Naquele momento, Sílvio estava no Grupo Baptista, imerso no trabalho. Sobre a mesa, havia vários dossiês abertos, aguardando sua revisão e assinatura.Sílvio, de óculos com armação dourada apoiados no nariz, vestia uma camisa branca, colete preto e uma gravata totalmente preta. Ele estava recostado de forma preguiçosa na cadeira de couro de seu escritório, na presidência da empresa.Era véspera de Natal, um dia tradicionalmente reservado para a família, para o aconchego do lar.No Natal do ano passado, ele estava na Mansão Baptista, celebrando com Lúcia e sua família, desfrutando do clima festivo.Quem diria que este ano o Natal seria tão solitário e desolador?Depois de ser expulso do hospital por Lúcia, ele havia voltado diretamente para o Grupo Baptista para trabalhar.Enquanto outros, quando de mau humor, buscavam diversão com bebidas, jogos, festas ou até mulheres, Sílvio era diferente. Quando as coisas iam mal, ele se enterrava no trabalho. O ritmo intenso e a carga de tarefas er
Será que Abelardo estava criando toda aquela cena de propósito, querendo entregar sua própria vida em troca do perdão de Sílvio para Lúcia e sua mãe?Parecia que aquele velho realmente amava Lúcia de verdade.Mas como Abelardo sabia que ele, Sílvio, não tinha planos de abandonar o desejo de vingança?Sílvio pegou a caixa de cigarros, tirou um e o colocou na boca. Com um estalo, o isqueiro acendeu, e uma chama amarela e azul engoliu a ponta do cigarro, que começou a brilhar suavemente em tons de laranja.Ele inalou profundamente, o gosto amargo da fumaça encheu seus pulmões, e logo soltou a fumaça lentamente pelas narinas e pela boca.Ele pensou em tudo o que Lúcia havia feito por Abelardo. Lembrou-se dela ajoelhada, em pleno inverno, na neve, em frente ao Grupo Baptista.Lembrou-se de como, para conseguir que ele pagasse as despesas médicas de Abelardo, ela havia assinado um contrato humilhante, aceitando trabalhar como faxineira na empresa, sendo humilhada, ajoelhando-se, batendo a ca
A maca foi retirada da ambulância pelos paramédicos, e o corpo de Abelardo estava coberto por um lençol branco.Lúcia pediu que levassem seu pai para o antigo quarto onde ele costumava ficar. Depois, agradeceu repetidamente aos paramédicos, entregando a cada um deles um presente de Natal em agradecimento pelo esforço de trazê-los de volta para casa, mesmo em plena véspera de Natal.Os paramédicos ficaram profundamente comovidos, aceitaram os presentes, e o motorista, antes de ir embora, disse a ela:— Srta. Lúcia, muito obrigado. Você é uma pessoa boa, e pessoas boas sempre são recompensadas.Lúcia deu um sorriso amargo e acompanhou os paramédicos até a saída, observando a ambulância se afastar da mansão.Ela era uma pessoa boa? Será que pessoas boas realmente são recompensadas?Lúcia costumava acreditar firmemente nisso.Mas seu pai ajudou tantas pessoas, apoiou inúmeros estudantes pobres, construiu escolas, hospitais, doou grandes somas de dinheiro para a caridade todos os anos.Pelo
— O paraíso é tão bom assim, por que você não vai também? Eu acho que você estava esperando que seu pai morresse, né? Você acha que ele era um peso, e que nós somos um fardo para você! Lúcia, você é ingrata! Você me decepcionou tanto! Tudo isso é por causa do seu casamento com Sílvio! Você não consegue ser feliz e ainda trouxe sofrimento para o seu pai! Quem devia ter morrido era você, não ele!Lúcia sentiu seu peito se apertar, a dor sufocando-a.Quem devia ter morrido era ela, não o pai.Ela não ficou com raiva, achou que sua mãe estava certa.Sandra, ao ver Lúcia em silêncio, chorou ainda mais. Com o rosto molhado de lágrimas, saiu correndo da sala.Do lado de fora, os fogos de artifício continuavam a explodir no céu.Lúcia foi até o banheiro, encheu uma bacia com água quente e pegou uma toalha nova, colocando-a dentro da água.Depois de molhar a toalha, ela a torceu e, segurando o pano ainda quente, começou a limpar as mãos do pai, que já estavam frias há algum tempo.Com os olhos
