A mão e o braço de Sílvio ainda latejavam de dor por causa da bengalada que Abelardo lhe dera.Abelardo tinha tentado se matar na frente dele! Ele quase caiu junto ao tentar segurar o sogro.E ele não tinha o direito de se sentir injustiçado? Não tinha o direito de se sentir mal?Lúcia nem sequer perguntou o que havia acontecido. A primeira coisa que fez foi lhe dar um tapa na cara.Então era assim que se sentia ser mal compreendido? Era uma dor sufocante, uma angústia que o consumia por dentro.Sílvio sabia que precisava manter a calma. Lúcia já havia perdido a cabeça, e se ele não se controlasse, a situação só pioraria.— Lúcia, vou repetir... — Sílvio tentou, contendo sua raiva, mais uma vez conversar com Lúcia.Outro tapa acertou o rosto de Sílvio, dessa vez na outra face.— Cala a boca! O que mais você tem a dizer? — Lúcia gritou, chorando descontrolada. — Eu nunca deveria ter te convidado para jantar hoje! Tudo isso é culpa sua! Foi você que destruiu meu pai desse jeito!Ela come
Sílvio ficou momentaneamente atordoado ao ouvir aquilo.Então era verdade. Depois que ele salvou a família de Lúcia e foi ao hospital, Leopoldo não havia mentido. Lúcia realmente tinha ido ao hospital levar comida para ele.Ele só não entendia por que nunca recebeu a comida, nem a viu pessoalmente.Mas, independentemente do motivo, o simples fato de saber que Lúcia havia ido já era o suficiente. Isso provava que ela ainda se importava com ele! Ela não era tão fria e indiferente quanto parecia.O tapa que Lúcia lhe deu momentos atrás agora parecia insignificante. Nem mesmo o golpe de bengala de Abelardo, que tentara incriminá-lo, o incomodava mais. Sílvio de repente se sentiu estranhamente aliviado. Finalmente havia uma coisa para se alegrar.Mas então, mais um tapa de Sandra veio em direção ao rosto de Lúcia.Sílvio achava que Lúcia era realmente ingênua. Como ela podia ficar parada ali, sem se defender, sabendo que a mãe estava prestes a bater nela?Quando o tapa estava prestes a acer
Sílvio ficou perplexo por um instante.— Lúcia, você não sabe mais diferenciar o certo do errado? Pra quem você acha que eu tô falando? — Ele sentiu o coração, que antes ardia por ela, esfriar completamente.Ele tinha tomado as dores dela, defendido Lúcia. E qual foi a resposta? Ela o empurrou.Eles eram marido e mulher. Como assim ele não tinha o direito de defendê-la?Se ele não tinha, quem tinha? Basílio?O olhar de Sílvio para Lúcia foi se tornando cada vez mais gelado, como se ele estivesse de repente no meio de um deserto de gelo, sentindo um frio que o atravessava até os ossos.— Lúcia, você me decepcionou. Se eu soubesse, não teria vindo passar o Natal com você. — Sílvio disse com os olhos vermelhos, parecendo profundamente magoado.O que deveria ser um Natal em família tinha se transformado em um caos.Ele não tinha outro lugar para passar o Natal? Tinha que se meter nesse turbilhão? Ele tinha se preparado tanto para este dia, e agora via que não valia a pena.Leopoldo tinha s
Lúcia finalmente voltou a si. Foi então que percebeu a cena à sua frente: seu pai, à beira da morte, estirado no chão. Desesperada, ela se virou e correu na direção dele.Sandra estava sentada no chão, segurando o marido nos braços. Os olhos de Abelardo estavam arregalados, mas a luz dentro deles já se apagava, como uma lua que estava prestes a desaparecer. O olhar, antes firme, agora parecia perdido, incapaz de se focar em qualquer coisa.O vento frio passou, levantando a ponta do casaco de Abelardo, que, ao balançar, parecia uma águia velha e ferida, com as asas quebradas, sendo levada pelo vento em um triste fim.Abelardo tossia, e seus ombros estremeciam de maneira involuntária. Seu corpo tremia sem parar, enquanto o sangue jorrava de suas narinas, lábios e até dos olhos. O sangue, brilhante e intenso, escorria sem controle.A parte de trás da cabeça de Abelardo estava completamente encharcada de vermelho, o sangue tingindo seus cabelos grisalhos.— Abelardo, Abelardo, o que eu f
