Vendo a mãe tão exaltada, Lúcia apenas balançou a cabeça e fez um gesto com os lábios, sinalizando que não era ele.Só então Sandra se acalmou um pouco e saiu do quarto onde Abelardo estava deitado.— Leopoldo, desculpe, minha mãe estava fora de si agora há pouco. — Lúcia disse ao telefone, com a voz carregada de exaustão. Ela estava tão cansada que parecia prestes a desmoronar.Apoiando-se com os dedos na parede fria, Lúcia forçou-se a ficar de pé, lembrando-se de que não podia cair agora.Embora soubesse que seu destino final era o mesmo do pai: cair e ir para o céu, ela precisava se manter firme até organizar o funeral e garantir que sua mãe ficasse bem. Somente depois disso poderia se permitir desaparecer para sempre.A voz de Leopoldo ecoou no telefone:— Sra. Lúcia, acabei de saber da morte do Sr. Abelardo. Meus sentimentos.“Meus sentimentos.” Muitas pessoas haviam dito isso a ela naquele dia, mas como ela poderia aceitar tal consolo?Lúcia mordeu os lábios e ficou em silêncio,
Lúcia e Sandra estavam vestidas de preto, com os olhos inchados de tanto chorar.Leopoldo ordenou que os seguranças levassem o corpo de Abelardo para fora do quarto, descendo cuidadosamente a escadaria em espiral.Lúcia, com uma mão, apoiava Sandra, enquanto com a outra segurava uma foto de Abelardo. Era a foto usada para o funeral, em preto e branco. Ele sorria para ela e para a mãe, mas o sorriso, naquela situação, parecia cruelmente doloroso.Leopoldo havia trazido uma longa fila de carros para escoltar Lúcia até o crematório.Lúcia e Sandra seguiram o carro principal.De longe, Sílvio, sozinho em seu carro, observava tudo. Ele a seguia como um perseguidor solitário, acompanhando cada passo de Lúcia.Ao chegarem ao crematório, foram recebidas por uma atmosfera sufocante e sombria, impregnada de uma sensação de dor e perda.Depois da cerimônia de despedida, Lúcia viu quando o corpo de Abelardo foi empurrado para dentro do forno crematório.— Quero entrar e ver. — Disse Lúcia.O funci
Lúcia não entendia muito bem como Sílvio havia aparecido ali.Será que ele veio prestar as últimas homenagens ao pai dela?Impossível! Foi ele quem causou a morte do seu pai. Eles eram inimigos, então por que Sílvio estaria ali com boas intenções?A verdade é que ele devia ter vindo apenas para debochar, para assistir à tragédia de camarote.Lúcia apertou o peso da urna em seus braços. Hoje era o dia do enterro do pai, e ela não queria causar problemas com Sílvio.Ela só queria que o momento fosse calmo, uma despedida digna e silenciosa, sem desentendimentos que pudessem perturbar a alma de seu pai.Com esse pensamento, Lúcia desviou o olhar e, segurando firmemente a urna pesada, começou a caminhar na direção de Sílvio.Sílvio sentiu o coração disparar no peito.Mas Lúcia passou por ele leve como o vento, como se ele não estivesse ali, como se fosse invisível.Na noite anterior, Sílvio havia passado horas no carro, fumando compulsivamente, observando a neve que caía pesada lá fora.Ela
O braço de Sílvio foi bruscamente solto, e a mão que pendia ao lado do corpo foi imediatamente cerrada em um punho.Essa sogra, sempre metendo lenha na fogueira. Tempos atrás, vivia tentando convencer Lúcia a se divorciar dele, e agora estava provocando mais confusão.Sílvio não queria deixar a situação acabar assim. Com o poder e a posição que ele tinha agora, quem realmente poderia fazer algo contra ele?Mas, quando olhou para Lúcia, ela estava tão magra e abatida que mal parecia a mesma pessoa.Além disso, ela ainda carregava seu filho no ventre.Então, Sílvio engoliu a raiva, reprimindo o impulso de confrontar Sandra.Leopoldo, ao perceber que elas haviam entendido mal as intenções de seu chefe, não conseguiu se conter:— Sra. Lúcia, Sra. Sandra, na verdade o Presidente Sílvio...Leopoldo queria explicar que Sílvio sempre esteve preocupado com elas, e que ele havia mandado ajuda para organizar tudo.Mas antes que pudesse terminar a frase, Sílvio o cortou com um olhar frio:— Certif
