Meia hora depois, chegaram à cidade natal do pai.Era um vilarejo remoto e defasado, com ruas tortuosas e estreitas. As árvores de pinho, como grandes guarda-chuvas, se curvavam em direção ao caminho.Aquela estrada havia sido reformada com o dinheiro do pai.Lúcia tinha vindo aqui uma vez quando era pequena, acompanhando o pai para visitar os avós no cemitério.A neve na montanha caía em abundância, cobrindo tudo com um manto branco que ofuscava a vista. Os flocos gelados pousavam no rosto magro de Lúcia e nos ombros de sua roupa preta.Ela segurava a urna funerária com força; o peso parecia insuportável. Era difícil imaginar que um homem que pesava mais de cem quilos agora estava confinado em uma caixa quadrada e selada.Sandra caminhava ao lado de Lúcia, segurando uma foto do marido.Embora já fosse início da primavera, não havia nada de calor no ar. O vento parecia mais cortante, penetrando até os ossos.Sílvio observava a cena de longe, sentindo uma mistura de emoções ao ver a fig
Para se casar com Sílvio, Lúcia discutiu com a mãe, fez jejum e até se afastou de casa.Mas bastou que ela pulasse uma refeição para que o pai, preocupado, não conseguisse mais aguentar a dor. Lúcia pediu que ele ajudasse a convencer a mãe. Abelardo concordou na hora e cumpriu a promessa, até conseguiu trazer Sílvio para o Grupo Baptista.Naquela época, o pai lhe disse: “Eu ajudo Sílvio porque um dia eu e sua mãe vamos deixar este mundo e você vai precisar de alguém para cuidar de você, para te proteger. Por mais forte que você seja, no fundo ainda é uma menina. Espero que Sílvio realmente cuide de você para sempre. Desejo que você não tenha se enganado quanto a ele.”Triste era que ela se enganou. O lobo que ela mesma criou a traiu, levando seu pai a essa situação e tirando-lhe a vida.Lúcia lembrava do passado, o coração doendo a ponto de dificultar a respiração, mas não conseguia chorar; as lágrimas pareciam ter secado.— Pai, eu não consigo me despedir de você. — Sussurrou Lúcia.N
Sílvio, sendo o verdadeiro controlador do Grupo Baptista, um homem de grande influência, sentiu o sangue ferver ao ser publicamente insultado e empurrado por Sandra na frente de tantos funcionários. Aquilo era uma humilhação que ele não podia tolerar.Seu rosto se fechou, assumindo uma expressão fria, quase gélida, enquanto ele arrancava a mão de Sandra de sua gola com um movimento brusco:— Dona Sandra, eu ainda sou casado com sua filha. Meu sogro faleceu, e eu tenho todo o direito de prestar minhas condolências. Você tem certeza de que quer causar uma cena justamente no dia do enterro do seu marido?— Cena? Quem está causando uma cena aqui é você, não eu! — Sandra tremia de raiva. Para ela, era Sílvio o responsável por tudo o que havia acontecido com a família Baptista, inclusive pela morte do seu marido.O conflito entre os dois deixava Lúcia com os nervos à flor da pele.Ela lançou um olhar furioso para Sílvio. Já não tinha deixado claro que não queria vê-lo ali? Que ele desaparece
Diante das palavras frias de Lúcia, Sílvio conseguiu conter a raiva que fervia dentro dele. Ele colocou as flores diante do túmulo e acendeu uma vela.A chama da vela soltava uma fumaça escura, e o vento continuava a soprar forte, fazendo a fumaça ir direto aos olhos de Sílvio, que começaram a arder.Com os dedos firmemente segurando a vela, ele encarava o pequeno monte de terra à sua frente. Abelardo havia morrido assim, de forma tão abrupta, bem na sua frente. Era óbvio que o velho tinha feito aquilo de propósito, para incriminá-lo. Agora, como ele provaria sua inocência? Como ele faria Lúcia acreditar nele? Pelo que conhecia dela, Lúcia jamais aceitaria ter um filho com ele de bom grado agora. O casamento deles estava à beira do colapso.Com o período de reflexão do divórcio prestes a terminar, Sílvio sentia uma irritação crescente. Abelardo, aquele velho astuto, havia causado tanto estrago. Na juventude, ele tinha atropelado o pai de Sílvio, e depois ordenado que o motorista Paul
