Abelardo sabia que não havia mais esperança. A queda do alto daquela varanda... Ninguém poderia salvá-lo. Ele estava ciente de que seu fim havia chegado.Seu olhar, finalmente, pousou em Sílvio, que estava parado atrás de Lúcia, vestindo um terno escuro, impecável, como sempre.Com dificuldade, Abelardo esticou o braço e apontou para Sílvio, indicando que ele se aproximasse. Queria falar com ele.Sílvio, vendo o homem que tanto odiava naquela condição, sentiu uma mistura de emoções que ele não conseguia descrever.Deveria sentir satisfação? Não sentia. Deveria estar decepcionado? Também não.Era um turbilhão de sentimentos complexos, uma angústia silenciosa que crescia dentro dele.Mesmo com seu jeito frio e distante, Sílvio não ignorou o gesto de Abelardo. Com passos firmes e calculados, ele se aproximou e se agachou ao lado do homem moribundo.Abelardo, com a mão ensanguentada, tocou a mão de Sílvio e deu alguns tapinhas fracos. Seu olhar, fixo em Sílvio, estava carregado de súplicas
— Rápido, coloquem ele na ambulância, ele está à beira da morte. — Disse Sílvio, lançando um olhar frio para o Dr. Arthur que estava logo atrás.Dr. Arthur e a equipe médica correram para socorrer Abelardo. Colocaram uma máscara de oxigênio nele, e uma das enfermeiras inseriu uma longa agulha na mão coberta de sangue de Abelardo.Logo, ele foi conectado ao soro, enquanto várias enfermeiras, num frenesi, o colocavam na ambulância.Lúcia e Sandra também subiram no veículo.A ambulância saiu apressada, deixando Sílvio para trás, como se ele tivesse sido esquecido. Ele ficou ali, sozinho, sendo açoitado pelo vento frio.Em seguida, Sílvio entrou no carro e seguiu a ambulância.Lá dentro, Abelardo, graças ao oxigênio, começou lentamente a abrir os olhos.— Pai, pai, estamos indo para o hospital. Aguenta firme! — Disse Lúcia, com os lábios trêmulos, tentando conter as lágrimas que se acumulavam nos olhos.Abelardo olhou para Lúcia, e então deu um leve tapinha na mão da filha. Em seguida, vir
Sílvio olhou diretamente para ela, com os punhos cerrados ao lado do corpo:— Você também não acredita em mim?Acreditar nele? Lúcia piscou os olhos secos. Aquela era uma pergunta muito profunda, difícil de responder.Ela não queria gastar energia pensando nisso agora.— Não importa se eu acredito ou não. O que importa é que acho que, quando meu pai sair da cirurgia, ele não vai querer te ver. — A voz de Lúcia era baixa, leve e cansada.Ela suspirou, e em tom de súplica, disse:— Hoje é Natal, por favor, vá embora. Eu só tenho meu pai e minha mãe agora. Meu pai está na mesa de cirurgia, entre a vida e a morte, e eu não quero que minha mãe desmaie de raiva por sua causa.Os olhos de Sílvio se estreitaram. Ele não esperava ouvir palavras tão frias de Lúcia.Seu coração, já machucado, despencou de vez. Ele sentiu como se seu coração tivesse sido partido em mil pedaços.Se palavras pudessem matar, Lúcia estava o matando naquele momento.Ele devia estar louco por ter vindo até ali.Sílvio t
O Dr. Arthur parecia hesitante, com uma expressão de pesar no rosto. Ele olhou para Lúcia como se quisesse dizer algo, mas não soubesse por onde começar.— Por que você está me olhando assim? Fala logo, a cirurgia do meu pai foi bem-sucedida ou não? — Lúcia já pressentia que algo estava errado, seu rosto mostrava crescente ansiedade, e seu tom tornou-se mais incisivo enquanto encarava o Dr. Arthur.O médico tentou prepará-la:— Sra. Lúcia, você precisa se preparar emocionalmente. Mantenha-se firme.Ela respirou fundo, sentindo o coração acelerar e o nervosismo tomar conta.— Certo, estou pronta.— O Sr. Abelardo...— O que aconteceu com ele? — Lúcia o interrompeu, já sem paciência.— O Sr. Abelardo não resistiu. Ele faleceu na mesa de cirurgia.Aquelas palavras caíram sobre Lúcia como um raio, deixando-a completamente atordoada. O mundo ao seu redor parecia girar. Ela estendeu a mão, buscando apoio contra a parede fria do corredor.— Meu pai... Morreu... — Murmurou, quase sem voz.O Dr