Meia hora depois, chegaram à cidade natal do pai.Era um vilarejo remoto e defasado, com ruas tortuosas e estreitas. As árvores de pinho, como grandes guarda-chuvas, se curvavam em direção ao caminho.Aquela estrada havia sido reformada com o dinheiro do pai.Lúcia tinha vindo aqui uma vez quando era pequena, acompanhando o pai para visitar os avós no cemitério.A neve na montanha caía em abundância, cobrindo tudo com um manto branco que ofuscava a vista. Os flocos gelados pousavam no rosto magro de Lúcia e nos ombros de sua roupa preta.Ela segurava a urna funerária com força; o peso parecia insuportável. Era difícil imaginar que um homem que pesava mais de cem quilos agora estava confinado em uma caixa quadrada e selada.Sandra caminhava ao lado de Lúcia, segurando uma foto do marido.Embora já fosse início da primavera, não havia nada de calor no ar. O vento parecia mais cortante, penetrando até os ossos.Sílvio observava a cena de longe, sentindo uma mistura de emoções ao ver a fig
Para se casar com Sílvio, Lúcia discutiu com a mãe, fez jejum e até se afastou de casa.Mas bastou que ela pulasse uma refeição para que o pai, preocupado, não conseguisse mais aguentar a dor. Lúcia pediu que ele ajudasse a convencer a mãe. Abelardo concordou na hora e cumpriu a promessa, até conseguiu trazer Sílvio para o Grupo Baptista.Naquela época, o pai lhe disse: “Eu ajudo Sílvio porque um dia eu e sua mãe vamos deixar este mundo e você vai precisar de alguém para cuidar de você, para te proteger. Por mais forte que você seja, no fundo ainda é uma menina. Espero que Sílvio realmente cuide de você para sempre. Desejo que você não tenha se enganado quanto a ele.”Triste era que ela se enganou. O lobo que ela mesma criou a traiu, levando seu pai a essa situação e tirando-lhe a vida.Lúcia lembrava do passado, o coração doendo a ponto de dificultar a respiração, mas não conseguia chorar; as lágrimas pareciam ter secado.— Pai, eu não consigo me despedir de você. — Sussurrou Lúcia.N
Sílvio, sendo o verdadeiro controlador do Grupo Baptista, um homem de grande influência, sentiu o sangue ferver ao ser publicamente insultado e empurrado por Sandra na frente de tantos funcionários. Aquilo era uma humilhação que ele não podia tolerar.Seu rosto se fechou, assumindo uma expressão fria, quase gélida, enquanto ele arrancava a mão de Sandra de sua gola com um movimento brusco:— Dona Sandra, eu ainda sou casado com sua filha. Meu sogro faleceu, e eu tenho todo o direito de prestar minhas condolências. Você tem certeza de que quer causar uma cena justamente no dia do enterro do seu marido?— Cena? Quem está causando uma cena aqui é você, não eu! — Sandra tremia de raiva. Para ela, era Sílvio o responsável por tudo o que havia acontecido com a família Baptista, inclusive pela morte do seu marido.O conflito entre os dois deixava Lúcia com os nervos à flor da pele.Ela lançou um olhar furioso para Sílvio. Já não tinha deixado claro que não queria vê-lo ali? Que ele desaparece
Diante das palavras frias de Lúcia, Sílvio conseguiu conter a raiva que fervia dentro dele. Ele colocou as flores diante do túmulo e acendeu uma vela.A chama da vela soltava uma fumaça escura, e o vento continuava a soprar forte, fazendo a fumaça ir direto aos olhos de Sílvio, que começaram a arder.Com os dedos firmemente segurando a vela, ele encarava o pequeno monte de terra à sua frente. Abelardo havia morrido assim, de forma tão abrupta, bem na sua frente. Era óbvio que o velho tinha feito aquilo de propósito, para incriminá-lo. Agora, como ele provaria sua inocência? Como ele faria Lúcia acreditar nele? Pelo que conhecia dela, Lúcia jamais aceitaria ter um filho com ele de bom grado agora. O casamento deles estava à beira do colapso.Com o período de reflexão do divórcio prestes a terminar, Sílvio sentia uma irritação crescente. Abelardo, aquele velho astuto, havia causado tanto estrago. Na juventude, ele tinha atropelado o pai de Sílvio, e depois ordenado que o motorista Paul