Lúcia notou o rosto de Sílvio se transformar visivelmente, ficando sombrio. Ela o conhecia bem, sabia que ele estava furioso.Se fosse antes, jamais teria dito algo assim. Teria se preocupado com os sentimentos dele. Mas agora...Lúcia soltou um suspiro, desviando o olhar do rosto de Sílvio. Ela precisava ser clara, temia que, se fosse muito sutil, ele não entenderia o recado.— Você já prestou suas condolências, Sílvio. Pode ir embora agora. — A voz de Lúcia era baixa, mas firme.Os punhos de Sílvio se fecharam com força, e seus músculos faciais estavam tensos. Ele se sentia um idiota por ter vindo ali, apenas para ser tratado com tanto desdém por Lúcia e Sandra.— Não precisava nem dizer, eu já ia embora. — Sílvio soltou uma risada amarga e começou a se afastar.Ao passar por Basílio, ele o olhou de lado e disse com sarcasmo:— Basílio, só para te lembrar, Lúcia ainda é uma mulher casada. Se quer flertar, pelo menos pergunte ao seu pai o que ele acha disso.Flertar? Estaria ele se re
Lúcia não sabia ao certo por que, mas diminuiu o ritmo.A respiração de Sandra ficava cada vez mais pesada, como se mãos invisíveis estivessem apertando sua garganta com força. Ela sentia o ar faltar e sua consciência começava a se embaralhar. De repente, teve uma visão de seu marido, e de si mesma, jovem, cheia de vida.Vinte e poucos anos atrás, exatamente naquele dia, ela e Abelardo andavam de mãos dadas pela neve, celebrando sua união, jurando amor eterno.Mas, após alguns instantes, a imagem mudou. A mão que segurava agora não era a de Abelardo, mas a de Lúcia.Com a voz fraca e arrastada, Sandra disse:— Lúcia, escuta bem o que eu vou te falar... Não importa o que aconteça, nunca desista da sua vida. Não faça nenhuma besteira. A vida só acontece uma vez. Se o Sílvio não te fizer feliz, você deve deixá-lo. Agora que seu pai se foi, você está livre desse fardo. E se eu também morrer, você pode finalmente viver sua vida em paz.Lúcia franziu as sobrancelhas ao ouvir aquilo:— Mãe, q
Lúcia se abaixou rapidamente, tentando levantar Sandra, mas ao tocar a mão da mãe, sentiu um frio assustador.— Mãe... Mãe... — Lúcia sussurrava, vendo as pálpebras de Sandra piscarem lentamente. Ela rapidamente verificou a respiração da mãe, que já era muito fraca.Basílio e Leopoldo correram ao mesmo tempo, mas Basílio foi mais rápido e pegou Sandra nos braços, caminhando apressado em direção ao carro.Sandra foi colocada no banco traseiro, deitada. Leopoldo assumiu o volante.Quando Basílio estava prestes a sair do carro, Sandra o olhou diretamente:— Basílio, tenho algumas palavras para você.— Basílio, venha com a gente, por favor. — Lúcia pediu, temendo que o último desejo da mãe não fosse realizado.Basílio assentiu e entrou no carro, fechando a porta enquanto Leopoldo ligava o motor, acelerando pela estrada sinuosa da montanha.— Leopoldo, por favor, vá mais rápido. Leve minha mãe ao hospital mais próximo. — Lúcia pediu, com os lábios trêmulos de preocupação.— Pode deixar, vou
Leopoldo olhou com desconfiança para Basílio, vendo-o como um rival de Sílvio. Achou que ele não tinha boas intenções e, por isso, se adiantou:— Sr. Basílio, não precisa se incomodar. — Leopoldo o empurrou levemente para o lado e, ele mesmo, carregou Sandra para fora do carro.O médico examinou rapidamente o estado de Sandra e seu semblante se tornou cada vez mais grave:— Vocês precisam levar a paciente para um hospital na cidade urgentemente. Aqui não temos os equipamentos necessários para salvá-la. Se demorarem, não terá mais o que fazer.As palavras do médico caíram como um golpe devastador.O hospital da Cidade A ficava a pelo menos meia hora de distância, mesmo dirigindo o mais rápido possível. Será que sua mãe aguentaria esse tempo?Sandra foi colocada de volta no carro, e Leopoldo acelerou como nunca, dirigindo em alta velocidade, tentando chegar ao hospital a tempo.Lúcia estava sentada de frente para a mãe, vendo o rosto de Sandra cada vez mais pálido e sentindo sua mão fica