O corpo do pai estava tão frio! Será que o papai realmente tinha morrido?Lúcia sentia uma angústia profunda, mas as lágrimas não vinham.Quando a dor atingia o limite, a pessoa não gritava, não chorava de forma descontrolada. Apenas permanecia calma, quase anestesiada. O sofrimento extremo trazia uma estranha serenidade, como se o coração já estivesse morto e restasse apenas um vazio, oco, onde antes havia vida.— Sra. Lúcia, meus sentimentos. — Disse o Dr. Arthur, preocupado ao ver o estado dela.Lúcia murmurou:— Estou bem.Ela já tinha passado por tanta coisa. Sobreviveria a isso também. Seu coração, embora machucado, era forte.De repente, o som insistente de um celular ecoou, quebrando o silêncio sepulcral.Lúcia não se mexeu. O celular continuava tocando.O Dr. Arthur a lembrou:— Seu celular está tocando.Como se despertasse de um sonho, Lúcia finalmente tirou o celular do bolso do casaco. Seus olhos estavam vazios, sem sequer olhar para o identificador de chamadas. Ela deslizo
Naquele momento, Sílvio estava no Grupo Baptista, imerso no trabalho. Sobre a mesa, havia vários dossiês abertos, aguardando sua revisão e assinatura.Sílvio, de óculos com armação dourada apoiados no nariz, vestia uma camisa branca, colete preto e uma gravata totalmente preta. Ele estava recostado de forma preguiçosa na cadeira de couro de seu escritório, na presidência da empresa.Era véspera de Natal, um dia tradicionalmente reservado para a família, para o aconchego do lar.No Natal do ano passado, ele estava na Mansão Baptista, celebrando com Lúcia e sua família, desfrutando do clima festivo.Quem diria que este ano o Natal seria tão solitário e desolador?Depois de ser expulso do hospital por Lúcia, ele havia voltado diretamente para o Grupo Baptista para trabalhar.Enquanto outros, quando de mau humor, buscavam diversão com bebidas, jogos, festas ou até mulheres, Sílvio era diferente. Quando as coisas iam mal, ele se enterrava no trabalho. O ritmo intenso e a carga de tarefas er
Será que Abelardo estava criando toda aquela cena de propósito, querendo entregar sua própria vida em troca do perdão de Sílvio para Lúcia e sua mãe?Parecia que aquele velho realmente amava Lúcia de verdade.Mas como Abelardo sabia que ele, Sílvio, não tinha planos de abandonar o desejo de vingança?Sílvio pegou a caixa de cigarros, tirou um e o colocou na boca. Com um estalo, o isqueiro acendeu, e uma chama amarela e azul engoliu a ponta do cigarro, que começou a brilhar suavemente em tons de laranja.Ele inalou profundamente, o gosto amargo da fumaça encheu seus pulmões, e logo soltou a fumaça lentamente pelas narinas e pela boca.Ele pensou em tudo o que Lúcia havia feito por Abelardo. Lembrou-se dela ajoelhada, em pleno inverno, na neve, em frente ao Grupo Baptista.Lembrou-se de como, para conseguir que ele pagasse as despesas médicas de Abelardo, ela havia assinado um contrato humilhante, aceitando trabalhar como faxineira na empresa, sendo humilhada, ajoelhando-se, batendo a ca
A maca foi retirada da ambulância pelos paramédicos, e o corpo de Abelardo estava coberto por um lençol branco.Lúcia pediu que levassem seu pai para o antigo quarto onde ele costumava ficar. Depois, agradeceu repetidamente aos paramédicos, entregando a cada um deles um presente de Natal em agradecimento pelo esforço de trazê-los de volta para casa, mesmo em plena véspera de Natal.Os paramédicos ficaram profundamente comovidos, aceitaram os presentes, e o motorista, antes de ir embora, disse a ela:— Srta. Lúcia, muito obrigado. Você é uma pessoa boa, e pessoas boas sempre são recompensadas.Lúcia deu um sorriso amargo e acompanhou os paramédicos até a saída, observando a ambulância se afastar da mansão.Ela era uma pessoa boa? Será que pessoas boas realmente são recompensadas?Lúcia costumava acreditar firmemente nisso.Mas seu pai ajudou tantas pessoas, apoiou inúmeros estudantes pobres, construiu escolas, hospitais, doou grandes somas de dinheiro para a caridade todos os anos.Pelo