O telefone continuava tocando, mas ninguém atendia.— Droga! — Sílvio murmurou, enquanto segurava o celular. Ele levantou os olhos e viu grandes explosões de fogos de artifício subindo no céu acima dele. Uma enorme e vibrante flor se desfez no ar, dissipando-se lentamente na escuridão da noite, até sumir por completo.Logo depois, novos fogos estouraram, repetidamente, enquanto os sons dos rojões ecoavam ao redor.O Ano Novo tinha chegado.Uma nova etapa começava, envolta em ventos gelados, neve caindo e uma chuva incessante de fogos de artifício. A mudança parecia atrasada, mas enfim se fazia presente.Os dedos pálidos de Sílvio, que seguravam o telefone, estavam dormentes pelo frio, congelados pelas flocos de neve. O sistema desligou a chamada automaticamente, já que ninguém do outro lado a atendeu.Risos de crianças chegaram até ele.Sílvio virou-se para ver, do lado da mansão vizinha, uma garotinha com tranças, vestida com um pomposo vestido de princesa, brincando com um menino, a
Os fogos de artifício duraram meia hora inteira e finalmente terminaram. No céu, algumas estrelas piscavam, brilhando de forma intermitente.Sílvio lembrou-se do que sua mãe lhe dissera uma vez: “quando as pessoas morrem, elas se transformam em estrelas no céu.”— Pai, mãe, feliz ano novo. Vocês estão bem aí no paraíso? — Murmurou Sílvio, olhando para o céu estrelado. — Nosso inimigo Abelardo morreu hoje. Vocês devem estar contentes, né? Mas eu não estou nada feliz. Na verdade, estou com medo de que minha família se desfaça....Dentro da Mansão Baptista.Lúcia estava cuidadosamente vestindo Abelardo com roupas novas.Eram as roupas que Sandra havia comprado antes do Natal, durante uma ida às compras. Ela pretendia dar de presente ao marido, mas, infelizmente, ele faleceu de forma repentina.Agora que o corpo do pai estava frio, seus membros haviam enrijecido, e vestir-lhe era uma tarefa difícil. Lúcia e Sandra se revezavam: uma colocava as roupas, enquanto a outra abotoava os botões.
Vendo a mãe tão exaltada, Lúcia apenas balançou a cabeça e fez um gesto com os lábios, sinalizando que não era ele.Só então Sandra se acalmou um pouco e saiu do quarto onde Abelardo estava deitado.— Leopoldo, desculpe, minha mãe estava fora de si agora há pouco. — Lúcia disse ao telefone, com a voz carregada de exaustão. Ela estava tão cansada que parecia prestes a desmoronar.Apoiando-se com os dedos na parede fria, Lúcia forçou-se a ficar de pé, lembrando-se de que não podia cair agora.Embora soubesse que seu destino final era o mesmo do pai: cair e ir para o céu, ela precisava se manter firme até organizar o funeral e garantir que sua mãe ficasse bem. Somente depois disso poderia se permitir desaparecer para sempre.A voz de Leopoldo ecoou no telefone:— Sra. Lúcia, acabei de saber da morte do Sr. Abelardo. Meus sentimentos.“Meus sentimentos.” Muitas pessoas haviam dito isso a ela naquele dia, mas como ela poderia aceitar tal consolo?Lúcia mordeu os lábios e ficou em silêncio,
No consultório do médico.- Sra. Lúcia, suas células cancerígenas já se espalharam para o fígado. Não há mais o que fazer. Nos dias que lhe restam, coma o que quiser, faça o que desejar, sem arrependimentos.- Quanto tempo eu ainda tenho?- Um mês, no máximo.Lúcia Baptista saiu do hospital. Sem tristeza, sem alegria, pegou o celular e ligou para seu marido, Sílvio. Pensou que, apesar de não estarem mais apaixonados, era necessário contar a ele sobre sua condição terminal.O celular tocou algumas vezes e foi desligado.Ligou novamente, mas já estava na lista de bloqueio.Tentou pelo WhatsApp, mas também estava bloqueada.O amargor em seu coração aumentou. Chegar a esse ponto no casamento era triste e lamentável.Sem desistir, foi à loja e comprou um novo chip, ligando novamente para Sílvio.Desta vez, ele atendeu rapidamente: - Alô, quem fala?- Sou eu. - Lúcia segurava o celular, mordendo os lábios, enquanto o vento cortante batia em seu rosto, como lâminas geladas.A voz do homem no
