Os fogos de artifício duraram meia hora inteira e finalmente terminaram. No céu, algumas estrelas piscavam, brilhando de forma intermitente.Sílvio lembrou-se do que sua mãe lhe dissera uma vez: “quando as pessoas morrem, elas se transformam em estrelas no céu.”— Pai, mãe, feliz ano novo. Vocês estão bem aí no paraíso? — Murmurou Sílvio, olhando para o céu estrelado. — Nosso inimigo Abelardo morreu hoje. Vocês devem estar contentes, né? Mas eu não estou nada feliz. Na verdade, estou com medo de que minha família se desfaça....Dentro da Mansão Baptista.Lúcia estava cuidadosamente vestindo Abelardo com roupas novas.Eram as roupas que Sandra havia comprado antes do Natal, durante uma ida às compras. Ela pretendia dar de presente ao marido, mas, infelizmente, ele faleceu de forma repentina.Agora que o corpo do pai estava frio, seus membros haviam enrijecido, e vestir-lhe era uma tarefa difícil. Lúcia e Sandra se revezavam: uma colocava as roupas, enquanto a outra abotoava os botões.
Vendo a mãe tão exaltada, Lúcia apenas balançou a cabeça e fez um gesto com os lábios, sinalizando que não era ele.Só então Sandra se acalmou um pouco e saiu do quarto onde Abelardo estava deitado.— Leopoldo, desculpe, minha mãe estava fora de si agora há pouco. — Lúcia disse ao telefone, com a voz carregada de exaustão. Ela estava tão cansada que parecia prestes a desmoronar.Apoiando-se com os dedos na parede fria, Lúcia forçou-se a ficar de pé, lembrando-se de que não podia cair agora.Embora soubesse que seu destino final era o mesmo do pai: cair e ir para o céu, ela precisava se manter firme até organizar o funeral e garantir que sua mãe ficasse bem. Somente depois disso poderia se permitir desaparecer para sempre.A voz de Leopoldo ecoou no telefone:— Sra. Lúcia, acabei de saber da morte do Sr. Abelardo. Meus sentimentos.“Meus sentimentos.” Muitas pessoas haviam dito isso a ela naquele dia, mas como ela poderia aceitar tal consolo?Lúcia mordeu os lábios e ficou em silêncio,
Lúcia e Sandra estavam vestidas de preto, com os olhos inchados de tanto chorar.Leopoldo ordenou que os seguranças levassem o corpo de Abelardo para fora do quarto, descendo cuidadosamente a escadaria em espiral.Lúcia, com uma mão, apoiava Sandra, enquanto com a outra segurava uma foto de Abelardo. Era a foto usada para o funeral, em preto e branco. Ele sorria para ela e para a mãe, mas o sorriso, naquela situação, parecia cruelmente doloroso.Leopoldo havia trazido uma longa fila de carros para escoltar Lúcia até o crematório.Lúcia e Sandra seguiram o carro principal.De longe, Sílvio, sozinho em seu carro, observava tudo. Ele a seguia como um perseguidor solitário, acompanhando cada passo de Lúcia.Ao chegarem ao crematório, foram recebidas por uma atmosfera sufocante e sombria, impregnada de uma sensação de dor e perda.Depois da cerimônia de despedida, Lúcia viu quando o corpo de Abelardo foi empurrado para dentro do forno crematório.— Quero entrar e ver. — Disse Lúcia.O funci
Lúcia não entendia muito bem como Sílvio havia aparecido ali.Será que ele veio prestar as últimas homenagens ao pai dela?Impossível! Foi ele quem causou a morte do seu pai. Eles eram inimigos, então por que Sílvio estaria ali com boas intenções?A verdade é que ele devia ter vindo apenas para debochar, para assistir à tragédia de camarote.Lúcia apertou o peso da urna em seus braços. Hoje era o dia do enterro do pai, e ela não queria causar problemas com Sílvio.Ela só queria que o momento fosse calmo, uma despedida digna e silenciosa, sem desentendimentos que pudessem perturbar a alma de seu pai.Com esse pensamento, Lúcia desviou o olhar e, segurando firmemente a urna pesada, começou a caminhar na direção de Sílvio.Sílvio sentiu o coração disparar no peito.Mas Lúcia passou por ele leve como o vento, como se ele não estivesse ali, como se fosse invisível.Na noite anterior, Sílvio havia passado horas no carro, fumando compulsivamente, observando a neve que caía pesada lá fora.Ela
