Ao ver as lágrimas rolarem pelas faces envelhecidas de Abelardo, Lúcia imediatamente sentiu seus próprios olhos marejarem. Ela levantou a mão delicada, com as pontas dos dedos suaves. Antes, ela adorava manter as unhas bem longas e pintá-las com esmalte cor de cereja, o que destacava a elegância de suas mãos. Mas, desde que seu pai sofreu o acidente, ela não tinha mais ânimo para se preocupar com isso.Lúcia limpou as lágrimas dele, devagarinho, e sorriu para o pai:— Pai, não chore mais. Eu quero que o senhor seja sempre feliz, que nunca derrame uma lágrima sequer.Mesmo que ela não estivesse mais ali, mesmo que seu pai tivesse que enfrentá-la partindo, ela queria que ele se mantivesse feliz, sem prantos, nem mesmo no seu funeral.Abelardo, obediente, assentiu e, num piscar de olhos, conteve as lágrimas.Lúcia decidiu levar Abelardo para tomar um ar. Junto com Marina, ajudou a colocá-lo na cadeira de rodas. Ela então empurrou o pai pelos corredores do hospital, descendo até o térreo
— Foi o Sílvio quem me deu a ordem de vida ou morte. Se eu não conseguisse salvar o Abelardo em três dias, eu estaria fora daqui. Agora, pense bem, se eu for demitido, quem vai te ajudar com as suas coisinhas? Se o novo diretor descobrir o que a gente anda fazendo, os dois estamos ferrados. No final das contas, fui eu que salvei a sua pele. Quanto à Lúcia não ter morrido, foi uma baita de uma coincidência. O Sílvio trouxe a mãe dela, e ela, de algum jeito, conseguiu acordá-la. Dá pra acreditar? Meu sedativo foi simplesmente anulado, como se não tivesse efeito nenhum. A quem eu vou reclamar? — Dr. Arthur afastou a mão dela e tentou tranquilizá-la. — Agora, me diz: quem mais sabe o quanto eu gosto de você, hein? Você é minha vida. Como você pode pensar que eu te trairia por causa da Lúcia? Vem cá, me dá um beijo. Essa última semana foi um inferno. Faz tempo que não te vejo, tô morrendo de saudade.Ele se inclinou, com os lábios prontos para beijá-la, mas Giovana o afastou com nojo, ainda
Lúcia acompanhava Abelardo em uma caminhada, explorando os arredores do hospital. Ela achava que, depois de tanto tempo deitado, o pai precisava respirar um pouco de ar fresco para se recuperar mais rapidamente.Quando desceram, o sol ainda se punha, mas agora o crepúsculo já havia dado lugar a um céu cada vez mais sombrio. Um vento gelado soprou, levantando o cobertorzinho que cobria os joelhos de Abelardo. Ele levou o punho aos lábios e tossiu levemente, o corpo tremendo com a tosse.— Pai, vamos voltar pro quarto. — Lúcia se preocupou que ele estivesse pegando frio e apertou as mãos no apoio da cadeira de rodas.Abelardo assentiu com a cabeça e tentou tranquilizá-la, emitindo sons incompreensíveis. Pelo movimento de seus lábios, Lúcia deduziu que ele estava dizendo: "Estou bem, não se preocupe."De volta ao elevador, Lúcia se inclinou para perguntar:— Pai, o que o senhor gostaria de comer?Ele balançou a cabeça.— Eu fico feliz em cozinhar para o senhor. Amanhã, quando eu voltar,
Ao ouvir aquelas palavras, as lágrimas de Abelardo começaram a escorrer silenciosamente de seus olhos. Ele estava deitado na cama, sem dizer nada, sem emitir nenhum som. Apenas seus olhos ficavam cada vez mais vermelhos, enquanto chorava em silêncio.Abelardo era um homem extremamente inteligente, e agora, mais do que nunca, sentia o peso de ser um fardo para Lúcia. A culpa e a tristeza o esmagavam por dentro.Após desabafar, Sandra percebeu o que tinha feito. Ela não deveria ter despejado tantas queixas diante do marido. Rapidamente, tentou consertar:— Abelardo, não pense demais nisso, por favor. O fato de você ter despertado já nos deixa muito felizes. A Lúcia disse que está bem, que as coisas estão melhorando. Além disso, ela está esperando um filho do Sílvio. Talvez, quando o bebê nascer, o Sílvio mude de atitude e passe a tratá-la, e a nós, com mais carinho. Eu consigo ver que ele se importa com o bebê que Lúcia está esperando. Não leve a sério o que eu disse antes. E, olha, as s