Lúcia fixava intensamente a foto, com um olhar afiado e sereno, como se quisesse perfurá-la.Ela realmente se arrependia de não ter enxergado a verdadeira natureza das pessoas ao seu redor.Sílvio era seu marido, Giovana era sua melhor amiga, e ambos, que sempre diziam que a retribuiriam, agora a traíam pelas costas, causando-lhe uma dor atroz!A amante se sentia tão no direito de exibir sua conquista na frente da esposa legítima, era uma desfaçatez sem igual!Lúcia era orgulhosa. Mesmo que a família Baptista agora estivesse nas mãos de Sílvio, ela ainda era a única herdeira legítima da família.Giovana não passava de uma aduladora que sempre a seguia, bajulando e tentando agradar.Lúcia bloqueou todas as formas de comunicação com Giovana. Porque ela sabia que Giovana, sozinha, não teria coragem de agir. E Sílvio era a mão que impulsionava as ações de Giovana.Para esperar Sílvio, ela não jantou, apenas tomou o analgésico prescrito pelo médico.O relógio na parede marcava onze horas. L
- Eu vou soltar fogos de artifício por dias e noites no seu funeral para comemorar sua morte! - Disse Sílvio.Ao ouvir isso, o coração de Lúcia, que já estava pendurado por um fio, se despedaçou completamente. Cada pedaço, ensanguentado, parecia impossível de juntar novamente.Era difícil imaginar o quão frio Sílvio poderia ser. Ele desejava sua morte com tanta indiferença, falando com um sorriso sarcástico.- Sílvio, se quer casar com a Giovana, vai ter que esperar eu morrer.O homem que ela havia moldado com suas próprias mãos havia sido seduzido por uma mulher sem escrúpulos. Ela não podia suportar essa humilhação.Se estavam destinados ao inferno, que fossem os três juntos.- Lúcia, ainda vai chegar o dia em que você vai chorar e implorar de joelhos para se divorciar de mim!O olhar penetrante de Sílvio estava frio como gelo. Sem qualquer hesitação, ele bateu a porta ao sair.Aquela noite, ela não conseguiu dormir. Não era por falta de vontade, mas porque simplesmente não conseguia
- Pode ser parcelado? - Lúcia perguntou com a voz trêmula.A funcionária do caixa, com uma expressão fria e acostumada a esse tipo de situação, respondeu: - Somos um hospital particular, não fazemos parcelamento. Ou você transfere seu pai ou providencia o dinheiro.As pessoas na fila atrás dela começaram a revirar os olhos e a reclamar:- Você vai pagar ou não? Se não, sai da frente, estamos esperando.- Exato, está ocupando o lugar à toa.- Se não tem dinheiro, por que veio ao hospital? Vai para casa esperar a morte!Lúcia levantou os olhos levemente e, com um pedido de desculpas, saiu da fila.Ela tinha poucos amigos e pedir dinheiro emprestado era fora de questão.A única pessoa que poderia ajudá-la era Sílvio.Ela ligou, mas ele não atendeu.Mandou uma mensagem: [Assunto urgente, atenda, Presidente Sílvio.]Era a primeira vez que ela o chamava de Presidente Sílvio.Primeira ligação, sem resposta. Segunda, terceira, também não.Ela continuou insistindo, sem desistir, mesmo com o co
Lúcia ouviu um zumbido nos ouvidos e sua visão ficou turva por um momento. Antes que pudesse reagir, sentiu suor frio na testa.Sandra, ainda furiosa, deu mais um tapa na filha.Lúcia quase caiu, mas uma enfermeira bondosa a segurou.Com a visão gradualmente recuperada, ela viu a mãe, furiosa, olhando para ela e gritando:- Sua ingrata! Eu te avisei para não fazer isso, mas você insistiu! Eu sempre disse que Sílvio não era bom para você, que ele tinha segundas intenções! Eu escolhi para você um bom partido, alguém do nosso nível, mas você preferiu um órfão, um segurança! E agora? Como ele te trata? Como ele nos trata? A família Baptista, que sempre foi tão respeitada, está arruinada por sua causa, tudo por sua culpa!Sandra, com o rosto vermelho de raiva, levantou a mão para bater de novo, mas foi contida pelos profissionais de saúde.Lúcia, com o rosto dolorido, tentou falar, mas não conseguiu emitir uma palavra. Tudo o que podia fazer era chorar de arrependimento.Na maca, o pai come