O braço de Sílvio foi bruscamente solto, e a mão que pendia ao lado do corpo foi imediatamente cerrada em um punho.Essa sogra, sempre metendo lenha na fogueira. Tempos atrás, vivia tentando convencer Lúcia a se divorciar dele, e agora estava provocando mais confusão.Sílvio não queria deixar a situação acabar assim. Com o poder e a posição que ele tinha agora, quem realmente poderia fazer algo contra ele?Mas, quando olhou para Lúcia, ela estava tão magra e abatida que mal parecia a mesma pessoa.Além disso, ela ainda carregava seu filho no ventre.Então, Sílvio engoliu a raiva, reprimindo o impulso de confrontar Sandra.Leopoldo, ao perceber que elas haviam entendido mal as intenções de seu chefe, não conseguiu se conter:— Sra. Lúcia, Sra. Sandra, na verdade o Presidente Sílvio...Leopoldo queria explicar que Sílvio sempre esteve preocupado com elas, e que ele havia mandado ajuda para organizar tudo.Mas antes que pudesse terminar a frase, Sílvio o cortou com um olhar frio:— Certif
Meia hora depois, chegaram à cidade natal do pai.Era um vilarejo remoto e defasado, com ruas tortuosas e estreitas. As árvores de pinho, como grandes guarda-chuvas, se curvavam em direção ao caminho.Aquela estrada havia sido reformada com o dinheiro do pai.Lúcia tinha vindo aqui uma vez quando era pequena, acompanhando o pai para visitar os avós no cemitério.A neve na montanha caía em abundância, cobrindo tudo com um manto branco que ofuscava a vista. Os flocos gelados pousavam no rosto magro de Lúcia e nos ombros de sua roupa preta.Ela segurava a urna funerária com força; o peso parecia insuportável. Era difícil imaginar que um homem que pesava mais de cem quilos agora estava confinado em uma caixa quadrada e selada.Sandra caminhava ao lado de Lúcia, segurando uma foto do marido.Embora já fosse início da primavera, não havia nada de calor no ar. O vento parecia mais cortante, penetrando até os ossos.Sílvio observava a cena de longe, sentindo uma mistura de emoções ao ver a fig
Para se casar com Sílvio, Lúcia discutiu com a mãe, fez jejum e até se afastou de casa.Mas bastou que ela pulasse uma refeição para que o pai, preocupado, não conseguisse mais aguentar a dor. Lúcia pediu que ele ajudasse a convencer a mãe. Abelardo concordou na hora e cumpriu a promessa, até conseguiu trazer Sílvio para o Grupo Baptista.Naquela época, o pai lhe disse: “Eu ajudo Sílvio porque um dia eu e sua mãe vamos deixar este mundo e você vai precisar de alguém para cuidar de você, para te proteger. Por mais forte que você seja, no fundo ainda é uma menina. Espero que Sílvio realmente cuide de você para sempre. Desejo que você não tenha se enganado quanto a ele.”Triste era que ela se enganou. O lobo que ela mesma criou a traiu, levando seu pai a essa situação e tirando-lhe a vida.Lúcia lembrava do passado, o coração doendo a ponto de dificultar a respiração, mas não conseguia chorar; as lágrimas pareciam ter secado.— Pai, eu não consigo me despedir de você. — Sussurrou Lúcia.N
Sílvio, sendo o verdadeiro controlador do Grupo Baptista, um homem de grande influência, sentiu o sangue ferver ao ser publicamente insultado e empurrado por Sandra na frente de tantos funcionários. Aquilo era uma humilhação que ele não podia tolerar.Seu rosto se fechou, assumindo uma expressão fria, quase gélida, enquanto ele arrancava a mão de Sandra de sua gola com um movimento brusco:— Dona Sandra, eu ainda sou casado com sua filha. Meu sogro faleceu, e eu tenho todo o direito de prestar minhas condolências. Você tem certeza de que quer causar uma cena justamente no dia do enterro do seu marido?— Cena? Quem está causando uma cena aqui é você, não eu! — Sandra tremia de raiva. Para ela, era Sílvio o responsável por tudo o que havia acontecido com a família Baptista, inclusive pela morte do seu marido.O conflito entre os dois deixava Lúcia com os nervos à flor da pele.Ela lançou um olhar furioso para Sílvio. Já não tinha deixado claro que não queria vê-lo ali? Que ele desaparece