— O paraíso é tão bom assim, por que você não vai também? Eu acho que você estava esperando que seu pai morresse, né? Você acha que ele era um peso, e que nós somos um fardo para você! Lúcia, você é ingrata! Você me decepcionou tanto! Tudo isso é por causa do seu casamento com Sílvio! Você não consegue ser feliz e ainda trouxe sofrimento para o seu pai! Quem devia ter morrido era você, não ele!Lúcia sentiu seu peito se apertar, a dor sufocando-a.Quem devia ter morrido era ela, não o pai.Ela não ficou com raiva, achou que sua mãe estava certa.Sandra, ao ver Lúcia em silêncio, chorou ainda mais. Com o rosto molhado de lágrimas, saiu correndo da sala.Do lado de fora, os fogos de artifício continuavam a explodir no céu.Lúcia foi até o banheiro, encheu uma bacia com água quente e pegou uma toalha nova, colocando-a dentro da água.Depois de molhar a toalha, ela a torceu e, segurando o pano ainda quente, começou a limpar as mãos do pai, que já estavam frias há algum tempo.Com os olhos
O telefone continuava tocando, mas ninguém atendia.— Droga! — Sílvio murmurou, enquanto segurava o celular. Ele levantou os olhos e viu grandes explosões de fogos de artifício subindo no céu acima dele. Uma enorme e vibrante flor se desfez no ar, dissipando-se lentamente na escuridão da noite, até sumir por completo.Logo depois, novos fogos estouraram, repetidamente, enquanto os sons dos rojões ecoavam ao redor.O Ano Novo tinha chegado.Uma nova etapa começava, envolta em ventos gelados, neve caindo e uma chuva incessante de fogos de artifício. A mudança parecia atrasada, mas enfim se fazia presente.Os dedos pálidos de Sílvio, que seguravam o telefone, estavam dormentes pelo frio, congelados pelas flocos de neve. O sistema desligou a chamada automaticamente, já que ninguém do outro lado a atendeu.Risos de crianças chegaram até ele.Sílvio virou-se para ver, do lado da mansão vizinha, uma garotinha com tranças, vestida com um pomposo vestido de princesa, brincando com um menino, a
Os fogos de artifício duraram meia hora inteira e finalmente terminaram. No céu, algumas estrelas piscavam, brilhando de forma intermitente.Sílvio lembrou-se do que sua mãe lhe dissera uma vez: “quando as pessoas morrem, elas se transformam em estrelas no céu.”— Pai, mãe, feliz ano novo. Vocês estão bem aí no paraíso? — Murmurou Sílvio, olhando para o céu estrelado. — Nosso inimigo Abelardo morreu hoje. Vocês devem estar contentes, né? Mas eu não estou nada feliz. Na verdade, estou com medo de que minha família se desfaça....Dentro da Mansão Baptista.Lúcia estava cuidadosamente vestindo Abelardo com roupas novas.Eram as roupas que Sandra havia comprado antes do Natal, durante uma ida às compras. Ela pretendia dar de presente ao marido, mas, infelizmente, ele faleceu de forma repentina.Agora que o corpo do pai estava frio, seus membros haviam enrijecido, e vestir-lhe era uma tarefa difícil. Lúcia e Sandra se revezavam: uma colocava as roupas, enquanto a outra abotoava os botões.