O telefone continuava tocando, mas ninguém atendia.— Droga! — Sílvio murmurou, enquanto segurava o celular. Ele levantou os olhos e viu grandes explosões de fogos de artifício subindo no céu acima dele. Uma enorme e vibrante flor se desfez no ar, dissipando-se lentamente na escuridão da noite, até sumir por completo.Logo depois, novos fogos estouraram, repetidamente, enquanto os sons dos rojões ecoavam ao redor.O Ano Novo tinha chegado.Uma nova etapa começava, envolta em ventos gelados, neve caindo e uma chuva incessante de fogos de artifício. A mudança parecia atrasada, mas enfim se fazia presente.Os dedos pálidos de Sílvio, que seguravam o telefone, estavam dormentes pelo frio, congelados pelas flocos de neve. O sistema desligou a chamada automaticamente, já que ninguém do outro lado a atendeu.Risos de crianças chegaram até ele.Sílvio virou-se para ver, do lado da mansão vizinha, uma garotinha com tranças, vestida com um pomposo vestido de princesa, brincando com um menino, a
Os fogos de artifício duraram meia hora inteira e finalmente terminaram. No céu, algumas estrelas piscavam, brilhando de forma intermitente.Sílvio lembrou-se do que sua mãe lhe dissera uma vez: “quando as pessoas morrem, elas se transformam em estrelas no céu.”— Pai, mãe, feliz ano novo. Vocês estão bem aí no paraíso? — Murmurou Sílvio, olhando para o céu estrelado. — Nosso inimigo Abelardo morreu hoje. Vocês devem estar contentes, né? Mas eu não estou nada feliz. Na verdade, estou com medo de que minha família se desfaça....Dentro da Mansão Baptista.Lúcia estava cuidadosamente vestindo Abelardo com roupas novas.Eram as roupas que Sandra havia comprado antes do Natal, durante uma ida às compras. Ela pretendia dar de presente ao marido, mas, infelizmente, ele faleceu de forma repentina.Agora que o corpo do pai estava frio, seus membros haviam enrijecido, e vestir-lhe era uma tarefa difícil. Lúcia e Sandra se revezavam: uma colocava as roupas, enquanto a outra abotoava os botões.
Vendo a mãe tão exaltada, Lúcia apenas balançou a cabeça e fez um gesto com os lábios, sinalizando que não era ele.Só então Sandra se acalmou um pouco e saiu do quarto onde Abelardo estava deitado.— Leopoldo, desculpe, minha mãe estava fora de si agora há pouco. — Lúcia disse ao telefone, com a voz carregada de exaustão. Ela estava tão cansada que parecia prestes a desmoronar.Apoiando-se com os dedos na parede fria, Lúcia forçou-se a ficar de pé, lembrando-se de que não podia cair agora.Embora soubesse que seu destino final era o mesmo do pai: cair e ir para o céu, ela precisava se manter firme até organizar o funeral e garantir que sua mãe ficasse bem. Somente depois disso poderia se permitir desaparecer para sempre.A voz de Leopoldo ecoou no telefone:— Sra. Lúcia, acabei de saber da morte do Sr. Abelardo. Meus sentimentos.“Meus sentimentos.” Muitas pessoas haviam dito isso a ela naquele dia, mas como ela poderia aceitar tal consolo?Lúcia mordeu os lábios e ficou em silêncio,
Lúcia e Sandra estavam vestidas de preto, com os olhos inchados de tanto chorar.Leopoldo ordenou que os seguranças levassem o corpo de Abelardo para fora do quarto, descendo cuidadosamente a escadaria em espiral.Lúcia, com uma mão, apoiava Sandra, enquanto com a outra segurava uma foto de Abelardo. Era a foto usada para o funeral, em preto e branco. Ele sorria para ela e para a mãe, mas o sorriso, naquela situação, parecia cruelmente doloroso.Leopoldo havia trazido uma longa fila de carros para escoltar Lúcia até o crematório.Lúcia e Sandra seguiram o carro principal.De longe, Sílvio, sozinho em seu carro, observava tudo. Ele a seguia como um perseguidor solitário, acompanhando cada passo de Lúcia.Ao chegarem ao crematório, foram recebidas por uma atmosfera sufocante e sombria, impregnada de uma sensação de dor e perda.Depois da cerimônia de despedida, Lúcia viu quando o corpo de Abelardo foi empurrado para dentro do forno crematório.— Quero entrar e ver. — Disse Lúcia.O funci