Naquele dia, Lúcia ainda mantinha as costas eretas, firmes.Diferente da Lúcia de agora, que rastejava no chão, apoiada nas mãos, como um animal ferido, desamparada e desesperada, até chegar aos pés de Sílvio.— Sílvio, Sílvio. Eu não te culpo mais, foi tudo minha culpa, minha culpa. Por favor, chama um médico, Sílvio, chama um médico. — A voz de Lúcia não passava de um sussurro trêmulo, enquanto as lágrimas escorriam por seu rosto.Ela passou as mãos pelo rosto num gesto automático, espalhando o sangue que manchava seus dedos pelas bochechas, criando uma imagem ao mesmo tempo trágica e bela, marcada pelo desespero.— Lúcia, quem te mandou ajoelhar? — Sílvio estava furioso. Como ela pôde se rebaixar assim?Ele não conseguia aceitar que, aquela que sempre foi tão orgulhosa, agora estivesse completamente sem dignidade. Ele desprezava ver Lúcia desse jeito.— Levanta! Lúcia, eu mandei você levantar! — Sílvio gritou, tomado por uma raiva que ele mesmo não entendia, e agarrou o braço de Lúc
Lágrimas de dor, impotência e desespero começaram a rolar furiosamente pelos olhos de Abelardo. Ele não suportava ver Lúcia se humilhando daquele jeito, implorando a Sílvio. Com sua mão esquelética, ele tentou alcançar a filha, querendo limpá-la, secar as lágrimas que desciam por seu rosto.— Sílvio, fala alguma coisa! Fala alguma coisa! — Lúcia meio que se ajoelhava no chão, enquanto o vento gelado levantava seus cabelos e a barra de sua jaqueta, cortando seu rosto como se fosse lâminas afiadas.Ver Lúcia se rebaixando tanto enfureceu Sílvio. As veias em seu pescoço pulsaram de raiva, e ele a puxou para cima com força:— Levanta!— Sílvio! — Lúcia gritou com todas as suas forças, agarrando-se ao terno dele, amassando o tecido do paletó com seus dedos, tão fortemente quanto seu coração estava despedaçado.Com o rosto sombrio, Sílvio se aproximou do ouvido dela e, com os dentes cerrados, sussurrou:— O Dr. Arthur já está a caminho. Se você não se levantar agora, não me culpe se eu mudar
Abelardo sabia que não havia mais esperança. A queda do alto daquela varanda... Ninguém poderia salvá-lo. Ele estava ciente de que seu fim havia chegado.Seu olhar, finalmente, pousou em Sílvio, que estava parado atrás de Lúcia, vestindo um terno escuro, impecável, como sempre.Com dificuldade, Abelardo esticou o braço e apontou para Sílvio, indicando que ele se aproximasse. Queria falar com ele.Sílvio, vendo o homem que tanto odiava naquela condição, sentiu uma mistura de emoções que ele não conseguia descrever.Deveria sentir satisfação? Não sentia. Deveria estar decepcionado? Também não.Era um turbilhão de sentimentos complexos, uma angústia silenciosa que crescia dentro dele.Mesmo com seu jeito frio e distante, Sílvio não ignorou o gesto de Abelardo. Com passos firmes e calculados, ele se aproximou e se agachou ao lado do homem moribundo.Abelardo, com a mão ensanguentada, tocou a mão de Sílvio e deu alguns tapinhas fracos. Seu olhar, fixo em Sílvio, estava carregado de súplicas
— Rápido, coloquem ele na ambulância, ele está à beira da morte. — Disse Sílvio, lançando um olhar frio para o Dr. Arthur que estava logo atrás.Dr. Arthur e a equipe médica correram para socorrer Abelardo. Colocaram uma máscara de oxigênio nele, e uma das enfermeiras inseriu uma longa agulha na mão coberta de sangue de Abelardo.Logo, ele foi conectado ao soro, enquanto várias enfermeiras, num frenesi, o colocavam na ambulância.Lúcia e Sandra também subiram no veículo.A ambulância saiu apressada, deixando Sílvio para trás, como se ele tivesse sido esquecido. Ele ficou ali, sozinho, sendo açoitado pelo vento frio.Em seguida, Sílvio entrou no carro e seguiu a ambulância.Lá dentro, Abelardo, graças ao oxigênio, começou lentamente a abrir os olhos.— Pai, pai, estamos indo para o hospital. Aguenta firme! — Disse Lúcia, com os lábios trêmulos, tentando conter as lágrimas que se acumulavam nos olhos.Abelardo olhou para Lúcia, e então deu um leve tapinha na mão da filha. Em seguida, vir