Lúcia arqueou o corpo, a dor aguda causada pelo câncer se manifestando de forma insuportável. Sílvio a beijou por um momento antes de soltá-la.— Se você se comportar, ele pode acordar mais cedo. — Disse Sílvio, percebendo a inquietação dela, com um leve traço de pena nos olhos enquanto acariciava o topo de sua cabeça.Ele a tratava com uma indiferença quase casual, como quem afaga um gato ou um cachorro. Lúcia sorriu amargamente. Aos olhos dele, ela não passava de um bichinho de estimação. Quando estava de bom humor, ele jogava alguns ossos para acalmar sua alma inquieta, esperando que ela abanasse o rabo; quando estava de mau humor, simplesmente ignorava sua dor.Na verdade, talvez ela fosse até menos importante que um animal de estimação. Até com o papagaio que ela comprou ele demonstrava mais compaixão, alimentando-o depois que ela ia embora. Quando Lúcia voltou de Viana, após ter escapado da morte, encontrou o papagaio mais gordo do que antes, o que provava que ele era capaz de
Coisas impossíveis de realizar, por mais que se falasse ou se prometesse, não adiantava. Como, por exemplo, ele desejar que ela morresse.Sílvio encheu um copo de água, pegou uma cartela de remédio para gripe do armário de primeiros socorros e foi até a porta do quarto principal. Tentou girar a maçaneta, mas percebeu que estava trancada.Ela o rejeitava tanto assim? Ele havia saído por apenas alguns minutos e, nesse intervalo, ela já havia trancado a porta?Aquilo o incomodou um pouco, mas ele decidiu não fazer caso. Bateu de leve na porta do quarto.Nenhuma resposta. Nenhum som.— Se a gripe estiver muito forte, eu te levo ao hospital. — Disse Sílvio, sem obter resposta.Ainda em silêncio, ele perguntou de novo:— Você está dormindo?Lúcia devia estar dormindo, ou ela teria respondido.Sílvio, de repente, se sentiu como um palhaço, atuando sozinho em uma peça onde só ele era o protagonista. Ela mudava de atitude tão rapidamente. Pouco tempo atrás, estava nos braços dele, implorando pa
Lúcia estava deitada na cama do quarto principal do apartamento, olhando fixamente para o teto. Ela tinha ouvido cada palavra quando Sílvio bateu na porta e sugeriu levá-la ao hospital, mas estava exausta demais para continuar fingindo.A noite toda passou sem que ela conseguisse dormir. Observou o quarto escuro se iluminar lentamente à medida que o dia nascia.O som de batidas leves ecoou pela porta. Lúcia levantou-se da cama, caminhou até a entrada do quarto e abriu a porta.Marina, com um avental amarrado, sorriu de forma educada:— Sra. Lúcia, sou eu. O café da manhã está pronto, por favor, venha comer.— Não estou com fome. — Disse Lúcia, com sinceridade.Marina, achando que era mais um capricho, demonstrou desconforto:— Mas o Sr. Sílvio pediu para eu garantir que a senhora tome o café. Se não comer, como vou explicar para ele? Além disso, agora que está grávida, o bebê também precisa se alimentar, né?O bebê? Lúcia piscou, pensativa. Marina era uma boa pessoa, dedicada e discre
Lúcia esboçou um sorriso e colocou toda a ração que tinha na mão na tigela do papagaio, que devorou rapidamente, deixando tudo limpo em questão de segundos. A ave devia estar faminta, e Lúcia acabou enchendo a tigela várias vezes, e todas foram esvaziadas com a mesma rapidez.Enquanto olhava para as penas negras e brilhantes do papagaio, Lúcia caiu em pensamentos. A planta já havia morrido, e se o papagaio continuasse ali, teria o mesmo destino? Ela havia perdido sua liberdade, sua vida plena, e o papagaio não parecia muito diferente. Ambas estavam presas, dependendo dos caprichos de seus donos, tendo que agradar para sobreviver.Lúcia abriu a gaiola, e o papagaio, com um leve bater de asas, pousou instantaneamente na palma de sua mão.— Bom dia, bom dia. — Disse a ave, com uma dicção impecável.Lúcia, com a outra mão, acariciou suas penas. Eram incrivelmente macias ao toque, proporcionando uma sensação agradável. A luz do sol incidia sobre o papagaio, como se banhada por uma camada
