Assim que viu o presente enviado pelo artesão, Conor finalmente pareceu lembrar de mim, que há dias não aparecia.— Clara não tem aparecido estes dias para fazer confusão, não é? Será que finalmente se aquietou? — Ele comentou, franzindo a testa por um instante antes de voltar a conferir o embrulho que receberam. — Ela sempre foi muito mimada. Só passando por algum sufoco para aprender a se comportar.Um de seus subordinados pigarreou com a voz cautelosa:— Alfa, me desculpe, mas a Luna... Ela ainda está presa dentro daquele poço.A mão de Conor, que segurava a pena, parou por um segundo. Em seguida, ele disfarçou a expressão e respondeu com aparente indiferença:— Eu achei que ela tivesse finalmente aprendido a ficar quieta. Então que fique lá mais alguns dias, para tirar uma lição de tudo isso.O subordinado hesitou, com o olhar preocupado:— Mas, Alfa... Já faz dias que não escutamos nem um ruído. E o cheiro que vem de lá é horrível. Não gostaria de verificar a situação dela?Conor
Belinda deixou transparecer um leve brilho de triunfo no olhar, mas rapidamente o escondeu.— Alfa, o senhor não precisava chegar a tanto. Eu não queria que ela fosse castigada. Temo que, a Luna possa me culpar por tudo isso no futuro.— Ela se atreveria? — Conor replicou, categórico. — Não se preocupe. Tenho certeza de que, após sair dali, vai baixar a crista. A menos que deseje voltar para o mesmo poço.— Ela é tão orgulhosa, mas fico imaginando como estão sendo esses dias resolvendo tudo lá embaixo. — Ele disse, com maldade. — Certamente não vai querer se submeter a isso de novo.Afinal, ele sabia melhor do que ninguém o quanto eu valorizava minha dignidade. E ainda assim, escolheu me dar a morte mais humilhante possível.Antes de morrer, minhas unhas cuidadosamente afiadas se fincavam nas paredes do poço, e eu escalava sem parar. Porém, sempre que estava quase chegando à beira, os guardas me empurravam de volta para o fundo.Depois, por ordem dele, selaram completamente a entrada,
As palavras de Conor defendendo Belinda me parecem tão absurdas. Eu estava incapaz de conter um riso irônico.Duas semanas atrás, saí com a caravana para negociar com uma tribo vizinha. Por ser a Luna, todos me tratavam com reverência, o que deixava Belinda fervendo de ciúmes. Certo dia, quando eu estava sozinha, ela me interceptou no meio do caminho e, com um tom desafiador, disse:— De que adianta ser a Luna? O coração do Alfa não está nem um pouco em você!Não tinha vontade de discutir, então apenas me afastei e subi na minha carroça. Belinda não quis ir à carroça mais velha que restou e acabou ficando pelo caminho, sozinha, em meio ao descampado.Depois de algum tempo, Conor foi buscá-la com alguns homens. Eles a encontraram lutando para se livrar das garras enormes de um urubu gigante. Ao ser salva, ela parecia tão frágil que mal conseguia respirar, e, como se estivesse prestes a morrer, murmurou para Conor:— Eu só queria ver você de longe, mas nem esse desejo tão pequeno pude r
Observei atentamente a reação de Connor, me perguntando se, no fundo, ele ainda simpatizava comigo. No entanto, só o vi franzir a testa brevemente.— Como assim? A Clara morreu? — Perguntou ele, com a voz fria.— Sim, Alfa... A Luna ficou tempo demais naquele poço seco... Sem água, sem comida... Não... Ela não aguentou. — Explicou o subordinado, cabisbaixo, incapaz de encarar Conor nos olhos.Conor soltou um riso incrédulo, como se tivesse ouvido uma piada:— Ah, é mesmo? Pois que continue fingindo. Se estiver morta de verdade, chame o sacerdote para fazer um ritual e joguem o corpo dela no mar. Assim ela vai aprender as consequências de bancar a morta.O olhar dele me encheu de repulsa, e percebi que não queria assistir à sua crueldade mais nem um segundo. Tentei controlar minha alma para me afastar, para subir cada vez mais. Mas, quanto mais tentava, mais sentia uma força que me puxava de volta a Conor. Logo percebi que não era Conor em si que me atraía, e sim o bracelete de alma d