— Hum. — Lúcia acenou com a cabeça.Sílvio franziu o cenho e continuou a perguntar:— Foi você que jogou fora a planta ali no canto?— Fui eu. — Lúcia respondeu sem hesitar.Sílvio se aproximou dela:— Por quê?— A planta morreu, e o papagaio estava preso na gaiola, nada feliz. Achei melhor soltá-lo para voar livre pelo céu. — Disse ela, com naturalidade.Sílvio estreitou os olhos, claramente insinuando algo:— E como você sabe que ele estava infeliz na gaiola? Eu dava boa comida e bebida pra ele. Solto, ele pode morrer de fome por aí.Lúcia piscou os olhos, surpresa com a lógica dele. Então, era assim que ele pensava. Interessante. Será que ele realmente acreditava que, ao torturá-la daquele jeito, ela também ficava feliz e grata?Ela sentiu a resposta irônica formar na garganta, pronta para ser dita, mas então lembrou que seu pai havia acabado de acordar e que ainda precisaria da ajuda de Sílvio em muitas coisas. Não seria prudente criar um conflito agora, isso só traria prejuízos pa
— Não disse que quero fazer isso com você. — Sílvio segurou bruscamente a mão dela, impedindo-a de desamarrar seu roupão."Não quer fazer comigo? Então vai fazer com quem? Com a Giovana?" Lúcia pensou.Sílvio era aquele tipo de homem raro que conseguia ser o cúmulo do canalha e o exemplo de fidelidade, tudo ao mesmo tempo. Com ela, era cruel até o limite, mas com Giovana, era devotado de forma impressionante.As pessoas eram complicadas, afinal. Cheias de contradições. Até os piores homens podiam ser calorosos, mas tudo dependia de quem estava recebendo o calor.Lúcia odiava rodeios. Gostava de ir direto ao ponto.— Você não disse que eu tinha que te agradecer?— Mas não precisa ser desse jeito. — Sílvio franziu o cenho. Ele detestava quando ela agia assim. No passado, ele morria de ciúmes e queria dominá-la por completo, possuir cada centímetro de seu corpo. Agora, ele desejava muito mais: queria o corpo, o coração, queria tudo dela.A Lúcia de antes sempre fazia essas coisas de form
Ela nunca teria imaginado que, quando Sílvio falava em “grato”, isso significava destruir a família Baptista, jogá-la do alto para ser esmagada sob os pés dele.Lúcia não queria acreditar nas palavras dele, não queria ceder. Mas, no final das contas, que outra opção ela tinha? Ela simplesmente não tinha o direito de resistir.Lúcia piscou os olhos lentamente.— Tudo bem.— Então, vamos montar o carrinho de bebê. Preciso que me ajude. — Sílvio, satisfeito com a resposta, rasgou a embalagem do carrinho e pegou o manual de instruções.Ele leu o manual com atenção e pediu a Lúcia que lhe entregasse as peças enquanto ele montava o carrinho.Ela, sempre atenta, encontrava rapidamente as peças certas e as passava para ele. A sintonia entre os dois era impecável.Nenhuma luz estava acesa no terceiro andar. A luz das estrelas e da lua, que entrava pelas janelas abertas, iluminava o ambiente, espalhando sombras por todo o chão e sobre eles.Lúcia reparou que as sombras deles se uniam no chão, ma
Sílvio terminou de montar o carrinho e, ao levantar o olhar, percebeu que ela ainda o observava. Isso o fez lembrar dos primeiros tempos de namoro, quando Lúcia costumava encará-lo da mesma forma.Na época da faculdade, enquanto ele estudava na biblioteca, ela sempre o olhava fixamente. Ele, já sabendo a resposta, perguntava de brincadeira:— Lúcia, o que você está fazendo?— Estou olhando meu namorado. Não consigo evitar, você é lindo demais, nunca me canso de te olhar. — Ela respondia, radiante de felicidade.Sílvio se perdeu por um momento nessas lembranças e, sem pensar, repetiu:— Lúcia, o que você está fazendo?— Estou te olhando. — Respondeu Lúcia, com uma sinceridade cansada em seus olhos.— Me olhando por quê? — Sílvio franziu a testa.Lúcia pensou que ele provavelmente não queria que ela o olhasse. Afinal, ela era filha de seu maior inimigo. Ser observada pela filha de seu rival deveria lhe causar náuseas, né? Ele devia estar enjoado, talvez até com vontade de vomitar.Com um