O coração de Lúcia deu uma batida errada — seu pai tinha mesmo acordado?Depois de tanto tempo, aquele pai que estivera deitado em coma havia despertado! O primeiro instinto de Lúcia foi não acreditar, achando que sua mãe estava lhe pregando uma peça.— Lúcia, você está ouvindo? Seu pai acordou! — A voz de Sandra ficou ainda mais alta e emocionada.Lúcia segurou o celular com força:— Quando ele acordou?— Acabou de acordar! — Sandra respondeu com uma empolgação incontida.Ao ouvir isso, Lúcia sentiu uma onda de emoção invadir seu corpo. Seu nariz ficou imediatamente congestionado e as lágrimas começaram a brotar. Ela desligou o telefone rapidamente e correu para o quarto para trocar de roupa e sapatos.Quando seu pai sofreu o acidente de carro e ficou deitado na cama, ela não derramou uma lágrima. Mas agora, com ele finalmente acordado, as lágrimas pareciam impossíveis de segurar. Toda a dor que ela havia suportado, o sofrimento que passara, finalmente pareciam ter um fim. Deus, afin
Ao ouvir essas palavras, Lúcia foi tomada por uma profunda sensação de culpa.Tudo era culpa dela! Se não fosse por sua teimosia cega em se casar com Sílvio... Se ela tivesse escutado sua mãe e escolhido um homem mais adequado, seu pai não estaria nessa situação lamentável. A família Baptista não estaria à beira do colapso como estava agora!Com um baque, Lúcia caiu de joelhos diante de Abelardo. Seus joelhos bateram no chão frio e duro.— Pai, me perdoa! Eu fui desobediente, foi tudo minha culpa! Desculpa, desculpa! Eu fiz o senhor sofrer, fiz o senhor passar por tanto sofrimento! — Lúcia desabou em lágrimas, chorando com a dor que parecia transbordar de seu peito.Abelardo apenas emitiu sons de lamento, incapaz de falar. Lúcia agarrou a mão dele e a puxou contra seu rosto, implorando:— Pode me bater, me xingar. Eu não vou te culpar!Mas Abelardo manteve os punhos cerrados, sua frustração evidente.Enquanto Lúcia chorava, Abelardo a observava, também angustiado, soltando gemidos de d
Ao ver as lágrimas rolarem pelas faces envelhecidas de Abelardo, Lúcia imediatamente sentiu seus próprios olhos marejarem. Ela levantou a mão delicada, com as pontas dos dedos suaves. Antes, ela adorava manter as unhas bem longas e pintá-las com esmalte cor de cereja, o que destacava a elegância de suas mãos. Mas, desde que seu pai sofreu o acidente, ela não tinha mais ânimo para se preocupar com isso.Lúcia limpou as lágrimas dele, devagarinho, e sorriu para o pai:— Pai, não chore mais. Eu quero que o senhor seja sempre feliz, que nunca derrame uma lágrima sequer.Mesmo que ela não estivesse mais ali, mesmo que seu pai tivesse que enfrentá-la partindo, ela queria que ele se mantivesse feliz, sem prantos, nem mesmo no seu funeral.Abelardo, obediente, assentiu e, num piscar de olhos, conteve as lágrimas.Lúcia decidiu levar Abelardo para tomar um ar. Junto com Marina, ajudou a colocá-lo na cadeira de rodas. Ela então empurrou o pai pelos corredores do hospital, descendo até o térreo
— Foi o Sílvio quem me deu a ordem de vida ou morte. Se eu não conseguisse salvar o Abelardo em três dias, eu estaria fora daqui. Agora, pense bem, se eu for demitido, quem vai te ajudar com as suas coisinhas? Se o novo diretor descobrir o que a gente anda fazendo, os dois estamos ferrados. No final das contas, fui eu que salvei a sua pele. Quanto à Lúcia não ter morrido, foi uma baita de uma coincidência. O Sílvio trouxe a mãe dela, e ela, de algum jeito, conseguiu acordá-la. Dá pra acreditar? Meu sedativo foi simplesmente anulado, como se não tivesse efeito nenhum. A quem eu vou reclamar? — Dr. Arthur afastou a mão dela e tentou tranquilizá-la. — Agora, me diz: quem mais sabe o quanto eu gosto de você, hein? Você é minha vida. Como você pode pensar que eu te trairia por causa da Lúcia? Vem cá, me dá um beijo. Essa última semana foi um inferno. Faz tempo que não te vejo, tô morrendo de saudade.Ele se inclinou, com os lábios prontos para beijá-la, mas Giovana o afastou com nojo, ainda