grupo Baptista. Sr. Basílio, esta é a sua. A secretária colocou a caixinha de doces na mão de Basílio e rapidamente se afastou. Basílio olhou para a pequena caixa em suas mãos, que parecia pesar uma tonelada. A garota que ele gostava estava prestes a se casar com seu cavaleiro. Era hora de ele sair de cena com dignidade.Quando as portas do elevador se abriram, Basílio deu um passo para dentro sem olhar para trás. No mesmo momento, Lúcia chegava ao escritório, bem na hora do almoço. Assim que abriu a porta, foi recebida pelo olhar fixo de Arthur, que estava sendo repreendido por Sílvio. Ele sorriu ao vê-la:— Sra. Lúcia, é incrível como você se recuperou bem, parece até que nunca passou por nada. — Quem é você? — Lúcia franziu a testa. Arthur estreit
Sílvio segurou o cigarro entre os dedos e hesitou por um instante. Ele sabia que Lúcia e Giovana tinham rompido feio no passado. As duas eram grandes amigas, mas isso fazia tempo. Agora, com Lúcia órfã e sem nenhum amigo, Sílvio ponderou que talvez a presença de Giovana pudesse trazer alguma alegria. Afinal, ela havia ajudado financeiramente a ele no passado, e sua índole não deixava a desejar. — Sim. Vocês já foram muito próximas. — Respondeu Sílvio com uma voz gentil. Essa confirmação fez com que Lúcia relaxasse visivelmente diante de Giovana, e a própria Giovana soltou um suspiro de alívio. — O que faz aqui? — Perguntou Sílvio, olhando diretamente para Giovana. — Ah, eu... Eu comecei a namorar alguém. Está indo muito bem, e talvez a gente se case. Resolvi dar uma olhada nas coisas antes. — Mentiu Giovana, tentando soar casual. Ao ouvir sobre o possível casamento, Sílvio pareceu se aliviar. Ele sabia que a havia decepcionado, não cumprindo sua promessa de se casar com ela.