Vendo a mãe tão exaltada, Lúcia apenas balançou a cabeça e fez um gesto com os lábios, sinalizando que não era ele.Só então Sandra se acalmou um pouco e saiu do quarto onde Abelardo estava deitado.— Leopoldo, desculpe, minha mãe estava fora de si agora há pouco. — Lúcia disse ao telefone, com a voz carregada de exaustão. Ela estava tão cansada que parecia prestes a desmoronar.Apoiando-se com os dedos na parede fria, Lúcia forçou-se a ficar de pé, lembrando-se de que não podia cair agora.Embora soubesse que seu destino final era o mesmo do pai: cair e ir para o céu, ela precisava se manter firme até organizar o funeral e garantir que sua mãe ficasse bem. Somente depois disso poderia se permitir desaparecer para sempre.A voz de Leopoldo ecoou no telefone:— Sra. Lúcia, acabei de saber da morte do Sr. Abelardo. Meus sentimentos.“Meus sentimentos.” Muitas pessoas haviam dito isso a ela naquele dia, mas como ela poderia aceitar tal consolo?Lúcia mordeu os lábios e ficou em silêncio,
Lúcia e Sandra estavam vestidas de preto, com os olhos inchados de tanto chorar.Leopoldo ordenou que os seguranças levassem o corpo de Abelardo para fora do quarto, descendo cuidadosamente a escadaria em espiral.Lúcia, com uma mão, apoiava Sandra, enquanto com a outra segurava uma foto de Abelardo. Era a foto usada para o funeral, em preto e branco. Ele sorria para ela e para a mãe, mas o sorriso, naquela situação, parecia cruelmente doloroso.Leopoldo havia trazido uma longa fila de carros para escoltar Lúcia até o crematório.Lúcia e Sandra seguiram o carro principal.De longe, Sílvio, sozinho em seu carro, observava tudo. Ele a seguia como um perseguidor solitário, acompanhando cada passo de Lúcia.Ao chegarem ao crematório, foram recebidas por uma atmosfera sufocante e sombria, impregnada de uma sensação de dor e perda.Depois da cerimônia de despedida, Lúcia viu quando o corpo de Abelardo foi empurrado para dentro do forno crematório.— Quero entrar e ver. — Disse Lúcia.O funci
Lúcia não entendia muito bem como Sílvio havia aparecido ali.Será que ele veio prestar as últimas homenagens ao pai dela?Impossível! Foi ele quem causou a morte do seu pai. Eles eram inimigos, então por que Sílvio estaria ali com boas intenções?A verdade é que ele devia ter vindo apenas para debochar, para assistir à tragédia de camarote.Lúcia apertou o peso da urna em seus braços. Hoje era o dia do enterro do pai, e ela não queria causar problemas com Sílvio.Ela só queria que o momento fosse calmo, uma despedida digna e silenciosa, sem desentendimentos que pudessem perturbar a alma de seu pai.Com esse pensamento, Lúcia desviou o olhar e, segurando firmemente a urna pesada, começou a caminhar na direção de Sílvio.Sílvio sentiu o coração disparar no peito.Mas Lúcia passou por ele leve como o vento, como se ele não estivesse ali, como se fosse invisível.Na noite anterior, Sílvio havia passado horas no carro, fumando compulsivamente, observando a neve que caía pesada lá fora.Ela
O braço de Sílvio foi bruscamente solto, e a mão que pendia ao lado do corpo foi imediatamente cerrada em um punho.Essa sogra, sempre metendo lenha na fogueira. Tempos atrás, vivia tentando convencer Lúcia a se divorciar dele, e agora estava provocando mais confusão.Sílvio não queria deixar a situação acabar assim. Com o poder e a posição que ele tinha agora, quem realmente poderia fazer algo contra ele?Mas, quando olhou para Lúcia, ela estava tão magra e abatida que mal parecia a mesma pessoa.Além disso, ela ainda carregava seu filho no ventre.Então, Sílvio engoliu a raiva, reprimindo o impulso de confrontar Sandra.Leopoldo, ao perceber que elas haviam entendido mal as intenções de seu chefe, não conseguiu se conter:— Sra. Lúcia, Sra. Sandra, na verdade o Presidente Sílvio...Leopoldo queria explicar que Sílvio sempre esteve preocupado com elas, e que ele havia mandado ajuda para organizar tudo.Mas antes que pudesse terminar a frase, Sílvio o cortou com um olhar frio:— Certif
Meia hora depois, chegaram à cidade natal do pai.Era um vilarejo remoto e defasado, com ruas tortuosas e estreitas. As árvores de pinho, como grandes guarda-chuvas, se curvavam em direção ao caminho.Aquela estrada havia sido reformada com o dinheiro do pai.Lúcia tinha vindo aqui uma vez quando era pequena, acompanhando o pai para visitar os avós no cemitério.A neve na montanha caía em abundância, cobrindo tudo com um manto branco que ofuscava a vista. Os flocos gelados pousavam no rosto magro de Lúcia e nos ombros de sua roupa preta.Ela segurava a urna funerária com força; o peso parecia insuportável. Era difícil imaginar que um homem que pesava mais de cem quilos agora estava confinado em uma caixa quadrada e selada.Sandra caminhava ao lado de Lúcia, segurando uma foto do marido.Embora já fosse início da primavera, não havia nada de calor no ar. O vento parecia mais cortante, penetrando até os ossos.Sílvio observava a cena de longe, sentindo uma mistura de emoções ao ver a fig