Conor soltou um sorriso sarcástico nos lábios e zombou:— Como ela pode morrer tão fácil assim? Eu sei muito bem quão forte é a vontade de viver dela.Ao lado dele, Belinda riu também.— Pois é, nossa Luna é capaz até de engolir cobra viva. Embora não tenha havido água nem comida nos últimos dias, acredito que ela pode sobreviver.Os empregados que escutavam a conversa riram baixo, fazendo coro. Mas, curioso, o riso de Conor travou no rosto.Naquele instante, observei sua expressão constrangida e senti um breve alívio.“Então você também sente alguma culpa, não é mesmo?”, pensei comigo.Me lembrei de quando Conor foi capturado pelos renegados. Tentando salvá-lo, me infiltrei sozinha no quartel-general deles. Quando finalmente cheguei à cela onde ele estava preso, coberta de ferimentos, o olhar de surpresa e gratidão de Conor era tão intenso que quase esqueci a dor.Para fugir, fingimos ser dois guerreiros rouge de baixa patente. Mas, ao recebermos a ração distribuída, cobras e centopei
Conor deu um salto para trás, arrepiado.— Quem... Quem colocou essa coisa horrível lá embaixo? — Sua respiração ficou pesada, o peito subia e descia rapidamente. — Cadê a Clara? Será que ela acha que colocar um cadáver falso vai me enganar? Vão atrás dela, agora!Eu me divertia ao ver quão absurda era a reação dele. Afinal, meu corpo estava ali, estava apodrecendo. Para onde mais poderiam me procurar?Em pânico, um dos subordinados tentou avisá-lo:— Alfa... A Luna... Ela... De fato morreu... O corpo já está cheirando mal.— Mentira! Está querendo me enganar? — Conor explodiu em fúria, interrompendo o homem. Num golpe rápido, desembainhou a espada e, sem hesitar, decepou a cabeça do subordinado. — Quem mais ajudar a Luna a me enganar terá o mesmo destino!Ele ainda vociferava:— Custe o que custar, quero Clara de volta. Tragam ela até mim, não importa como!Conor mandou lacrar o poço com placas de ferro e chamou dezenas de cachorros de caça e guerreiros, especialistas em rastrear inim
Desde aquele instante em que Conor viu meu anel e, por um breve segundo, deixou escapar um lampejo de tristeza, nunca mais o vi demonstrar qualquer sinal de abatimento. Ele continuou a trabalhar e viver como sempre fazia, mantendo a mesma rotina.Só que, ao voltar para o castelo em que morávamos juntos, era inevitável perceber um costume que ele não perdeu. Conor costumava estender o sobretudo para trás, esperando que eu o pegasse, enquanto me chamava pelo nome em voz alta. Então, ao se dar conta de que eu não estava mais lá, a expressão em seu rosto ficava confusa, como se ele tivesse se esquecido de algo por um instante.Quando se aproximou o festival anual da Matilha Garra Negra, diversos subordinados vieram prestar contas a Conor sobre as compras e preparativos necessários. Impaciente, ele reclamou:— Deixem esse tipo de tarefa para Luna. Não me incomodem com isso!Só que, ao notar os olhares hesitantes de todos, Conor tornava a ficar confuso. Aquela expressão de desamparo que s
Após perceber que eu jamais voltaria, Conor mergulhou na bebida. Passou a se embriagar dia após dia, deixando de lado até as obrigações da matilha.Às vezes, quando estava completamente bêbado, ele gritava me ofendendo que eu era cruel com Belinda e que eu era uma víbora.Na maioria das vezes, porém, apenas chamava insistentemente pelo meu nome. Em seguida, corria até a câmara fria onde guardavam meu corpo e me beijava, mesmo com a carne já em decomposição. Até eu, que habitava aquele corpo e aquela lembrança, sentia repulsa por aquela cena.As repetidas negligências de Conor acabaram prejudicando várias questões importantes da matilha, e os anciãos chegaram ao limite da paciência. Eles decidiram pedir ajuda a Belinda, esperando que ela conseguisse persuadi-lo a retomar o controle da situação.Belinda apareceu justamente no instante em que Conor me segurava nos braços. Ao ver a cena, ela deu um grito de horror e começou a vomitar, sem conseguir acreditar naquilo.— Alfa, o que está faz